Sistema eficiente de transporte tem que operar em rede

03/09/2017 09:29 - O Globo

RIO — Rede. A palavra curta é inversamente proporcional ao tamanho do desafio. Especialistas ouvidos pelo GLOBO, chamados a pensar soluções para o transporte no Rio de Janeiro, que já vem evoluindo nos últimos anos, dizem que, para se tornar sustentável e mais eficiente, o sistema precisa funcionar como um só.

— A solução começa no planejamento: reorganizar toda essa matriz de modais. Temos um sistema de transporte público desconectado. O trem não está conectado com metrô, que não está com ônibus municipal, que não está com intermunicipal. Não há sequer integração tarifária. As pessoas pagam caro e não conseguem ter um deslocamento eficiente — observa Paulo Cezar Ribeiro, coordenador do programa de engenharia de transporte da Coppe/UFRJ.

Um passo importante para a reorganização do transporte é rever o modelo de concessões, opina José Eugênio Leal, professor do departamento de engenharia industrial da PUC-RJ.

— Falta o poder público determinar a integração, não só física, mas tarifária, como se faz no mundo todo — destaca.

Segundo Leal, modais de média capacidade (ônibus, BRT e VLT) têm que funcionar como alimentadores dos de alta (barcas, metrô e trem), e não como concorrentes.

O secretário estadual de Transportes, Rodrigo Vieira, reconhece a necessidade. E diz que o estado tem buscado integrar metrô e trem, sob sua responsabilidade.

— Só discordo de que a integração tenha que passar pela revisão das concessões estaduais. Os ônibus municipais é que têm que cumprir seu papel de alimentador, em vez de botar linhas que rivalizem com trem, metrô e barcas.

Outra solução sugerida é o controle da catraca pelo poder público, que permitiria a adoção de um bilhete único de verdade. O usuário compraria uma só passagem e a utilizaria, no mesmo dia ou mês, conforme o tipo de bilhete, em todos os meios de transporte.

— A venda de passagens tem que estar nas mãos de estado ou município, e não nas dos empresários, como é no Rio. No caso dos ônibus, é o RioCard que controla e informa quantos passageiros foram transportados — diz Leal.

A tarifa única abrange hoje só os ônibus municipais do Rio. E provoca uma distorção que precisa ser revista, segundo Ribeiro, da Coppe/UFRJ:

— O custo das empresas que operam na Zona Oeste é maior. O sistema deveria redistribuir ganhos das linhas da Zona Sul, mais lucrativas, às demais. É, portanto, uma boa hora para se reabrir a discussão sobre a câmara de compensação tarifária, que vai reequilibrar as finanças das empresas e melhorar o serviço — sugere.

Maria Fernanda Lemos, diretora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da PUC-RJ, aposta nos trens.

— A prioridade tem que ser investir em trilhos. O trem leva mais gente, integra a Região Metropolitana e atende uma população com carência maior de locomoção — diz.

A urbanista argumenta que, com planejamento adequado, o transporte estimula a geração de riqueza na periferia e ajuda a aliviar a pressão da demanda nos grandes centros:

— É desenvolver centralidades, evitar que o morador de Santa Cruz tenha que ir à Barra ou ao Centro para trabalhar ou se divertir. O transporte incentiva a ocupação urbana.

Como levar esse desenvolvimento a áreas menos privilegiadas da Região Metropolitana que, por serem deficientes em habitação, saneamento e geração de empregos e serviços, acabam sobrecarregando a capital? Com uma revolução no modo de pensar a metrópole.

— A reação passa por ações integradas. Não se resolve transporte só com medidas de transporte. Ter 75% dos empregos concentrados na cidade do Rio é insustentável — comenta o diretor-executivo da Câmara Metropolitana do Rio de Janeiro, Vicente Loureiro.

Iniciativa do governo estadual, a Câmara prepara, com a colaboração de universidades, um plano de desenvolvimento urbano conjunto para a capital fluminense e as outras 20 cidades da Região Metropolita. Nele estão diretrizes que se transformarão em leis para orientar estado e municípios a adaptar seus planos diretores, num prazo de dois anos, e estabelecer políticas públicas comuns.

— Não chega a 30% o percentual de moradores a 15 minutos a pé de uma estação de trem, barca, metrô ou BRT. Isso dá uma ideia da nossa dispersão. A gente precisa adensar para dar mais eficiência ao modelo. É a meta central do plano buscar essa rede. Que não tem só transporte, mas infraestrutura, saneamento, habitação e desenvolvimento econômico — diz Loureiro.

Jogos deixaram legado, mas dá para fazer melhor

RIO — Ouro não deu para ganhar. Talvez, com boa vontade, um lugar no pódio, uma medalha de bronze. A Olimpíada Rio-2016 deixou um legado para o transporte? Se o recorte for feito apenas dentro das fronteiras da cidade, há um reconhecimento de que, sim, a expansão do metrô na Linha 4, de Ipanema à Barra da Tijuca; o VLT no Centro e na Zona Portuária; e as estações de BRT aumentaram a oferta de opções para a população. Na Região Metropolitana, que abrange, além da capital, outros 20 municípios, o impacto positivo pouco foi percebido, no entanto, segundo técnicos em transporte e urbanismo ouvidos pelo GLOBO.

— A Olimpíada trouxe avanços, mas não atacou a questão principal, que é a da falta de integração do sistema. Eu não faria o projeto baseado em BRT, como foi, mas a população está mais bem servida do que antes — admite José Eugênio Leal, da PUC-RJ.

Paulo Cezar Ribeiro, da Coppe/UFRJ, concorda. Ele também questiona a opção por BRT no projeto olímpico, e acredita que teria sido melhor apostar em trem ou metrô.

— Após os Jogos ficou melhor a oferta de transportes, mas tem muito chão para melhorar. Falta planejar melhor e integrar modais e tarifas. Eu diria que a nota está razoável, entre 6 e 7 — avalia o professor.

Entusiasta do VLT, Ribeiro faz ressalvas, no entanto:

— O VLT vinha sendo pensado há tempos, desde a década de 1990. É o sistema de bondes, é bacana, complementa a viagem no Centro, mas está faltando muita coisa, mais linhas. Foi uma melhora, mas, por outro lado, desintegrou o sistema quando a prefeitura retirou os ônibus dali. Quem chega de Niterói à Praça XV faz o quê? Se trabalhar ali perto, tudo bem. Se não, o que faz? Vai pegar o VLT? E o bilhete do VLT está integrado ao da barca? Não, então tem muita coisa para ser feita, a gente andou só um pouco — comenta.

Outro professor de engenharia de transportes da Coppe/UFRJ, Ronaldo Balassiano, reconhece que houve evolução. Ele destaca que não foi implementada a malha completa do BRT, mas são 150 km em operação nas direções Transoeste, Transcarioca e Transolímpica. Falta o da Transbrasil, ainda em obras e considerado fundamental por Balassiano porque integrará todos os outros.

— Sem dúvida evoluímos na oferta de transporte coletivo. Se ele está funcionando bem ou mal é outra questão. Houve melhoria em poucas estações de trem, mas como estava tudo ruim, o que foi feito ajudou. Teve a expansão do metrô, as obras no entorno do Maracanã, a duplicação da Avenida Salvador Allende (que corta a Barra e o Recreio, na Zona Oeste). Portanto, houve ganho. Mas o modelo arcaico não mudou, seja em integração, operação, fiscalização ou concessão — descreve.

Mesmo após os investimentos feitos para os Jogos Rio-2016, o desafio continua sendo o de fazer o transporte público colaborar para a melhoria da qualidade de vida da população.

— O sistema de transporte ainda é todo pensado para levar ao Centro da cidade do Rio, que não é mais o mesmo de 40 ou 50 anos atrás, em termo de mobilidade. Isso tem que mudar — critica Rômulo Orrico, professor de pós-graduação da Coppe/ UFRJ. — Para um trânsito bom é preciso um transporte público melhor ainda.

No Rio ainda se gasta muito tempo no trajeto casa-trabalho-casa (veja quadro acima). O item mobilidade urbana foi o de pior desempenho dos fluminenses na comparação feita pelo Centro de Liderança Pública (CLP), responsável pelo Ranking de Competitividade dos Estados. A nota foi zero, decisiva para o estado ocupar apenas uma modesta 8ª posição entre as 26 unidades da federação, mais o Distrito Federal. Os dados para esse indicador de mobilidade urbana são retirados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio), do IBGE.

— A gente está fazendo no Rio o oposto do que seria planejamento sustentável — alerta a diretora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da PUC-RJ, Maria Fernanda Lemos. — Seria melhor que a gente fomentasse desenvolvimento em outras áreas, para que as pessoas não tivessem que se deslocar tanto. A saída é planejar o transporte para orientar o desenvolvimento.