22/02/2016 09:00 - Valor Econômico
Jiane Carvalho | Para o Valor, de São Paulo
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Cálculos feitos pelo professor Samy Dana, da Fundação
Getúlio Vargas (FGV/SP), mostram que, dependendo da situação, deixar o carro na
garagem pode ser economicamente interessante. O maior erro cometido pelas
pessoas ao calcularem o custo de ter um carro próprio, afirma Dana, é não
incluir itens como depreciação e impostos anuais na conta. "Na comparação
correta, entra tudo, desde IPVA, combustível, até seguro e manutenção",
comenta o professor da FGV, lembrando que as pessoas precisam entender que
carro não é investimento, o que exige a inclusão na conta de outros dois itens.
"Tem de levar em conta a depreciação do veículo, em torno de 10% ao ano, e
o custo de oportunidade, ou seja, o que você deixa de ganhar porque o dinheiro,
imobilizado no carro, não está aplicado no mercado financeiro."
Para efeito de comparação, foi feita uma simulação de custos
de quatro alternativas de transporte - carro próprio, Uber (Black e X), táxi e
Zazcar (um serviço de locação de veículos por hora ou por dia) - e para dois
percursos diários, de 10 km e de 20 km, para um total de 40 viagens por mês.
Para o carro próprio, o valor do veículo foi definido em R$ 35 mil, com seguro
de R$ 1.750, IPVA de R$ 1.400, estacionamento mensal de R$ 350, mais R$ 100 de
manutenção mensal, um licenciamento com seguro obrigatório de R$ 172 e ainda R$
3.500 de depreciação anual (10%). Foi considerado também um consumo de 10 km
por litro de gasolina, vendida a R$ 3,12 o litro. O último item que deve ser
levado em conta, na avaliação de Dana, é o custo de oportunidade, ou seja, o
que se perde ao não investir o valor do carro no mercado. Foi usada uma taxa de
retorno mensal de 0,80%.
Para curtas distâncias, de 10 km entre o trabalho e a
residência (20 km por dia), por exemplo, a utilização do carro próprio é a
segunda melhor opção, consumindo no ano R$ 19.010. A mais vantajosa é o Uber X,
categoria mais barata do serviço, que cobra um preço base de R$ 3, mais R$ 0,35
por minuto e R$ 1,43 por quilômetro rodado. Se a opção fosse por usar o Uber X
para ir e voltar do trabalho, diariamente, o gasto no ano seria de
aproximadamente R$ 16.656. Utilizar o táxi, nas mesmas condições e com bandeira
1 a R$ 2,75 o quilômetro rodado, mais os R$ 4,50 de partida, no ano sairia por
R$ 22.952. No Uber Black, por sua vez, o valor anual subiria para R$ 25.737,
para o preço base de R$ 5, mais R$ 0,40 por minuto e R$ 2,42 o km rodado. Em
todos os casos, o tempo gasto estimado por percurso é de 25 minutos.
O custo final pode cair muito, caso o usuário mescle
qualquer uma das alternativas acima - táxi ou Uber com o transporte público. Só
para efeito de comparação, se no exemplo a pessoa optasse por intercalar táxi e
ônibus, diariamente, o custo total cairia para R$ 12.388 no ano, resultado da
soma de R$ 11.476 com táxi mais R$ 912 gastos com ônibus considerando a tarifa
de R$ 3,80 na capital paulista.
No Zazcar, o valor anual chegaria a R$ 23.378. O que torna
mais cara a utilização pelo Zazcar, no exemplo proposto, é o fato de o veículo
ter de ser retirado e devolvido no mesmo local. Com isso, foi considerado um
período de oito horas de permanência com o carro e uma mensalidade de R$ 49,90,
que resulta em um valor menor por hora, de R$ 4 mais R$ 0,89 o quilômetro
rodado. Se houvesse a possibilidade de usar o veículo alugado apenas para se
locomover na ida e na volta - sem permanecer com o carro durante o dia - o
custo anual cairia para aproximadamente R$ 11.337 (duas horas por dia, mantendo
os demais critérios inalterados).
O CEO da Zazcar, Felipe Barroso, chama a atenção para o
objetivo da empresa que não é competir com o Uber ou o táxi, mas diretamente
com o carro próprio. Segundo ele, há várias alternativas de cobrança, incluindo
o pagamento de uma diária, que facilita para quem vai ficar com o carro durante
o período de trabalho, substituindo o carro particular. "Temos em mente
que nosso objetivo é ser uma alternativa para o carro próprio nas mais diversas
situações do dia a dia", afirma. O perfil de pessoas que utilizam o
Zazcar, segundo ele, é de solteiros ou recém-casados com idade entre 25 e 40
anos.
Na segunda simulação, com o trajeto maior, de 20 quilômetros
entre a residência e o trabalho (40 km ida e volta), mantendo inalteradas as
demais premissas, a situação se altera e o carro próprio acaba sendo mais
vantajoso, com custo anual estimado em R$ 21.358, seguido pelo Uber X, com R$
27.418 por ano. O uso do táxi sairia por R$ 43.647, o Zazcar por R$ 30.075 e o
Uber Black exigiria o desembolso de R$ 43.948.
"Como ter um carro envolve um lado aspiracional
importante do brasileiro, o item transporte no orçamento acaba sendo
subdimensionado", comenta Thiago Alvarez, CEO do GuiaBolso, aplicativo de
gestão financeira. O executivo lembra, contudo, que a tendência é de o carro
perder a relevância como sonho de consumo do brasileiro. Fatores pontuais como
a crise econômica, que afeta a renda e leva o cidadão a rever o orçamento, e os
preços em alta dos combustíveis ajudam neste processo. Do lado positivo, o fato
de as grandes cidades estarem repensando e reorganizando os sistemas de transporte
em favor de outros modais também colabora.
Dados coletados pelo GuiaBolso, com base em extratos
bancários e cartões de crédito dos usuários do aplicativo, mostram que os
brasileiros gastaram em dezembro do ano passado R$ 411,46 para abastecer seus
carros, aumento de 22% em relação a março, mês de início da pesquisa. A classe
C foi a que viu o maior aumento de despesas com combustíveis: 34%, em média, na
mesma base de comparação. Contudo, em reais, é a classe A que mais deixa
dinheiro nos postos de gasolina. "As pessoas estão sendo obrigadas a rever
seus orçamentos, e o transporte cada vez mais é relevante na estrutura de
custo. Na prática, dependendo de situações individuais, é possível aposentar o
carro sem ter que aderir ao transporte público, e usar táxi, Uber ou mesmo
carros compartilhados, gastando menos", diz Alvarez.
O professor Samy Dana lembra que aspectos subjetivos como
conforto e praticidade associados ao carro próprio devem ser levados em conta,
mas o importante é "ter esta equação financeira bem resolvida para tomar a
melhor decisão". Ele destaca também que o fato de novas alternativas como
Uber, carro compartilhado e ciclovias ganharem visibilidade estimula o cidadão
a pensar melhor sobre como se locomover.
Foi o que aconteceu com a publicitária Jacqueline Sacon, que
há três anos iniciou o processo de substituição do carro próprio por outras
alternativas de mobilidade. "Quando mudei de endereço, refiz meu orçamento
e percebi que estava muito caro usar diariamente meu carro. Acabei optando por
deixá-lo durante a semana na garagem", comenta a publicitária, lembrando
que na época só com o consumo semanal de combustível gastava R$ 60, além dos R$
180 de estacionamento no trabalho, mesmo com subsídio da empresa. "Meus
gastos caíram pela metade, até o seguro do veículo ficou mais barato porque
deixei de usá-lo a trabalho", conta a publicitária.
Hoje, na rotina de transporte de Jacqueline estão incluídos
ônibus, metrô e táxi - principalmente quando sai tarde da agência em que
trabalha. "Como a distância entre a residência e o trabalho, do Jardim
Paulistano ao Butantã, é pequena, mesmo o táxi que uso para voltar é barato, em
torno de R$ 12."
A publicitária conta que no começo via dificuldade em tudo, na chuva, no frio, no tempo de espera, mas percebeu que com o tempo as dificuldades eram apenas por falta de hábito. Hoje, durante a semana, mesmo as compras de mercado são feitas com táxi: "já vou em um mercado que tem um ponto bem na frente". "A adaptação é palavra-chave, no começo tudo parece mais difícil do que é, há uma certa preguiça em iniciar o processo. O próximo passo é não ter carro", conta.
Contexto
Presente no Brasil desde maio de 2014, o aplicativo de
transporte de passageiros Uber está disponível em Belo Horizonte, Brasília,
Porto Alegre, Rio, Recife, São Paulo e Campinas, no interior paulista. A
empresa contabiliza 1 milhão de usuários cadastrados no país e 10 mil
motoristas. No mundo, o serviço funciona em 340 municípios.
Fundado em 2010, o Uber vem acumulando polêmicas ao se
chocar com serviços de táxi ao redor do mundo. No Brasil, taxistas e motoristas
cadastrados no aplicativo têm protagonizado confrontos. Em episódio recente, no
hotel Unique, na capital paulista, em 29 de janeiro, 200 taxistas intimidaram
frequentadores de um evento que ocorria no local. Carros pretos, cor
característica dos veículos habilitados pelo Uber, eram cercados e os
ocupantes, hostilizados.
Pelo modelo de negócios do Uber, qualquer pessoa que atenda
a algumas regras determinadas pela companhia pode ganhar dinheiro com o
transporte de passageiros. O problema é que o transporte compartilhado não está
previsto, ou é proibido, pela legislação da maioria das cidades. Para mudar
esse cenário, o Uber tem atuado junto aos reguladores e também feito campanhas
nas redes sociais para ajudar na pressão por mudanças.
Em São Paulo, no fim do ano, o prefeito Fernando Haddad
colocou em consulta pública um decreto que libera o funcionamento de
aplicativos como o Uber. Pelas regras atuais, o serviço não poderia funcionar,
porque não usa taxistas registrados. A prefeitura de São Paulo chegou a criar
uma nova categoria de táxis, o "táxi preto", que vai operar nos
moldes do Uber: carros pretos, com ar condicionado e até cinco anos de uso.
Para isso, entregou 5 mil novos alvarás a motoristas que se cadastraram para
operar o serviço.
O Uber contesta a avaliação de que seu serviço é ilegal. O
aplicativo já conseguiu uma liminar que libera o seu funcionamento em São
Paulo. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) já soltou um
parecer indicando que o Uber não representa uma ameaça à concorrência.