17/05/2015 08:05 - O Globo
A expansão descontrolada de favelas em diferentes regiões da
cidade tem chamado a atenção de moradores que veem as construções chegando cada
vez mais perto de suas residências. Em Itaipu, a favela do Rato Molhado avançou
sobre a Reserva Darcy Ribeiro e encostou no muro do condomínio Vale de Itaipu.
Um morador chegou a denunciar a derrubada de árvores, mas o poder público nada
fez. Já em Santa Rosa, um morador observa da sua janela a expansão do Morro do
Beltrão para áreas verdes da encosta. Em imagens de satélite é possível
constatar o aumento territorial de outras favelas nos últimos dez anos. Em
estudo do Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos (Nephu) da UFF,
entre 2000 e 2011, foi constatado que a área de assentamentos precários
aumentou 11,30%, saltando de 30.957 domicílios para 40.655. A prefeitura
informou, por nota, que concluiu um estudo com base em levantamento fotográfico
aéreo e que só após um diagnóstico será possível intensificar fiscalizações e
implementar ações de ordenamento nessas áreas. Morador de Santa Rosa há mais de
três décadas, o administrador que pediu para ser identificado apenas como Bruno
vive num prédio com vista plena para o Morro do Beltrão e pôde acompanhar todas
as etapas de expansão da favela sobre a área verde do morro. Viu também o
tráfico ganhar força na região e aprendeu a conviver com algumas políticas de
boa vizinhança impostas pelos criminosos:
— Não posso deixar vocês subirem no térreo para fotografar.
Do alto vocês vão notar o crescimento da favela, mas ao mesmo tempo vão estar
de frente para a boca de fumo. Aí, se alguém de lá perceber, pode dar algum
problema para o condomínio — pondera Bruno, que acrescenta: — Os próprios
moradores são orientados a não ficarem na janela do prédio com o celular na
mão.
Embora seja uma favela antiga, quem mora ali se queixa que
as construções continuam ocupando novas áreas do morro, na parte da comunidade
virada para a Rua Mário Viana. No encosta, muito íngreme, a prefeitura planeja
executar uma obra de contenção, mas ainda aguarda a liberação de verba.
Comparando imagens aéreas de 2005 e 2015 é possível notar a diferença. E a
insegurança de Bruno em permitir fotografar o lugar se explica: na última
terça-feira houve intensa troca de tiros na área do Beltrão durante a manhã e à
noite.
Longe dali, num condomínio em Itaipu, na Região Oceânica, a
imagem da desigualdade social é mais escandalosa. A partir dos anos 90, a
comunidade do Rato Molhado começou a ocupar o morro aos fundos do Vale de
Itaipu. Hoje, casas de luxo e barracos são separados por uma parede.
O condomínio faz fronteira com a Reserva Darcy Ribeiro e com
um loteamento que dá na Avenida Central. O empresário José Eduardo mora ali,
numa casa próxima à favela e lamenta ter visto árvores sendo postas abaixo no
morro em frente à sua casa:
— Fiz denúncias quando derrubaram árvores para construir no
morro e não deu em nada. É o absurdo do absurdo.
O síndico do condomínio, Wilson José, acompanhou a aparição
dos primeiros barracos ali. Segundo ele, no início dos anos 90 o condomínio
tentou em vão murar a área antes de a favelização ocupar os dois lados do
morro. Embora o canto dos pássaros às vezes seja interrompido pelo barulho de
tiros, Wilson diz que os traficantes vizinhos não levam problemas ao
condomínio.
— A gente sabe que 90% dos moradores são de bem. Nunca
tivemos problemas por conta disso, cada um vive no seu canto.
O Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos
(Nephu) da UFF monitorou durante dez anos, de 2000 a 2011, o crescimento das
favelas em Niterói. De acordo com o estudo, a área ocupada por assentamentos
precários aumentou 11,30% no período. Em 2000, eram 30.957 domicílios em
favelas. Mais de uma década depois já eram 40.655. Já um relatório da Ampla enviado
à Aneel para discutir revisão tarifária de 2014 mostra que, em 2008, a empresa
tinha 33.386 clientes em áreas de risco. Em 2013, esse número mais do que
dobrou, saltou para 71.438, apresentando um crescimento de 113,9%.
— Isso aconteceu porque a ideia que o gestor público tinha
era de que não criando moradias de interesse social na cidade não atrairia
pobre, mas é uma ideia errada. Para combater a pobreza são necessárias
políticas de inclusão e igualdade de renda — destaca a coordenadora do Nephu,
Regina Bienenstein.
A prefeitura informou, através de nota, que acaba de
concluir um estudo com base em levantamento fotográfico aéreo digital da cidade
"que permitirá o monitoramento e controle adequados da expansão demográfica em
todo o município”. Ainda de acordo com a nota, o mapeamento das áreas com
crescimento desordenado em todas as regiões e bairros está sendo finalizado
para a elaboração do novo Plano Diretor de Niterói. Somente após a conclusão
desse diagnóstico será possível intensificar as fiscalizações e implementar as
ações específicas que visem ao ordenamento desses territórios. O crescimento de
algumas favelas em Niterói pode ser constatado através da comparação de imagens
por satélite. Num intervalo de dez anos, é possível ver novas construções
avançando sobre a mata e encostas em assentamentos precários em diferentes
regiões da cidade. Na localidade do Caniçal, no Cafubá, a área verde entre as
ruas 415 e Deputado José Luís Erthal foi bastante ocupada e quase desapareceu
na última década. No Morro do Cavalão, entre Icaraí e São Francisco, percebe-se
aumento do número de casas sobretudo nas partes altas da favela. E no Morro do
Beltrão, em Santa Rosa, trechos de áreas verdes não existem mais.
— O Caniçal é uma favela antiga. Se houve o crescimento foi
porque o governo não fez a regularização fundiária e urbanística nem construiu
moradias populares. As pessoas precisam morar. Assim como a propriedade é um
direito, garantido pela constituição, morar também é — destaca Daniel Souza,
presidente do núcleo Niterói do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB).
No período monitorado pelo Núcleo de Estudos e Projetos
Habitacionais e Urbanos (Nephu) da UFF, de 2000 a 2011, o número de domicílios
em assentamentos precários no Caniçal cresceu 47,47%: eram 297 em 2000 e
passaram para 438 no ano seguinte. No Beltrão, aumentou 8,23%, saltando de 620
para 271 casas no período. O Nephu apurou um crescimento de 35,20% na área que
inclui Cavalão, Vital Brazil e Souza Soares. Entre os bairros de Icaraí e São
Francisco, em 2000, havia 1.128 residências em assentamentos precários; em 2011
eram 1.525.
De acordo com o estudo, os assentamentos precários em áreas
menores e de formação mais recente tiveram um crescimento percentual maior, mas
a expansão foi mais significativa em favelas já consolidadas. A comunidade
Cacilda Ouro, no Engenho do Mato, por exemplo, aumentou 241,67%: eram 12 casas,
no ano 2000, e passou a ser 41, em 2011. Apesar de um percentual de crescimento
menor no Morro do Preventório (29,67%), o aumento no número de residências foi
mais considerável: de 1.028 para 1.333. Foram mais 305 casas em dez anos.
— Os assentamentos precários de Niterói ainda não chegaram
na situação de descontrole como no Rio. Ainda é possível conter o crescimento e
melhorar a vida de quem vive nesses locais. Para isso, é preciso urbanizá-los e
fazer a regularização fundiária — alerta a coordenadora do Nephu Regina
Bienenstein.
Na área de habitação, a prefeitura informa que desenvolve o programa Morar Melhor, em que 2.774 unidades estão contratadas e/ou em obras. Através de nota, acrescenta que prepara o Plano Municipal de Regularização Fundiária "que vai reverter as irregularidades fundiárias propondo melhorias habitacionais em situação ambientalmente adequada e socialmente justa, ora em fase de licitação”.