Transporte de massa eficiente é o que importa

18/03/2016 08:20 - Valor Econômico

Apesar de considerar as ciclovias uma boa estratégia para a questão urbana, a escritora Mara Rovida diz que um transporte coletivo de massa eficiente e confortável é o que realmente provoca impacto positivo nas metrópoles. Tema de seu doutorado na USP, a mobilidade também está no centro do livro "Jornalismo em Trânsito: O Diálogo Social Solidário no Espaço Urbano" (Editora Universidade Federal de São Carlos).

Valor: Por que a mobilidade tornou-se uma das principais discussões urbanas nas grandes cidades?

Mara Rovida: Nosso modelo de sociedade é urbano. Apenas a região metropolitana de São Paulo abrange 39 municípios e quase 20 milhões de habitantes. O número de deslocamentos nesse território é muito grande, com as pessoas se movimentando em horários concentrados. Hoje não dá nem para falar em dois horários de pico, manhã e tarde, e sim vários horários de pico ao longo do dia. Isso tudo provoca grandes problemas de mobilidade.

Valor: Os problemas ainda são maiores do que as soluções?

Mara: Acho que sim. Até porque algumas soluções resolvem questões pontuais, mas criam novos problemas. Sempre cito o Bilhete Único, que integrou o ônibus e metrô em São Paulo. Com a implementação, houve facilidade de deslocamento e redução de custos para a população. Mas, por outro lado, ao aumentar o volume de passageiros, sobrecarregou ainda mais o metrô, que já tinha problemas de lotação. Não estou dizendo que a integração é ruim, mas você cria um outro problema para resolver.

Valor: A questão da mobilidade tende a se agravar?

Mara: É muito difícil conseguir manter as pessoas morando e trabalhando em uma determinada região, diminuindo a mobilidade pendular. Logo, quanto mais gente circulando, mais problemas de mobilidade vão surgir. É muito difícil dizer que há uma solução. Ninguém conseguiu até agora.

Valor: Qual seria o primeiro caminho a seguir para reverter esse problema?

Mara: É necessário investir em transporte coletivo. Ciclovia é legal, mas o que realmente provoca impacto é o transporte coletivo de massa, eficiente e confortável. Não tem muita saída. E as coisas devem ser pensadas em conjunto. Ao expandir o metrô, por exemplo, não adianta extinguir linhas de ônibus e simplesmente transferir as pessoas para um único sistema. Você cria outro problema, o da saturação. Temos de pensar no contexto metropolitano, não municipal.

Valor: Uma das discussões do zoneamento seria a redistribuição da cidade, com empregos perto das residências...

Mara: Se pensarmos como um objetivo futuro, talvez dê certo. Mas, no momento, na prática, é inviável. Precisamos resolver o problema de mobilidade agora. Por isso que o ponto central é o transporte coletivo de massa. Sabemos que há iniciativas mais imediatas que podem contribuir com isso, como o trabalho em casa, mas há dificuldades de ordem legal e jurídica.

Valor: Quando falamos em mobilidade, o trânsito é o setor de maior visibilidade. É também o palco dos maiores conflitos?

Mara: Quando falamos em problemas de mobilidade, estamos falando de um conflito por espaço. É claro que há conflitos no transporte coletivo. Basta pegar o metrô, onde há brigas e discussões por causa da lotação. Mas não passa disso. Uma discussão boba entre um motorista e um motociclista, com cada um disputando o mesmo espaço de circulação na via, pode acabar em morte. Não necessariamente um matando o outro. No livro conto que, durante uma discussão entre um motoqueiro e um motorista na marginal Tietê, o motoqueiro, em certo momento, acabou perdendo o equilíbrio e foi parar embaixo de um caminhão. Um conflito por espaço, no caso do carro, vai ter um desfecho, às vezes, muito mais grave do que uma discussão em um ônibus ou metrô lotado. Talvez por isso os conflitos no trânsito chamem muito mais a atenção.