O prazo de uma hora estabelecido para a integração entre
duas linhas de ônibus no projeto-piloto do bilhete único em Juiz de Fora pode
ser pequeno e, em alguns casos, insuficiente. Desde que o programa foi lançado,
na semana passada, a Tribuna percorreu as quatro linhas envolvidas na primeira
etapa, testando conexões com bairros de diversas regiões, escolhidos de forma
aleatória. O caso mais delicado foi constatado na Universidade (555): o tempo
entre o pagamento de uma passagem e outra foi de uma hora e 51 minutos. As
regras para a utilização do sistema, que entra em fase de teste a partir do dia
15 de abril, preveem que o usuário utilize dois ônibus para ir de uma região
até outra da cidade, pagando valor menor do que duas tarifas - que, após o
reajuste previsto para o próximo dia 5, somarão R$ 4,50 - no prazo máximo de
uma hora. A medida vale apenas para um sentido de viagem: ida ou volta. O preço
exato do bilhete único ainda não foi definido.
O deslocamento entre o Retiro, região Sudeste, e o Campus da
UFJF, na Cidade Alta, iniciou-se no ponto final da linha Retiro (308), na Rua
Irmã Emerenciana, às 17h43 da última segunda-feira - quando foi paga a primeira
passagem. Às 18h12 a reportagem desceu no ponto da Rua São Sebastião e precisou
caminhar até o ponto de ônibus que serve boa parte dos coletivos que atendem à
região da Cidade Alta, na Rua Benjamin Constant. O trajeto demorou seis minutos.
Somente às 19h33 o ônibus 555 encostou no ponto. O pagamento da segunda
passagem, às 19h34, só pode ser feito 51 minutos após o tempo estabelecido para
o projeto-piloto.
"Quando entro na UFJF às 8h, tenho que sair de casa, no
mínimo, às 7h e preciso contar com a sorte para chegar no Centro e pegar outro
ônibus para ir à aula. Frequentemente demoro mais de uma hora para conseguir
pegar o 555", conta a estudante de psicologia Lívia Vale de Lima, 20 anos,
que mora no Quintas da Avenida, Zona Nordeste. Na mesma região, a moradora do
Bom Clima, a estudante de ciências humanas Luísa Bertini, 20, depende de um
coletivo, o Mundo Novo / Quintas da Avenida (115), que passa a cada uma hora e
dez minutos. Para chegar à UFJF, dá preferência ao 555, mesmo sendo uma linha
de horários bem reduzidos. "À noite, quando preciso voltar para a casa,
complica mais, pois o problema não é o trânsito, mas a falta de oferta de
ônibus. O tempo gasto para pegar os dois ônibus pode chegar a mais de uma hora
e meia."
No final da tarde da última terça, a Tribuna experimentou o
trajeto da linha Rodoviária (640). A reportagem partiu do terminal até o ponto
de ônibus localizado na Rua Benjamin Constant, o mesmo da avaliação anterior. O
deslocamento do terminal até o Centro foi feito em 29 minutos, sendo a primeira
passagem paga às 18h24. No restante do tempo até completar uma hora - 19h24 -,
os usuários das linhas São Pedro (530, 533 e 536), São Pedro via Caiçaras (532)
e UFJF (535) conseguiriam ser atendidos pelo sistema do bilhete único. Já os
passageiros das linhas Santos Dumont (534), Nova Califórnia (531), Lagoa (542),
Universidade (555), São Pedro (541) e São Pedro via Borboleta (516) não seriam
beneficiados.
No terminal rodoviário Miguel Mansur, entre os trabalhadores
que precisam utilizar mais de um ônibus para o deslocamento diário ao trabalho,
também é dúvida se o prazo de uma hora será suficiente para fazer as viagens em
dois coletivos diferentes. "No horário de pico e, principalmente, nas
sextas-feiras, não dará tempo", analisa o auxiliar de arrecadação Antônio
Batista, 32. Morador do Bairro Linhares, Zona Leste, ele diz que o espaço de
tempo para usar a linha que o atende no bairro e a que o leva ao trabalho é, em
média, de 50 minutos. "Tem o tempo de espera no ponto até o segundo ônibus
chegar. Se o trânsito estiver um pouco mais enrolado, uma hora não será
suficiente."
A auxiliar operacional Luciana Rodrigues, 28, mora no Parque
Burnier, Zona Leste, e tem a mesma opinião. Ela conta que há poucas linhas a
disposição no bairro e, por isso, o ideal seria que o tempo para utilizar dois
ônibus fosse superior a uma hora. Já o atendente Luís Alberto de Almeida, 40,
garante que prefere continuar pagando duas tarifas nesse primeiro momento a
utilizar o bilhete único. "É impossível fazer o trajeto daqui até o Centro
e depois esperar o ônibus para ir até o Borboleta, onde moro, em uma
hora", afirma.
A experiência também foi feita nas outras linhas que compõem
o projeto-piloto: 754 (Circular Benfica - Senai via BR 040) e 756 (Distrito
Industrial - Circular Benfica). O deslocamento em direção à Zona Norte foi
feito na manhã do dia 19 de março, a partir do ponto na Avenida Getúlio Vargas,
quase esquina com ao Rua Mister Moore, no Centro. Às 6h47, a reportagem chegou
ao local em busca de um ônibus que a levasse em direção à Benfica ou ao
Distrito Industrial. A linha escolhida foi a Distrito Industrial (716). Às 6h50
foi paga a primeira passagem, e a chegada ao Distrito aconteceu 43 minutos
depois, e às 7h38 o coletivo parou no ponto final da linha, na Rua Jovino
Antônio da Silva. Após deslocamento para um outro ponto, na Avenida Antônio
Simão Firjan, às 7h48, a segunda passagem foi paga, na linha 754, faltando dois
minutos para o tempo limite expirar. Neste caso, vale uma exceção à regra que
determina que a integração seja feita entre ônibus de regiões distintas.
Adequação faz parte
do projeto-piloto
Questionado sobre o tempo limite para fazer a baldeação, o
subsecretário de Mobilidade Urbana da Secretaria de Transporte e Trânsito
(Settra), Mauro Branco, enfatizou que uma hora é um tempo padrão, mas não
descartou a possibilidade de alterá-lo nesta primeira etapa. "O tempo
entre as viagens é o mais fácil de ser adequado. Vamos trabalhar para que
ninguém saia prejudicado com isso. O período estabelecido poderá ser revisto a
partir das condições de integração oferecidas em cada linha. O processo de
adequação de linhas e horários faz parte deste projeto-piloto."
Na visão do mestre em engenharia de transporte, José Luiz
Britto Bastos, o tempo inicial estabelecido pela Prefeitura para os testes
deveria ser um pouco maior. "É quase impossível utilizar o bilhete único
em menos de uma hora e meia, dada as condições atuais do trânsito de Juiz de
Fora. Duas horas para fazer a utilização seria suficiente. Deve-se levar em
conta, também, que há localidades mais afastadas, e o deslocamento acontece de
forma mais demorada", observa.
O consultor em mobilidade urbana José Ricardo Daibert
pondera que, se o tempo inicial fosse superior a duas horas, traria problemas
durante a adequação do sistema. "Quando se define uma janela grande entre
as viagens e é preciso reduzi-la, isso pode criar dificuldade para os usuários
se adequarem às mudanças. Por isso, é mais prudente começar por um tempo menor
e aumentá-lo do que o processo inverso", explica. O especialista acredita
que, nos próximos meses, haverá um processo de calibragem de todo o sistema,
avaliando o tempo das viagens e problemas ligados à tecnologia aplicada, como
leitura de cartão e débito das tarifas.
Após acompanhar a implantação do bilhete único na cidade de
São Paulo e a abertura para a utilização do passe para interligar os coletivos
aos terminais de metrô, o presidente da Comissão de Economia da Associação
Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Antônio Carlos Moraes, avalia que a
iniciativa em Juiz de Fora é positiva, porém, a questão envolvendo o preço da
tarifa precisa ser bem estruturada. "A integração temporal na capital
paulista funciona em dois tempos: duas horas para quem recebe o benefício pelo
empregador e três horas para quem compra créditos nas centrais e lotéricas. O
valor é único: R$ 3, válido para viagens em ambos os sentidos: ida e volta. É
barato, atraindo pessoas para melhor utilizarem o transporte público. Os
valores em Juiz de Fora precisam ser mais em conta".
Acúmulo de
passageiros
A Associação dos Usuários do Transporte Coletivo (Afecut)
enxerga outro problema, também proveniente do tempo curto: o risco de acúmulo
de pessoas na parte da frente do ônibus para atrasar o pagamento da passagem e,
assim, ganhar tempo entre uma viagem e outra. Desde que a Prefeitura alterou os
locais de entrada e saída dos passageiros, o local é destinado a acomodação de
idosos, grávidas, lactantes e deficientes. "Quanto os usuários do sistema
passarem a ter domínio da ferramenta, isso pode acontecer de forma frequente, o
que sinalizaria problemas envolvendo o tempo das viagens", destaca o
presidente da entidade, Francisco (Chico) Anísio.
"Já identificamos esta característica (risco de acúmulo
de passageiros) durante o planejamento", diz o subsecretário. "Vamos
trabalhar com campanhas educativas para minimizar o eventual desconforto. Elas
são pré-requisito para tratar a percepção do usuário para este novo sistema. A
integração temporal não tem volta, e precisa ser bem feita e de forma
paulatina", finaliza.
Cadastramento
O cadastramento para uso do bilhete único está disponível
aos juiz-foranos desde segunda-feira, na Astransp (Rua Espírito Santo, 296 -
Centro). A associação informou, porém, que só vai divulgar balanço das adesões
no início da próxima semana.