Relação da população com os carros deve mudar no futuro próximo - Claudio Bernardes

04/09/2017 10:20 - Folha de SP

O uso dos automóveis na forma como conhecemos tem pautado, nas últimas décadas, o nosso comportamento e orientado a estruturação física das nossas cidades. Em um futuro próximo, não deveremos ter uma cidade totalmente sem automóveis, mas, seguramente, com outros tipos de veículos e outra relação das pessoas e dos espaços urbanos com os sistemas de transporte.

Automóveis e cidades têm relação muito próxima e os números surpreendem. Mais de um bilhão de veículos motorizados circulam nas cidades do mundo diariamente. Uma vaga para automóvel num edifício pode ocupar o espaço equivalente ao de um apartamento compacto, algo em torno de 25 m2. Segundo estudo do MIT (Massachussetts Institute of Technology), somente nos EUA existem cerca de 500 milhões de vagas para automóveis, que ocupariam 12,5 bilhões de metros quadrados, espaço equivalente a 30% de toda área urbanizada das cidades brasileiras.

Uma mudança radical nesse impressionante cenário poderia trazer grande impacto no tecido urbano e nas propriedades imobiliárias. Grande parte das estruturas urbanas voltadas aos automóveis, como postos de gasolina, estacionamentos e grandes avenidas, deixariam de ser necessárias. A redução dos espaços para os veículos liberaria para os pedestres mais áreas verdes, ciclovias e outros ambientes para as atividades urbanas que podem melhorar a qualidade de vida das pessoas. As faixas de estacionamento das ruas poderiam virar calçadas, melhorando o acesso ao comércio, reestruturando as fachadas dos edifícios e criando mais espaço para os pedestres. Isso traria uma nova vida à cidade e uma paisagem urbana vibrante.

Claramente, precisamos avançar para o uso mais eficiente de nossos veículos, pois em 97% do tempo os carros estão estacionados, e nos 3% restantes estão em uso, porém transportando, em média, apenas 1,2 pessoa. Além disso, os automóveis sofrem grande depreciação e trazem consigo altos custos com impostos, seguros, estacionamento e combustível.

Certamente, e em um futuro próximo, a ideia de ter um automóvel não fará mais parte dos desejos das pessoas. O compartilhamento já começa a ser uma realidade irreversível, e esse fato, aliado ao crescimento da frota de veículos autônomos, garante um novo modelo de transporte urbano que, sem dúvida, terá grande efeito sobre o espaço das cidades. No entanto, somente a adoção de novas políticas urbanas não será suficiente para impulsionar as mudanças necessárias. O concurso de inovações tecnológicas e a participação efetiva de toda sociedade serão fundamentais nesse processo.

Enquanto isso, o número de famílias sem automóveis nas principais cidades dos EUA está aumentando. No caso de Nova York, mais da metade das famílias não tem carro. Em muitas cidades americanas, mais de um terço das famílias também não, e essa tendência se confirma entre os jovens com idade próxima aos 30 anos.

É compreensível que existam dificuldades para transformar cidades que evoluíram por muitas décadas com forte influência dos sistemas de transporte individual. Mas chegou o momento de começar a fazer as adaptações necessárias em nossos modelos de planejamento, para que essa transição ocorra de forma paulatina e menos traumática.

Espaços amigáveis a pedestres, ciclovias, transporte de massa eficiente e abrangente, desenvolvimento orientado pelo transporte, compartilhamento de veículos e inovações tecnológicas farão das cidades locais de mais fácil movimentação, em uma era que terá a informação digital como combustível da mobilidade. 

Claudio Bernardes -  engenheiro civil e atua como empresário imobiliário há mais de 30 anos. É presidente do Conselho Consultivo do Secovi-SP