17/07/2016 08:30 - O Globo
RIO — As fachadas deterioradas dos armazéns contrastam com as obras recém-inauguradas da Zona Portuária. Antes escondido pelas sombras do Elevado da Perimetral, o cenário que destoa da paisagem ao redor agora está com dias contados. De carona na revitalização da região, um projeto ambicioso promete transformar o conjunto de paredões, hoje sujos e pichados, na maior galeria de arte urbana a céu aberto do país. Com dois quilômetros de extensão, o corredor se estenderá do Armazém 7 ao 18, aproveitando também muros e paredes de outras quatro edificações. A previsão é que todos os painéis fiquem prontos até o fim do ano, mas alguns devem começar a ser pintados antes da Olimpíada.
— Estamos começando a fechar a curadoria, chamaremos entre 30 e 40 artistas nacionais e internacionais. Com a revitalização da Zona Portuária, os galpões estão gritando por reforma, mais até do que na época em que estava tudo ruim. A região tem o potencial de ser um bairro-arte como o Soho, de Nova York. Nossa ideia é fazer com que as pessoas frequentem mais o Porto, não só a Praça Mauá. Queremos transformar a Rodrigues Alves num museu a céu aberto de arte urbana, um lugar onde pessoas poderão percorrer uma boa distância admirando painéis — afirma André Bretas, sócio da produtora VisionArtz e um dos idealizadores do projeto. — Queremos expandir os trabalhos até o Caju.
As paredes dos armazéns voltadas para a Baía de Guanabara estão sendo reformadas pela Companhia Docas e pela concessionária Pier Mauá. Já a pintura das fachadas da Rodrigues Alves é de responsabilidade da prefeitura, que assumiu o compromisso para compensar os transtornos causados pelas obras dos últimos anos na região.
PLANO INCLUI MUDANÇAS
Além do visual, o próprio uso dos galpões passará por mudanças. Os depósitos 10, 11 e 12 serão demolidos: o plano é ampliar o pátio do Porto e permitir a construção de silos para o armazenamento do trigo hoje guardado no Moinho Fluminense, que será transferido para Duque de Caxias. O diretor de gestão portuária de Docas, Guilherme Carvalho de Souza, afirma que a estocagem será feita no próprio Porto: caminhões levarão os grãos para a empresa de acordo com a demanda. A Secretaria de Portos, que analisa o arrendamento das áreas dos prédios 11 e 12, não informou quando o projeto começará a ser executado.
— Com o início do uso de contêineres, houve uma mudança no perfil da carga que desembarca no Porto do Rio. Passamos a receber principalmente tubos para atividades off-shore, produtos siderúrgicos, aço, trilhos... São produtos de grande volume, que não conseguem entrar nos armazéns, que têm portas pequenas e colunas — explica Carvalho de Souza, justificando a necessidade de ampliação do pátio.
PRODUÇÃO AUDIOVISUAL
Bem ao lado da Praça Mauá, o Armazém 1 dará lugar ao YouTube Space, um espaço com estúdios, estações de edição e salas para cursos e workshops, previsto para ser inaugurado em 2017. As obras começaram este mês. Já o 2 e o 3 passarão por reforma em novembro para virar um polo gastronômico. O 4 e o 5 serão usados como terminais de passageiros, e o 6 continuará funcionando como Armazém da Utopia, do Instituto Ensaio Aberto, onde acontecem atividades culturais. As operações portuárias seguirão sendo realizadas do 7 ao 18.
— É normal que o carioca passe pela Rodrigues Alves, veja os armazéns em mau estado e ache que não acontece nada lá dentro. Mas a atividade econômica no interior dos depósitos é muito intensa e importante para a cidade. Recentemente, 17 navios atracaram simultaneamente no trecho entre o Armazém 5 e o Caju — disse o diretor de gestão portuária de Docas.
Do outro lado da Rodrigues Alves, bem em frente ao Armazém 4, a fachada de um galpão começa a ser colorido. O artista paulista Kobra iniciou, há duas semanas, a pintura do painel “Etnias”, que terá três mil metros quadrados. Cinco rostos estão sendo desenhados. Assim como os anéis olímpicos, que pregam a união entre os povos, o trabalho representa todos os continentes do planeta. O mural ficará pronto até a Olimpíada.
CONJUNTO TOMBADO
Construídos no início do século passado, os armazéns que vão do número 1 ao 7 formam um conjunto tombado pela prefeitura: Luiz Paulo Conde decretou a medida em 2000. Presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade e do Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural, o arquiteto e urbanista Washington Fajardo afirma que, do ponto de vista de preservação, não se constatou a necessidade de o Executivo determinar a preservação de todos os depósitos. Segundo ele, o plano de demolição de três prédios não representa um prejuízo para a memória carioca.
— São modelos arquitetônicos que praticamente se repetem, que foram feitos num mesmo momento. Os armazéns que vão do número 1 ao 7 estavam mais íntegros, produzindo um cenário urbano relevante e positivo sob o ponto de vista da paisagem. Do 8 ao 18, os galpões estavam muito descaracterizados. Seria mais difícil alcançar um resultado desejado se todos fossem incluídos no tombamento do município — diz Fajardo.
Em agosto do ano passado, o prefeito Eduardo Paes decidiu tombar, em caráter provisório, 24 guindastes instalados no Porto, numa tentativa de preservar mais um elemento da memória arquitetônica da região. Medida parecida já havia sido tomada em Buenos Aires, na região de Puerto Madero.
Na época, a Companhia Docas afirmou que a iniciativa de Paes tinha sido em vão porque os guindastes mais antigos eram da década de 1970 e não remetiam à história da ocupação da Zona Portuária. Em 1918, outros 90 chegaram a operar simultaneamente na região.
‘CIDADE CAÓTICA’
Washington Fajardo aprova a revitalização do Porto, mas acompanha com preocupação o projeto de transformação das fachadas dos armazéns em grandes painéis de arte urbana.
— Vejo com muita apreensão o uso recorrente do grafite como uma solução urbana, porque a cidade começa a virar uma colcha de retalhos visuais. Acho que isso tem que ser analisado com parcimônia. É uma solução pontual, não pode ser extensiva. A cidade fica caótica sob o aspecto visual. Os edifícios são elementos da paisagem. Se começam a ser grafitados, acabam virando simplesmente grandes telas para pintura. É um contrassenso combater publicidade na paisagem e, ao mesmo tempo, permitir que saiam grafitando tudo — afirma Fajardo.