"Chegar ao Buritis é muito fácil. Você pode escolher a Avenida Raja Gabaglia, a Avenida Barão Homem de Melo ou o Anel Rodoviário.” "Você pode notar que a área, inicialmente ligada pelas pistas da Avenida Raja Gabaglia, está integrada a toda a Zona Sul. São vias quase todas do tipo freeway, de poucos cruzamentos, o que torna ainda mais fácil o acesso.” As duas citações, retiradas de propagandas que seduziam compradores na época do loteamento, entre o fim dos anos 1980 e o início da década de 1990, parecem brincadeira quando confrontadas com o que hoje é o bairro mais populoso da Região Oeste de BH. Marcado pelos engarrafamentos diários, o Buritis reclama há muito soluções de mobilidade. Mas, além de não haver nenhuma prevista de imediato, o temor é que a situação se agrave em velocidade inversa à do congestionado tráfego do lugar, com a pressão exercida pelo chamado Buritis 2 – a nova fronteira do adensamento frenético da região.
Apesar da urgência da situação, a BHTrans – que por ironia
tem sede no bairro – não programa providências antes dos próximos três anos.
Elas viriam por meio de duas obras de grande porte: a implantação da Avenida
Henrique Badaró Portugal, por onde passam os córregos Cercadinho e Ponte
Queimada, até a Avenida Tereza Cristina, nos limites dos bairros Marajó e
Betânia, ainda na Região Oeste; e a criação de um complexo viário na ligação
com o Anel Rodoviário. Porém, essa última intervenção está atrelada à reforma completa
da rodovia, que se arrasta há anos e atualmente está na fase de projetos. A
nova avenida também depende de estudos da Prefeitura de BH, e esbarra na
remoção de famílias de áreas invadidas às margens dos córregos. Enquanto isso
não ocorre, especialistas e moradores alertam para o novo canteiro de obras em
franca expansão, no Buritis 2, delimitado pelo Anel e pelo Bairro Palmeiras,
onde novos espigões começam a brotar.
"Se nada de grande impacto for feito nos próximos três anos,
a situação vai ficar inviável. Com a demanda criada pelo Buritis 2, tudo vai
travar”, prevê o diretor de Comunicação da Associação de Moradores do Bairro
Buritis, Paulo Gomide. A oferta dos novos condomínios no Buritis 2 contribui
para manter a área em destaque no ranking dos apartamentos oferecidos em BH. De
janeiro a maio, o Buritis monopolizou o primeiro lugar na lista, posto que só
perdeu em junho, depois do lançamento de empreendimentos no Bairro Antônio de
Abreu (Nordeste), na saída para Sabará, Grande BH. Mesmo assim, de acordo com o
Instituto de Pesquisas Econômicas Administrativas e Contábeis de Minas Gerais
(Ipead/UFMG), 17% dos quase 2 mil apartamentos na planta, em construção ou
prontos para morar estão no gigante da Região Oeste (347). Ainda segundo Paulo
Gomide, a previsão é de que 5 mil pessoas ocupem a área da segunda etapa do
bairro, o que o levaria a disputar a liderança entre os mais populosos da
capital.
Antes mesmo que isso ocorra, os efeitos do adensamento são evidentes nas ruas: a Avenida Professor Mário Werneck, principal acesso ao bairro, é a mais estrangulada. O reflexo se espalha por vias secundárias como a Professora Bartira Mourão, Doutor Lucídio Avelar, Marco Aurélio de Miranda, Paulo Diniz Carneiro e Heitor Menin.
Saída para problemas
de mobilidade passam pela obra do Anel
BHTrans anuncia que
uma das duas intervenções prioritárias para desafogar o tráfego no Bairro
Buritis depende da complexa e adiada reforma da rodovia que corta a capital
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A ligação entre a Rua Moysés Kalil e o Anel Rodoviário é
considerada prioridade pelo diretor, como parte da reforma da rodovia que corta
a cidade. "A obra do Anel será licitada no ano que vem e já levamos ao governo
do estado nossa vontade de que a parte do Buritis seja feita o mais rápido
possível”, diz ele. A obra deve possibilitar todos os movimentos entre o bairro
e o Anel Rodoviário, como as conversões à esquerda, que hoje não são possíveis.
Em recente visita a Minas, a presidente Dilma Rousseff anunciou que o edital
para as obras do Anel será lançado em fevereiro de 2014, sendo que três trechos
terão início um mês antes. Porém, nenhum deles contempla a região do Buritis.
A segunda intervenção prevista para o bairro – que já está
garantida, segundo a BHTrans, com recursos municipais e federais – é a
implantação da Avenida Henrique Badaró Portugal, entre as avenidas Professor
Mário Werneck e Tereza Cristina. "Ela já virá com faixas exclusivas para o
transporte rápido por ônibus (BRT, da sigla em inglês) e com uma ciclovia”,
anuncia Celio Freitas. A Copasa informou que vai disponibilizar recursos para
que a Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte (Urbel) faça a remoção das
famílias que moram às margens dos córregos Cercadinho e Ponte Queimada,
tributários do Arrudas e que definirão o traçado da nova avenida. "A
expectativa é de que, na pior das hipóteses, essa obra pelo menos comece em
2016”, diz Celio Freitas.
Ambas as intervenções estão intimamente ligadas com o
tráfego do Buritis 2, pois estão bem perto do novo canteiro de obras do bairro.
É um alento para a designer gráfica Leidiane Oliveira, 31, que se mudou para o
Buritis 2 em novembro de 2011. Junto com o marido, ela optou por um apartamento
na Avenida Senador José Augusto buscando a tranquilidade da parte mais alta do
bairro, ainda cercado por algumas áreas verdes. Mas, menos de dois anos depois,
ela se assusta com a velocidade com que os prédios surgem nas proximidades. "Eu
ainda tenho um pouco de sorte, por estar bem perto do Anel Rodoviário, mas,
quando isso tudo estiver ocupado, a tendência é parar o trânsito. Hoje, mesmo
indo de moto, meu marido já enfrenta dificuldades para chegar à Avenida Raja
Gabaglia, onde ele trabalha”, diz ela. Leidiane mora em um condomínio com seis
prédios, totalizando 166 apartamentos. "Tive uma vizinha que morou aqui por um
ano e desistiu por causa do trânsito”, completa.
Segundo a BHTrans, já foi detectada a necessidade de outras
duas intervenções no Buritis. Uma seria a ligação entre a Rua Doutor José
Rodrigues Pereira e a Avenida Raja Gabaglia. Outra é a conexão entre a Rua
Paulo Piedade Campos e a Barão Homem de Melo. Nos dois casos, a possibilidade é
usar o que os técnicos chamam de desnível, fazendo trincheiras ou viadutos.
Porém, não há nenhuma previsão sobre o dia em que essas obras sairão do papel.
No fim da década de 1980, quando fui trabalhar por aqueles lados, o Buritis era apenas um loteamento com poucas construções. A Mendes Jr, onde hoje está a UNI-BH, a Dynamis, que deu lugar ao Verdemar, e o posto de gasolina da Rua José Rodrigues Pereira – tenho a impressão que ele já estava lá quando o bairro surgiu –, e não mais do que uma dezena de prédios. A via, aliás, era uma das únicas saídas do bairro, além da Rua Paulo Piedade de Campos, pois a Avenida Mário Werneck não chegava até a Avenida Barão Homem de Melo e a saída para o Anel Rodoviário era de terra (e ruim). Doze anos depois, quando me mudei para lá, o Buritis já era um bairro com vários prédios e moradores, mas ainda era um local tranquilo, com trânsito bom e várias comodidades. Na Rua Vitório Magnavaca, o som das bolas de tênis batendo na quadra Dynamis, do outro lado da rua, penetrava nos quartos nas manhãs de sábado. Mas o crescimento acelerado roubou do bairro esses tempos. Nem mesmo o letreiro gigantesco com o nome Buritis, que imperou solene no alto do bairro por muitos anos, resistiu ao crescimento: foi posto ao chão para dar lugar a um dos inúmeros prédios que foram e continuam sendo construídos por aqueles lados.
Falta de planejamento
prejudica mobilidade urbana em BH
Saturação de regiões
como a do Buritis apimenta discussão sobre o descompasso entre a expansão
imobiliária e o planejamento viário. Prefeitura garante que a legislação
evoluiu
"Será que a prefeitura não poderia barrar o avanço das
construções? O andamento de grandes obras na região não vai contribuir para
apertar ainda mais o nó da mobilidade?” As perguntas partem do engenheiro de
energia Filipe Barone, de 24 anos, morador do Buritis. Mas não são apenas dele.
Estão na cabeça de grande parte da população do bairro e também de outras
regiões da capital. Especialistas acreditam que em Belo Horizonte falta união
entre os órgãos que tratam do uso do solo e os que definem as questões de
mobilidade urbana. A prefeitura discorda, dizendo que hoje pensa a cidade de
forma integrada e que as ruas ainda refletem o passado, diferente da legislação
em vigor.
"Se o uso do solo não for uma coisa integrada com as
questões mais amplas de mobilidade, o resultado será sempre as atuações do
poder público de forma fragmentada, atacando problemas pontuais que não
resolvem em nada de forma estrutural”, diz o mestre em planejamento territorial
Cristiano Ottoni. Ele se refere ao fato da expansão crescente no Buritis, que,
segundo o especialista, não está acontecendo da maneira correta, com o
planejamento de novos modais de transporte público na área que ainda não está
adensada. "Não há nada tão ruim que não possa ser piorado”, ironiza o
professor.
A gerente de Informação e Monitoramento da Secretaria
Municipal Adjunta de Planejamento Urbano de BH, Gisella Cardoso Lobato, defende
a atuação da administração municipal. "Neste momento temos um olhar para a
cidade muito mais detalhado. Hoje é bem mais fácil identificar as fragilidades
da cidade do que antes”, afirma. Sobre o Buritis 2, Gisella garante que não há
risco de se repetir a ocupação desenfreada das outras áreas do bairro. "Eu não
acho que essa área vai chegar nem perto do que foi o Buritis, mesmo com essa
situação de prédios que já estão em construção”, afirma. O principal motivo que
confirma essa expectativa, segundo ela, é a mudança nas normas com relação à
vigência dos alvarás de construção.
"Antes o projeto era aprovado e as renovações de alvará eram obtidas por meio do pagamento de uma taxa. Isso gerava um passivo construtivo. A prefeitura nunca sabia o que poderia acontecer na cidade, quais obras iam acontecer”, diz. Segundo ela, atualmente as regras mudaram e o alvará de construção tem prazo, que deve ser renovado sempre respeitando a legislação em vigor e os padrões definidos pelo zoneamento da região, sob pena de embargo da obra. O prefeito Marcio Lacerda (PSB) compartilha da opinião, mas reconhece que no passado a oferta de infraestrutura e a ocupação não andaram na mesma velocidade. "Assim como ocorreu em outras regiões da cidade, o Buritis cresceu sob a proteção de leis antigas de ocupação e uso do solo, o que levou a uma explosão populacional sem a mesma velocidade na implantação de infraestrutura urbana”, diz o prefeito.