14/09/2015 08:12 - O Globo
FABIO GIAMBIAGI
Este é o quarto artigo da série de encontros mensais para
tratar de assuntos ligados à nossa cidade e na qual já abordei a nossa
complacência com as irregularidades, a ausência de uma cultura de excelência e
a baixa qualidade de nossos serviços. O tema de hoje vai além dos limites
estritos da cidade e trata dos problemas da Região Metropolitana.
Conta- se que Einstein, opinando sobre a Argentina de
décadas atrás, com toda a sua sabedoria, teria exclamado: "Como pode progredir
um país tão desorganizado?” Se vivo fosse e nos visitasse, certamente poderia
fazer a mesma pergunta acerca da região em que vivemos.
Mestre Aurélio define a palavra "governança” como o
"processo que envolve o relacionamento entre acionistas, conselho de
administração, diretoria, auditoria independente e conselho fiscal no processo
de gestão de uma empresa”.
É preciso pensar em alguma forma de governança para nossa
Região Metropolitana. Moro em um condomínio composto de diversos prédios, em
que há questões que dizem respeito a cada um deles e outras que se referem às
partes comuns. Se o cano da residência de um morador quebra e afeta o andar de
baixo, o condomínio geral não tem nada a ver com o problema, que deve ser
tratado na alçada do prédio. Já se o nosso ônibus começa a sair com atraso
todos os dias, não faz sentido levar o assunto ao síndico do meu prédio, porque
isso é tipicamente um problema do condomínio geral. Há uma governança definida,
com "cada um no seu quadrado”.
Mal comparando, a confusão de nossa Região Metropolitana se
assemelha a uma situação hipotética em que, no meu condomínio, ao invés de
vivermos em harmonia, nele um prédio tentasse fazer um "gato” para usar a
energia de outro, este puxasse uma mangueira para utilizar a água de um
terceiro para lavar os carros e todos os prédios transformassem os fundos numa
espécie de "lixão” comunitário. Na correta analogia de um especialista no tema,
é como se houvesse diversos chefes ( o governador e vários prefeitos).
"Fortalecer a gestão metropolitana” implica, portanto, delegar poder — e isso
nunca é simples.
Há três grandes problemas comuns ao "Condomínio Rio” ( a
Região Metropolitana). O X da questão é o fato de que uma grande quantidade de
pessoas mora em um município vizinho, mas trabalha no Município do Rio de
Janeiro. O primeiro problema disso resultante é o do transporte: se uma pessoa
vive na cidade A e se desloca para a cidade B, que prefeito é responsável por
isso? O de A ou o de B? Em alguns casos, a questão pode ser resolvida apelando
para uma instância superior ( o estado), mas muitas vezes isso não é possível.
O segundo problema é a saúde. Na rede privada, a regra é que
o paciente paga e, se uma pessoa se apresenta num hospital privado para fazer o
procedimento X, não interessa ao hospital se ela nasceu no Rio ou em São Paulo:
se pagar, ele será atendido. Na rede pública, ele também será atendido, mas
surge um problema típico de finanças públicas, que é a dificuldade de associar
ônus e bônus, relacionando a cobrança de tributos à prestação do serviço.
Especificamente, neste caso, o problema surge quando é o habitante do Município
do Rio de Janeiro que paga impostos que, entre outras coisas, financiam os
hospitais, mas parte do contingente de usuários é de pessoas que vivem em
outros municípios. Isso constitui um problema político e econômico, cuja
solução não é nada trivial.
O terceiro problema é o nosso "lixão comunitário” do exemplo
anterior: a Baía de Guanabara. Em artigo publicado em livro que organizei sobre
o Rio, Marilene Ramos e Jerson Kelman tocam no ponto com precisão: nos casos
análogos bem- sucedidos de despoluição, como no Rio Tejo em Portugal ou na Baía
de Chesapeake nos EUA, "houve boa governança na articulação das diversas
entidades, públicas e privadas, que têm que funcionar cooperativamente para que
haja sucesso”.
Em resumo, há questões cuja solução está confinada aos
limites do município, mas parte de nossos problemas requer um arranjo
cooperativo entre os diversos municípios que formam nossa Região Metropolitana.
Como estruturar isso respeitando a soberania de cada prefeitura é um desafio
não trivial, mas que terá que ser enfrentado para tratar adequadamente alguns
de nossos problemas mais prementes.
Fabio Giambiagi é
economista