04/07/2017 08:20 - Valor Econômico
Os empresários de ônibus do Estado do Rio tinham uma "caixinha" que movimentou cerca de R$ 500 milhões em propinas para políticos e agentes públicos entre 2010 e 2016. Desse total, cerca de R$ 260 milhões foram pagos a pessoas ligadas ao ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), segundo revelou a Operação Ponto Final, novo desdobramento da Lava-Jato no Rio. De acordo com a investigação que desarticulou o esquema na cúpula do setor de transportes rodoviários no Rio, Cabral recebeu sozinho do esquema cerca de R$ 122 milhões ao longo de seis anos. O ex-governador teria recebido propinas de empresários de ônibus até novembro do ano passado, quando foi preso na Operação Calicute. Para a Polícia Federal (PF) e o Ministério Público Federal (MPF), isso demonstra que Cabral ainda exercia influência política mesmo após deixar o cargo, em 2014. Foram presas, ontem e domingo, nove pessoas, sendo oito no Rio e uma em Santa Catarina. A lista inclui Jacob Barata Filho, um dos principais empresários de ônibus do Rio; Rogério Onofre, ex-presidente do Departamento de Transportes Rodoviários do Rio (Detro), acusado de receber R$ 44 milhões enquanto esteve à frente do órgão; Lélis Teixeira, presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio (Fetranspor), que já tinha sido alvo da Operação "O Quinto do Ouro". Essa operação foi desencadeada em março, quando foram presos cinco conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio e o presidente da Assembleia do Rio, Jorge Picciani (PMDB) foi levado coercitivamente para depor. "Esse é um dos esquemas mais antigos no Rio e ao mesmo tempo é um dos mais maléficos porque prejudica principalmente a população mais carente", disse o procurador do MPF Eduardo El Hage. A operação ocorreu a partir de informações do doleiro Álvaro Novis, que teve a delação premiada homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Novis era um dos principais operadores de Cabral, que usava ainda os serviços do também doleiro Vinícius Claret, o Juca Bala, preso no Uruguai em março. Segundo a investigação, tanto o ex-governador quanto integrantes da sua organização criminosa receberam propinas mesmo após ele deixar o Palácio Guanabara. Os "prêmios" eram pagos, por exemplo, quando havia reajuste das passagens de ônibus. Agora a força-tarefa quer saber que contrapartidas os empresários receberam do governo. Há indícios de que o Detro teria autorizado reajuste maior que o previsto nas tarifas de ônibus. Além disso, estão sob suspeita incentivos fiscais. A investigação apontou ainda que os recursos eram guardados em cofres de transportadoras de valores, entre elas a Trans Expert, que já tinha aparecido na Operação Calicute. "A transportadora era usada quase como um banco, que guardava recursos em espécie", destacou a procuradora Mariza Ferrari. Aproximadamente 80 policiais federais cumpriram nove mandados de prisão preventiva, três de prisão temporária e 30 mandados de busca e apreensão expedidos pela 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. Durante a ação foram encontrados dinheiro vivo e joias. À noite a PF informou que prendeu nove pessoas. A operação acabou sendo antecipada pela PF porque havia risco de fuga de Jacob Barata. Segundo informações dos policiais, Barata mandou a família para Portugal e foi preso domingo à noite no aeroporto internacional do Galeão com mais de R$ 50 mil em moeda estrangeira antes de embarcar para Portugal. A assessoria de Barata nega a tentativa de fuga e diz que já tinha comprado passagem de volta. Em nota, o empresário informou que "estava realizando viagem de rotina a Portugal, onde possui negócios há décadas e para onde faz viagens mensais. A defesa do empresário irá se pronunciar assim que tiver acesso aos autos do processo". A Fetranspor disse "que colabora com as autoridades policiais e está à disposição da Justiça para os esclarecimentos necessários". (Colaborou Cláudia Schüffner) |
Grupo Guanabara tem conexões no mundo político e no Poder Judiciário Fora do mundo empresarial, as conexões de Jacob Barata Filho com a política e o Judiciário podem ser simbolizadas pelos convidados que dividiram uma das mesas da tumultuada e luxuosa festa de casamento de sua filha, Beatriz, há quatro anos. No hotel Copacabana Palace estavam o hoje senador e presidente interino do PSDB, Tasso Jereissati (PSDB-CE), e sua mulher Renata; o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Cesar Asfor Rocha; e o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, com a mulher Guiomar Feitosa de Albuquerque Lima Mendes, que fez carreira no Ministério da Justiça e em tribunais superiores. Tia do noivo, Francisco Feitosa Filho, Guiomar formou, com Gilmar, um dos casais de padrinhos na cerimônia que selou a união das famílias Barata e Feitosa, que dominam o setor de transportes no Rio de Janeiro e no Ceará. Guiomar é irmã do ex-deputado federal Chiquinho Feitosa, dono do Grupo Vega, que tem linhas de ônibus urbanas, intermunicipais e interestaduais em vários Estados, além de Portugal. Antes do casamento, as famílias já haviam se juntado por meio de negócio em comum. Em 2008, Jacob Barata fundou com Chiquinho Feitosa, em Fortaleza, uma administradora de cartões, a Mandacaru, que vende créditos de vale-transporte. A cerimônia, em julho de 2013, foi alvo de protestos em frente à igreja do Carmo, no Centro, e na festa na zona sul, onde a polícia reprimiu cerca de 150 manifestantes. O grupo vaiou noivos e convidados, num rechaço aos negócios suspeitos da família Barata com o poder público que agora encontram evidências de acordo com as investigações do Ministério Público Federal. No escracho em frente ao Copacabana Palace, uma manifestante vestida de noiva distribuiu baratas de plástico para quem chegava à festa. Em reação, convidados lançaram aviões feitos com notas de R$ 20 e jogaram um cinzeiro, que feriu um estudante que participava do protesto. O império do "rei dos ônibus" no Rio de Janeiro começou ainda nos anos 50, quando o próprio Jacob Barata dirigia um veículo de lotação para o transporte de passageiros. Em 1968, fundou o Grupo Guanabara, que hoje conta com participações em 53 empresas e gera cerca de 125 mil empregos diretos e indiretos e paga cerca de R$ 220 milhões anuais em tributos. Hoje atua não apenas em transportes, mas no setor financeiro, turismo, hotelaria, imóveis e hospitais, com operações em Portugal, para onde viajaria Jacob Barata Filho, preso domingo no Rio pouco antes de embarcar. O Grupo Guanabara tem 35 companhias atuando em transporte urbano, intermunicipal e rodoviários em oito Estados, com uma frota de mais de 6 mil ônibus que transportam mais de 3 milhões de passageiros transportados por dia. Nos últimos anos, os netos de Jacob Barata - herdeiros de seus quatro filhos - vêm tentando imprimir uma renovação na administração do grupo, ainda muito centrado em um viés familiar. É conhecida a capacidade do "Seu Jacob" de conhecer todos os dados relevantes das companhias na ponta da língua, embora tenha buscado ao longo dos anos sócios diferentes para as companhias no setor de transporte. Os netos de Jacob Barata buscaram trazer executivos para a companhia, em um processo ainda em andamento de profissionalização da administração. Hoje, o grupo vai muito além do setor de transportes. O Banco Guanabara fechou 2016 com ativos de R$ 1,2 bilhão e lucro de R$ 18,5 milhões. O caixa gerado no ano passado foi de R$ 240,8 milhões. Em Portugal, o grupo possui empresas de ônibus e a rede hoteleira Fênix, com sete hotéis no país. O irmão de Jacob Barata, Samuel, controla a Drogaria Pacheco, uma das maiores redes de farmácias do Rio. |