A mesma grita que ocorre hoje em cidades brasileiras, como São Paulo, por causa da redução da velocidade máxima em vias da região central, locais ou semi-expressas também já aconteceu há décadas em diversas partes do mundo.

Cidades como Paris e Frankfurt começaram já nos anos de 1980, a adotar medidas de segurança viária, entre as quais, a redução de velocidade máxima. Outras nações também viram no início dos anos 2000, os veículos andarem mais lentamente em regiões de grande movimento em suas cidades, como em Nova York que, em novembro de 2014, baixou o limite de velocidade dos já reduzidos 48 km/h para 40 km/h.

Apesar de toda a gritaria, com o tempo os cidadãos foram entendendo que reduzir a velocidade traz a redução imediata do número de mortes no trânsito e também das gravidades das lesões. É uma questão óbvia. Quanto menor a velocidade, menor será o impacto e a gravidade dos acidentes, poupando principalmente os mais frágeis nas vias: pedestres e ciclistas. Entre 48 quilômetros por hora e 40 quilômetros por hora, um acidente pode deixar de ser fatal para ter apenas feridos.

A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, por exemplo, tem em seus 34 países membros, cidades cujo limite de velocidade foi reduzido para 50 quilômetros por hora ou menos.

Paris, por exemplo, tem 600 quilômetros de ruas e avenidas com velocidade máxima de 30 quilômetros por hora. Em Toronto, no Canadá, em setembro de 2015, todas as vias de bairros residenciais tiveram velocidade reduzida para 30 quilômetros por hora e todas as suas ruas independentemente do volume de veículos já tinham no início dos anos 2000, velocidade reduzida de 50 quilômetros por hora para 40 quilômetros por hora.

Londres, em 2013, reduziu a velocidade das principais vias centrais em 2013 para 20 milhas por hora, aproximadamente 32 quilômetros por hora. O objetivo das autoridades era reduzir o número de acidentes com mortes pela metade em 10 anos, mas a meta foi atingida já no final de 2015.

No ano passado, em Nova York, o número de mortes em acidentes de trânsito caiu 12% nas áreas chamadas de “Visão Zero”, ou seja, cujo objetivo é zerar o número de óbitos até 2025. As vítimas com ferimentos graves caíram 2,5%, de acordo com autoridades locais.

Apesar de todas estas cidades serem de nações economicamente desenvolvidas, a prática de redução da velocidade deve ser adotada também e, principalmente, em países em desenvolvimento. É o que diz a ONU – Organização das Nações Unidas, que lembra que nestes países, os investimentos em mobilidade urbana e segurança viária são inferiores e que por isso a redução da velocidade tem de ser urgente. É uma medida praticamente sem custo e que requer mudanças culturais, mas para que as mudanças aconteçam, as ações devem ser tomadas o mais rapidamente possível.

A ONU estipulou como meta o número de, no máximo, 6 mortes a 100 mil habitantes até o ano de 2020. São Paulo, por exemplo, registou em 2015, de acordo com a CET – Companhia de Engenharia de Tráfego, 8,26 mortes por 100 mil habilitantes. Em dezembro de 2014, o índice era de 10,47.

No Brasil, a redução de velocidade toma uma proporção política e é debatida nas campanhas eleitorais ao pleito municipal.

A cidade de São Paulo registrou queda de 21% no total de mortes em decorrência de acidentes de trânsito na comparação entre o primeiro semestre de 2016 e os seis primeiros meses de 2015.

Os dados são do Infosiga  – Sistema de Informações Gerenciais de Acidentes de Trânsito do Estado de São Paulo. Em 2015, a capital paulista havia registrado 599 mortes até o fim do mês de junho. O número em 2016 caiu 476 vítimas fatais. Queda de 21% no número de mortes.

Em todo Estado de São Paulo, contando também cidades onde não houve redução de velocidade, a queda no número de mortes foi proporcionalmente menor: de 8%, passando de 3.094 no primeiro semestre de 2015 para 2.861 de janeiro a junho deste ano.

Muito mais que números, a questão envolve políticas públicas vidas e também conscientização por parte da população, em especial das pessoas que só deslocam em seus carros.

Especialistas de diversas partes do mundo mostram que a redução de velocidade está intimamente ligada com a redução do número de mortes.

Um estudo do Insurance Institute for Highway Safety, órgão norte-americano que cuida da segurança no trânsito, chegou a conclusão que os aumentos de velocidade nos últimos 20 anos custaram, ao menos 33 mil vidas em acidentes.

De acordo com o estudo, a cada aumento de 8 km/h nos limites de velocidade máxima resultaram em um crescimento de 4% nas mortes. Quando se fala apenas de rodovias, o mesmo aumento de velocidade gera 8% mais acidentes fatais.

Se a redução de velocidade ajuda a reduzir o número de mortes e a gravidade dos acidentes, também, ao contrário do que muitos dizem, pode reduzir a extensão de congestionamentos.

Pelo menos é o que também dizem especialistas.

“Se você chega muito rápido à via e a velocidade cai, de repente, o efeito disso é o congestionamento. Se a velocidade é baixada como um todo, diminui também a possibilidade de congestionamento” – disse em artigo professor Carlos Alberto Bandeira Guimarães, especialista em transportes, da Unicamp.

Os dados mostram também que os congestionamentos diminuíram com a redução de velocidade. Segundo a CET, comparando ainda os períodos de 20 de julho a 30 de agosto de 2015 com 21 de julho a 31 de agosto de 2014, os índices de lentidão caíram 3% no período de pico da manhã, no período da tarde, foi de 21%. No entanto, no entre picos, houve aumento de 8%.

A redução nos congestionamentos tem lógica.

De acordo com os estudiosos, em trânsito, quando há redução de velocidade, também há menor distância necessária entre os carros, aumentando a capacidade da via. No caso das marginais, é como se uma faixa a mais fosse criada todos os dias.

Além disso, quando vários veículos de diversas regiões da cidade e municípios vizinhos chegam rapidamente a um mesmo ponto, no caso as marginais, todos acabarão se encontrando ao mesmo tempo, gerando assim congestionamentos.

O ex-secretário dos transportes de Washington, Doug McDonald, disse que a questão não é só de mobilidade, mas de física, usando a máxima de que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar ao mesmo tempo.

Para explicar, em suas palestras ele faz a experiência dos grãos de arroz num funil. Quando todos os grãos são jogados no funil de uma só vez, rapidamente, eles entalam no final e passam mais dificilmente. Já quando os grãos são jogados mais vagarosamente, não há este problema, a distribuição é uniforme.

A lógica, segundo ele, é a mesma, guardando as devidas proporções. A fluidez do tráfego deve ser a mais contínua possível.

Acompanhe este vídeo de Doug McDonald.

Mas carros, motos, caminhões e ônibus não são grãos de arroz. Será que existem cálculos independentes de CET ou órgãos públicos que podem comprovar os benefícios aos trânsito?

Além do exemplo das marginais, entretanto, outras cidades mostram que a redução dos limites de velocidade, feita com planejamento e estudos, amplia a capacidade das vias.

O Departamento de Planejamento de Cidades de Helsink constatou, após a medida, que passam muito mais carros por hora quando a velocidade está a 35 km/h do que a 60 km/h, por exemplo.

O mestre em planejamento de transportes Universidade de Leeds, e doutorando em engenharia de sistemas no Birmingham Centre for Railway Research da Universidade de Birmingham, Marcelo Blumenfeld, em artigo, faz as contas e explica que uma redução de 20 km/h pode fazer com que a distância entre os veículos possa ser até de 50% menor.

“A matemática é simples. Todo mundo aprende que, ao dirigir, deve-se manter distância segura do carro à frente. E, quanto maior a velocidade, maior a distância necessária para se frear o carro. Simplificadamante, advém de uma equação que considera o tempo de reação, o comprimento do veículo, e a distância de frenagem do veículo. Em condições IDEAIS, um carro médio a 90 km/h (25 m/s) precisa de 37 m para frear a zero, e a 70 km/h (19,44 m/s) precisa de 23 m para frear a zero. Incluindo um tempo de reação e tomada de providência de um segundo, os valores sobem para 62 m e 42,44 m respectivamente. E o que isto tem a ver com o fluxo? Tudo. Se os carros precisam manter uma distância possível de frenagem, então um carro a 90 km/h necessita de quase 50% mais espaço de pista do que um carro a 70 km/h para que se mantenha a segurança. Para calcular o fluxo de carros por hora por faixa por sentido, basta considerar o trecho de uma hora, e dividir pelo espaço entre veículos. Sendo bastante generoso e considerando o comprimento médio de um carro de 4 metros, a 90 km/h cada carro ocupa 66 m (ele mesmo mais a distância segura). Ou seja, em uma hora, a 90 km/h, o máximo de carros que a faixa suporta a velocidade constante é de 90.000 m / 66 m, o que resulta em 1.363 veículos por hora por faixa por sentido. Em vias tão movimentadas como as marginais, dirigir muito próximo do veículo da frente para aumentar o fluxo é de extremo perigo. Com alto fluxo, a capacidade de manobra é limitada, restando portanto apenas a frenagem em caso de emergência. A 70 km/h, a probabiliade e a gravidade dos acidentes diminuem, reduzindo também o impacto no fluxo. A cada acidente que leve uma hora para ser resolvido, são mais de 1.500 veículos jogados nas outras faixas, invariavelmente saturando a capacidade e causando congestionamentos”

Diante do quadro, os especialistas garantem também que o fluxo mais organizado das vias, com velocidade mais constante, o funcionamento do transporte coletivo também é beneficiado, mesmo sem a presença de faixas exclusivas nas vias.

Na prática, a via acaba também se adequando à velocidade dos ônibus que, em pistas compartilhadas, acaba sendo menor.

Adamo Bazani, jornalista especializado em transportes