27/12/2013 10:05 - Correio Braziliense
As empresas de transporte coletivo da família de Wagner
Canhedo Filho vinham fazendo pirateamento de linhas mesmo depois que as novas
concessionárias começaram a operar. Apesar de ter autorização para circular com
menos de 750 veículos, o grupo continuava operando com mais de 900 ônibus com o
objetivo de retirar receita das concorrentes. A fraude foi descoberta esta
semana após a intervenção do Governo do Distrito Federal (GDF) na Viação
Planalto (Viplan), Lotáxi e Condor. O poder público assumiu a gestão das firmas
na última segunda-feira depois de constatar que Canhedo passou a dificultar a
entrada dos operadores que venceram a licitação feita em 2012.
Juntas, as três empresas da família detinham mais de 30% de
todo o mercado de transporte coletivo da capital federal. Elas operavam
praticamente em todo o Distrito Federal, tanto que tinham garagens localizadas
no Guará (sede central), Sobradinho, Gama, Santa Maria e Samambaia. No auge da
operação, contabilizava o controle de 288 linhas e possuía 965 ônibus em
circulação. Conforme as novas concessionárias foram entrando no mercado (São
José, Pioneira e Piracicabana), era para a Viplan e suas parceiras terem saído
de 74 linhas e retirado 221 ônibus das ruas. Mas não foi bem isso que
aconteceu.
"Assim que passamos a responder pela gestão das empresas do
Canhedo, descobrimos que ele continuou atuando de forma pirata em várias
linhas. Ele tinha autorização para rodar com 744 ônibus, mas estava com mais de
950 em trânsito. Com isso, impactava no faturamento dos outros grupos”, contou
o secretário de Transportes do DF, José Walter Vazquez Filho, ontem durante a
entrega de mais 102 novos ônibus que vão se integrar ao serviço de transporte
coletivo de Brasília. As novas concessionárias não chegaram a fazer reclamação
formal sobre a situação porque nem sequer tinham conhecimento da concorrência
ilegal por ainda estarem se ajustando ao novo modelo.
Dificuldades
O secretário reconhece que a situação toda ocorreu devido às
dificuldades de controle e fiscalização por parte do poder público. "Brasília
vivia com a situação de ter o transporte coletivo há mais de 40 anos
funcionando sem concorrência pública. Por mais que tentássemos controlar, era
difícil. Justamente por isso trabalhamos tanto para conseguir licitar todas as
linhas. A partir de agora, o Governo do DF passa a ter o controle de toda a
gestão do sistema em suas mãos. Poderemos planejar e fiscalizar”, acrescenta
Vazquez.
Até ontem, a Sociedade de Transportes Coletiva de Brasília
(TCB), que está cuidando da gestão do grupo Canhedo, já tinha conseguido
concluir mais de 300 rescisões de contrato com funcionários. A expectativa é de
que, até a próxima semana, já tenham sido fechados cerca de mil acertos trabalhistas
e consequentes recontratações pelas novas empresas. O Correio não conseguiu
contato com Wagner Canhedo Filho ontem para que ele comentasse o assunto.
Ontem, o número de novos ônibus atingiu a marca de 1.032. Do
total, cerca de 800 ainda estão parados, aguardando o momento de começarem a
circular. O governador Agnelo Queiroz (PT), que participou da entrega de102
veículos pertencentes à Urbi (consórcio HP/Ita) e Marechal, destacou que essas
duas últimas empresas começam a operar ainda este ano. "Com as três que já
estavam em operação, completamos as responsáveis pelas novas cinco bacias já
trabalhando em 2013. É um grande avanço e demonstra claramente que a nossa
decisão de licitar todo o sistema foi acertada. Agora, vamos trabalhar no
sentido de melhorar a qualidade do serviço”, disse, enquanto andava em um dos
novos veículos entre a Estrada Parque Taguatinga e o terminal do Núcleo
Bandeirante.
Renovação
O governador destacou que até fevereiro toda a frota velha
deve ser retirada das ruas da capital e substituída por 2.630 ônibus das novas
empresas que vão operar as bacias 1 (Piracicabana), 2 (Pioneira), 3 (Urbi), 4
(Marechal) e 5 (São José). A primeira região que deverá ter todo o sistema
renovado será atendida pela Piracicabana, onde os mais de 400 veículos vão
fechar o ano já sob responsabilidade dessa concessionária. A base principal de
operação da companhia é a Saída Norte do Distrito Federal (ver quadro). "A
Piracicabana vai poder assumir a área com 100% da atividade porque a Viplan
ainda circulava em algumas linhas lá e, com a nossa ação, retiramos os ônibus
do Canhedo. Agora, o novo operador fica responsável”, complementa o secretário
de transportes.
Novo sistema
Bacia 1
Brasília, Sobradinho, Planaltina, Cruzeiro, Sobradinho 2,
Lago Norte, Sudoeste/Octogonal,
Varjão e Fercal
Frota*: 417 veículos
Operador: Viação Piracicabana
Bacia 2
Gama, Paranoá, Santa Maria, São Sebastião, Candangolândia,
Lago Sul, Park Way (parte), Jardim Botânico e Itapoã
Frota: 640 veículos
Operador: Viação Pioneira
Bacia 3
Frota: 483 veículos
Operador: Urbi (Consórcio HP/Ita)
Bacia 4
Taguatinga (parte), Ceilândia, Guará, Águas Claras e Park
Way (parte)
Frota: 464 veículos
Operador: Viação Marechal
Bacia 5
Taguatinga (parte), Brazlândia, Ceilândia, SIA,
SCIA/Estrutural e Vicente Pires
Frota: 576 veículos
Operador: Expresso São José
*A frota está distribuída em ônibus articulados,
convencionais e micro-ônibus, que vão operar em corredores exclusivos, linhas
de ligação entre cidades e linhas alimentadoras.
Memória
Problemas com a
Justiça
Um dia dona de um verdadeiro império dos transportes, a
família Canhedo testemunhou o prestígio dos negócios cair na mesma proporção do
acúmulo de dívidas. Hoje, estima-se que somente a Vasp, companhia aérea que
teve a falência decretada em 2008, deva algo em torno de R$ 5 bilhões, sendo R$
1 bilhão relacionado ao passivo trabalhista. A Previdência Social espera
receber R$ 35 milhões em tributos atrasados. Pelo calote, Wagner Canhedo ficou
preso durante 30 horas em 2004. Em função dos débitos, a Justiça tomou da
família a Fazenda Piratininga, avaliada em R$ 500 milhões, e repassou aos
funcionários da empresa como garantia de pagamento.
De acordo com a acusação, a direção da Vasp recolhia as
contribuições trabalhistas, mas não depositava. A mesma prática, segundo a
Justiça do DF, foi implantada por Wagner Canhedo Filho, principal herdeiro do
ex-dono da Vasp, em seus negócios na capital do país. Canhedo Filho é dono do
Hotel Nacional e preside o grupo Viplan.
Em maio de 2008, ele chegou a ser preso pela Delegacia de Capturas e Polícia Interestadual após descumprir decisão da 1ª Vara do Trabalho do Distrito Federal que exigia o pagamento de 30% do faturamento do Hotel Nacional para cobrir dívidas trabalhistas. Antes, em 2007, ele foi condenado a um mês de prisão pelo Juizado Especial Criminal de Justiça do DF por se recusar a vender passes escolares.