Quero voltar a andar de bicicleta apesar de todo o perigo - Lucy Kellaway

02/05/2016 08:43 - Valor Econômico - Financial Times

Após escrever sobre meu mais recente acidente de bicicleta, recebi um grande número de e-mails. Metade das mensagens veio de pessoas com boas intenções me dizendo ser uma loucura andar de bicicleta em Londres e que eu deveria aprender a lição.

A outra metade veio de pessoas igualmente bem-intencionadas que escreveram: que azar! Espero que você volte a andar de bicicleta em breve. Como resultado, estou tendo que enfrentar uma dúvida que geralmente ignoro: devo pendurar o capacete de uma vez por todas? Se for assim, como devo ir para o trabalho?

Nas três últimas semanas venho experimentando várias maneiras de percorrer os sete quilômetros de minha casa até a sede do "Financial Times" em Southwark - metrô, trem, Uber, a pé, de ônibus e uma combinação de todos.

Também venho estudando a literatura, que não é particularmente encorajadora. Um longo deslocamento pode nos deixar irritados, deprimidos, cínicos e propensos a um ataque do coração e distúrbios osteomusculares - especialmente se viajamos sentados e imóveis.

Segundo o Google Maps, há várias opções de transporte nos horários de pico, cujos tempos vão de 31 minutos (de bicicleta) a 88. Após a bicicleta e o automóvel - que não é uma opção porque não tenho onde estacioná-lo no trabalho -, o Uber é a opção mais rápida.

Portanto, no Dia Um chamei um carro, que chegou na porta de casa em três minutos e no qual pulei me sentindo otimista. Uns 20 minutos depois, o trânsito pesado em Hackney Road já abalou um pouco meu ânimo. Após 47 minutos cheguei no trabalho 16,53 libras mais pobre, sentindo-me irritada e um pouco enjoada, após cometer o erro de tentar cuidar dos meus e-mails no banco de trás de um Toyota Prius.

Recorrendo ao transporte público, a rota mais rápida recomendada pelo meu smartphone envolve tomar um ônibus para a Old Street, onde me juntei a 3,7 milhões de outras pessoas que usam o metrô para ir trabalhar. Entrei em um trem para a zona sul, que estava tão lotado que não tive espaço nem para averiguar meu celular, quanto mais ler um jornal.

"Como vocês aguentam isso?", tive a vontade de perguntar aos gritos para a massa espremida no vagão. Em vez disso, fiquei observando os rostos impassíveis das pessoas. Elas aguentam porque não têm escolha. Elas aguentam porque estão acostumadas. A viagem durou 51 minutos, mas pareceu muito mais, uma vez que a necessidade de mudar de um tipo de transporte para outro torna mais difícil percorrer o itinerário no "piloto automático" - que é a única maneira de enfrentar o transporte público.

Em seguida tentei o trem de superfície, envolvendo uma longa caminhada em cada uma das pontas. Esse estava um pouco menos lotado e não envolvia mergulhar 18 metros nas entranhas do solo. Mas o zoológico humano da estação Liverpool Street na hora do rush é deprimente e os trens não são muito frequentes. No caminho de casa, perdi um deles e os dez minutos que precisei esperar pelo próximo me deixaram angustiada além da conta.

No dia seguinte, tomei o ônibus 48 e me sentei no andar de cima, na parte da frente, li o jornal, enviei alguns e-mails e pela janela admirei o Gherkin, primeiro, e depois o Shard, dois prédios emblemáticos da cidade. Mesmo assim, quando cheguei ao trabalho, 62 minutos e 23 paradas depois, me senti mais como uma idosa em uma excursão de um dia, do que como uma jornalista pronta para o trabalho.

E assim restou caminhar. Saí de casa em uma linda manhã ensolarada e cheguei ao trabalho 83 minutos depois, animada e cheia de alegria pela vida. Mesmo assim, quando a noite chegou eu havia perdido o ânimo e voltei para casa de trem. Se eu não tivesse nada mais para fazer na vida, poderia me preparar para passar quase três horas por dia caminhando de um lado para outro em Londres - mas eu tenho.

Portanto, sobrou apenas a bibicleta, que é de longe a maneira mais rápida, satisfatória e quase a mais barata de se ir para o trabalho. É verdade que ir de bicicleta para o trabalho é o pior meio para o penteado e contribui para a sensação de se passar 106 dias por ano enlameada por causa das chuvas em Londres. Mesmo assim, somente de bicicleta você chega com um estado de espírito perfeito para trabalhar - com os sentidos aguçados por ter que desviar de caminhões e sentindo-se maravilhosamente bem.

Infelizmente, sentir-se vivo ao andar de bicicleta é algo que pode acabar mal. É isso que me assusta. As mortes de ciclistas estão em queda em Londres - especialmente por jornada -, mas isso ainda significa que mais de uma dezena deles morrem todos os anos e cerca de 400 sofrem ferimentos graves.

Sei como evitar as portas dos carros e os caminhões que viram à esquerda. Uso todos os equipamentos de segurança. Mesmo assim, em dez anos já sofri três acidentes que exigiram visitas ao hospital.

Isso me coloca em grande risco? Não sei responder, mas temo que o prognóstico não seja bom. Mesmo assim, no fim das contas toda avaliação de risco erra em um ponto. Quanto mais tempo eu sofrer com as agruras dos caminhos alternativos para chegar do ponto A ao ponto B, maior será a probabilidade de eu simplesmente parar de perguntar se é loucura andar de bicicleta em Londres e retornar a ela assim que o fisioterapeuta me liberar.

Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times".