RIO – Cascadura, tarde do último domingo. Um ônibus da linha
875, com os pneus carecas, recolhe passageiros para mais uma viagem em direção
a Campo Grande. O veículo integra a frota da Transportes Padre Miguel (nome de
fantasia da empresa Feital), que continua a operar o itinerário, apesar de a
prefeitura entender que a linha teria sido extinta em 2010, quando todo o
sistema foi licitado. A 875 (Campo Grande-Cascadura) opera fora dos consórcios
que, há três anos, reuniram 43 empresas da cidade. Isso graças a uma liminar
que não apenas assegura a presença da Padre Miguel nas ruas, como também obriga
a Fetranspor a equipar os coletivos com aparelhos de bilhetagem eletrônica.
A disputa judicial é sustentada com base num artigo da lei
complementar 37/1998, que criou regras para as concessões de serviços pela
prefeitura à iniciativa privada. Um artigo, incluído no texto original como
emenda pelos vereadores, prorrogou por dez anos as licenças para todas as
linhas de ônibus do Rio, independentemente de qual fosse a empresa. Na época, a
medida foi interpretada como uma forma de favorecer empresários de ônibus que
há décadas atuavam na cidade. A alteração impediu por uma década a licitação
dos serviços, que acabou só sendo realizada em 2010, com a implantação do
bilhete único.
Quando lei complementar 37 entrou em vigor, a situação da
Feital era diferente daquela das empresas tradicionais que na época operavam as
linhas sem licitação. Em 1997, o então prefeito Luiz Paulo Conde decidiu
licitar algumas linhas em lugar de todo o sistema. A Feital participou da
concorrência, ganhando quatro novas linhas entre as zonas Norte e Oeste, para
prestar serviços por dez anos. Em tese, as concessões estariam vencidas. Mas,
numa ação que corre na 5ª Vara de Fazenda Pública, a Feital obteve uma liminar
para permanecer nas ruas, sob o argumento de que também teria sido beneficiada
pela prorrogação aprovada pelos vereadores. Nos autos, a empresa observou ainda
que as linhas que controlava não constavam da licitação de 2010. Por isso, no
entendimento dela, teria direito a operar a 875 até 2017. No processo, a
prefeitura se defende, negando que a empresa tenha direito a continuar a
prestar o serviço.
Das quatro linhas da Feital , a prefeitura cassou duas em
2007, com o argumento de que o serviço prestado era péssimo. Devido ao risco de
acidentes por causa do estado de conservação dos coletivos, a empresa chegou a
ser apelidada de "Viação Fatal” na época. Com base na liminar, a empresa
continuou com as linhas 875 e a 856 (Marechal Hermes-Santa Cruz). A linha 856,
porém, está inoperante há anos porque a empresa não tem coletivos suficientes
para ela.
O GLOBO não conseguiu localizar os diretores da empresa para
falar sobre o caso.
No setor, a Feital/Padre Miguel é considerada uma espécie de
"patinho feio”. Fundada na década de 80, ela teve sua filiação recusada pelo
Sindicato das Empresas de Ônibus do Rio e chegou a pedir falência em 2007. O
primeiro sócio foi Osver Alfredo Machado, amigo de infância do bicheiro Castor
de Andrade (já falecido). Hoje, de acordo documentos que constam do processo,
comandam a empresa Alfredo Monteiro Machado e Rogério Machado, filhos de Osver.
Na década de 90, os irmãos Alfredo e Rogério chegaram a responder a processo
criminal, acusados de envolvimento no assassinato de Resiere Pavanelli,
ex-presidente do Sindicato dos Ônibus.
Toda a frota
apreendida
Em março deste ano, a prefeitura apreendeu toda a frota da
Feital, devido ao mau estado de conservação. Mas, rebatizada como Padre Miguel,
a empresa voltou a circular há pouco mais de um mês, com pelo menos sete
veículos e viagens a intervalos de uma hora. A prefeitura pretende fazer uma
vistoria nos ônibus da empresa em Cascadura e Campo Grande.
— A Feital não tem a mínima condição de prestar serviços. As linhas não foram licitadas porque entendemos que as concessões expiraram. Com a liminar, a empresa faz um jogo de gato e rato com a prefeitura. Os coletivos só podem ser apreendidos quando constatamos que se encontram em mau estado — disse o secretário municipal de Transportes, Carlos Roberto Osório.