Soluções demoradas, trânsito caótico

16/02/2014 09:35 - Folha de Londrina

Todos os dias, a zeladora Divina Benedita da Silva, de 64 anos, perde duas horas nos trajetos de ida e volta para o trabalho. Em vários destes dias ela percorre a distância entre o Conjunto Hilda Mandarino, na Zona Norte, e o condomínio na área central de Londrina em pé, driblando a superlotação. A exemplo dos muitos trabalhadores que dependem de transporte urbano, ela sonha com um sistema de locomoção mais rápido, confortável e de horários sem falhas. Mas Divina terá que ter paciência: a próxima mudança significativa no que diz respeito ao transporte coletivo na cidade só deve acontecer no final da década, quando está previsto o início das operações do sistema BRT (Bus Rapid Transit), ou transporte rápido por ônibus.

Anunciado em março do ano passado pelo prefeito Alexandre Kireeff (PSD), o sistema vai contar com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2), ou PAC-Mobilidade, e faz parte de um pacote que inclui também obras de pavimentação asfáltica, em um total de R$ 174 milhões em investimentos. Só o BRT vai consumir R$ 143 milhões - R$ 124 milhões vindos do governo federal, por meio do Ministério das Cidades, e R$ 19 milhões de contrapartida do município.

O prazo para que sejam vencidas todas as etapas de implantação do BRT, entre elas desenvolvimento do projeto, aprovação pelo órgão financiador, licitações para contratação das empresas e desapropriações, é de cinco anos. Atualmente, portanto, há mais quatro anos pela frente. Isso se nenhum imprevisto provocar atrasos no meio do caminho, como normalmente acontece em obras públicas.

O que mais preocupa é que, até lá, deve agravar muito a situação do já caótico trânsito de Londrina, resultado do crescimento desenfreado do número de veículos, de investimentos insuficientes em estrutura viária e da constante queda no Índice de Passageiros por Quilômetro Rodado (IPK) do transporte coletivo. Atualmente, de acordo com números do Detran-PR, as ruas da cidade ganham, em média, 49 novos veículos por dia. Em cinco anos, se permanecer o ritmo atual, serão 66 novos veículos a cada dia.

Em uma projeção simples, também baseada nas atuais estatísticas do Detran, é possível prever que Londrina terá quase um veículo por habitante, ou 462 mil, em 2019. Atualmente já são 340,8 mil veículos transitando pelas vias, contra 251,3 mil que existiam há cinco anos.

Para o ex-presidente do Fórum Desenvolve Londrina e atual assessor da presidência da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), Clóvis Coelho, as providências para melhorar a mobilidade urbana em Londrina teriam que ter sido tomadas antes que os pontos de estrangulamento se instalassem e impedissem a fluidez do trânsito, como acontece hoje, nos horários de rush. "Nos acomodamos e começamos a pensar muito tarde no assunto. A cidade é dinâmica, tem que ser pensada sempre a curto, médio e longo prazos", defende o engenheiro, que acompanhou o estudo sobre mobilidade urbana desenvolvido pelo Fórum em 2009, denominado "Mobilidade Humana - Segurança, Liberdade e Educação no Trânsito". Na época a pesquisa já apontou lentidão na fluidez do tráfego e recomendou investimentos em transporte de massa, como trem e metrô, e aumento nos investimentos no planejamento viário urbano, entre outras medidas.

"Temos uma demanda muito grande por infraestrutura urbana, que não vem recebendo recursos suficientes. Precisamos de medidas mais arrojadas, só implantar rotatórias na cidade não resolve mais. Precisamos buscar soluções e correr atrás do governo federal para conseguir o dinheiro. Mas para isso temos que ter projetos bem feitos, e para ter bons projetos precisamos de investimento em pessoal", analisa Coelho. O engenheiro concorda que a situação piora a cada dia e que, se medidas urgentes não forem tomadas, daqui a cinco anos poderemos estar vivendo o "caos total". "A população está cada vez mais irritada, apreensiva, e isto só tende a piorar", avalia.

Intenção é que BRT estimule uso de ônibus

Incentivo ao uso de transporte público é estratégia de países desenvolvidos para amenizar problemas no trânsito

Atualmente, segundo informações da Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização (CMTU), são emitidas, em média, 160 mil passagens por dia no transporte urbano de Londrina. Se imaginarmos que quem se locomove para determinado lugar de ônibus provavelmente vai fazer o caminho de volta utilizando o mesmo tipo de transporte, é possível concluir que cerca de 80 mil pessoas usam coletivos diariamente. Pelo Terminal Central, de acordo com a CMTU, passam 120 mil passageiros, entre eles idosos, crianças matriculadas em escolas municipais e profissionais isentos do pagamento da passagem.

O Índice de Passageiros por Quilômetro Rodado do município é considerado baixo em relação a outras cidades, e vem caindo nos últimos anos. Enquanto em 2003 o IPK (que considera o número bruto de passageiros, incluindo todos os tipos de gratuidade) ficava em 2,17, em 2013 não passou de 1,83. Em São Paulo, só para se ter uma ideia, o IPK registrado em 2013 foi de 3,63.

A implantação do BRT em Londrina é uma tentativa de mudar este quadro. "Atualmente em Londrina há horários do dia em que parte da frota das empresas de transporte público fica ociosa. A intenção é que com o sistema BRT mais gente utilize ônibus para se locomover e não haja ociosidade", afirma o diretor de trânsito do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina (IPPUL), João Ulisses Lopes. Ele lembra que o incentivo ao uso de transporte público é a principal estratégia de países desenvolvidos para amenizar os problemas gerados pelo trânsito nas grandes cidades.

Anteprojeto está sendo finalizado

O sistema BRT (Bus Rapid Transit), carro-chefe do "pacote mobilidade", foi implantado pela primeira vez no País no final da década de 1970, em Curitiba, como alternativa mais barata que o metrô. Ao longo dos anos outros grandes centros também o adotaram e hoje o BRT já é realidade em cidades como Goiânia, Uberlândia, Curitiba, São Paulo e Porto Alegre. Em Londrina serão utilizados ônibus articulados, que vão percorrer canaletas exclusivas, reduzindo em 50% o tempo gasto nos trajetos. Serão criadas duas grandes linhas, no sentido leste/oeste e norte/sul, cada uma com 12 km de extensão. Os passageiros pagarão a passagem antes de embarcar, em uma das 12 estações instaladas em cada linha.

De acordo com o diretor de trânsito do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina (IPPUL), João Ulisses Lopes, atualmente o órgão trabalha na finalização do anteprojeto, que deverá ser entregue à Caixa Econômica Federal (CEF) até 5 de março. "Da aprovação deste anteprojeto dependem as contratações para os projetos complementares executivos, como projeto estrutural, de pavimentação, drenagem", detalha Lopes.

A partir da entrega do anteprojeto, é dado prazo de 12 meses para elaboração dos projetos complementares. "A partir daí é aberta concorrência para contratar as empresas que vão efetivamente executar as obras e que terão prazo de 36 meses para conclusão." Isto significa que o londrinense não vai conhecer o sistema antes de 2018.

Além do BRT, o pacote mobilidade conta com outros projetos desenvolvidos para promover mudanças e ajustes no sistema viário da cidade. Como exemplo, o diretor do IPPUL cita adequações na Avenida Winston Churchill (Zona Norte); construção de mais ciclovias; duplicação da Rua Souza Naves e duplicação da Rua Aminthas de Barros (Centro). Segundo Lopes, porém, não dá para dizer o que será feito primeiro. "Está tudo caminhando ao mesmo tempo. Todos os projetos estão prontos, dependem apenas da liberação (de recursos)."

É neste ponto que, segundo Lopes, as obras emperram. As ciclovias, por exemplo, vêm sendo projetadas e lentamente construídas desde 1988. Só há 17 quilômetros prontos. O objetivo é chegar a 100 quilômetros.

O diretor reconhece que, diante das dificuldades, as obras públicas não acompanham o ritmo de crescimento da frota de veículos, agravando os problemas de mobilidade. "As rotatórias hoje estão ficando inviáveis para a cidade. Precisamos de transposições, que já estão sendo estudadas. Logo não teremos outra alternativa", exemplifica. Mas Lopes se mostra otimista quando questionado sobre a realidade a ser enfrentada pelos londrinenses daqui a cinco anos. "Acredito que teremos um panorama diferente. Temos uma série de intervenções previstas, visando melhorias", afirma.