Estudo do impacto do transporte por aplicativo no transporte público por ônibus

27/09/2019 00:00 -

Estudo do Impacto do Transporte por Aplicativo no Transporte Público por Ônibus

Casos de São Paulo e Belo Horizonte

(Documento)

 

Em estudo realizado no começo deste ano, 2019, a ANTP avaliou o impacto da migração de passageiros do transporte público por ônibus para o transporte por aplicativo, segundo algumas hipóteses, tendo por foco as cidades de São Paulo e de Belo Horizonte, que foi apresentado no Arena ANTP 2019 – Congresso Brasileiro de Mobilidade Urbana, realizado em São Paulo, no Transamérica Expo Center, nos dias 24, 25 e 26 de setembro.

A seguir, o resumo do estudo, cuja integra pode ser obtida por download.

·         Estudos de caso

Foram selecionadas duas cidades: São Paulo e Belo Horizonte.

·         Cenários

Foram adotados os seguintes cenários de migração hipotética de passageiros do transporte público para o transporte por aplicativo: 10%, 20%, 30%.

·         Premissas adotadas

Para efeito de comparação frente aos cenários, adotou-se como premissa a manutenção da oferta de transporte coletivo atual nas duas cidades: a mesma rede física e operacional existente e a mesma oferta de lugares (intervalos entre ônibus).

Tendo em vista que se considerou como baixa a probabilidade de migração de passageiros com isenção ou com descontos na tarifa, adotou-se os cenários apenas para os passageiros pagantes de tarifa cheia.

·         Contexto do estudo

A demanda no transporte público por ônibus vem caindo há algum tempo, provavelmente em razão de vários fatores, como constatado em informações oficiais:

  • Em 9 capitais brasileiras, segundo estatística da NTU, nos últimos 5 anos a queda foi de 25,9%.
  • Em Belo Horizonte, segundo informações da BHTrans, nos últimos 10 anos a queda foi de 15,8%
  • Na RMSP, segundo dados da Pesquisa de Origem e Destino de 2017, a queda da demanda nos ônibus foi de 8,1%, em relação à OD de 2007.

 ·         Impactos analisados

No estudo foram analisados dois tipos de impactos: sociais e nos custos dos ônibus.

Impactos sociais

São os impactos decorrentes de dois efeitos estimados: a troca de viagens de transporte público para transporte individual motorizado; e o aumento de congestionamento em virtude do aumento de veículos em circulação, com implicações sobre a redução da velocidade do tráfego geral, havendo aumento:

  • Do volume de emissões de gases poluentes (efeito local e estufa);
  • De mortes no trânsito.

Impactos no sistema de transporte público

Como consequência de redução de velocidade média do tráfego geral, haverá redução de velocidade comercial dos ônibus e aumento: 

  • Do consumo de diesel em função da redução da velocidade comercial
  • Da frota de veículos necessária para manutenção da oferta, conforme premissa;
  • Do consumo de diesel, em decorrência do aumento da quilometragem ociosa (da garagem ao ponto inicial da linha), em função do aumento da frota de ônibus;
  • Da quantidade de mão de obra operacional, em razão do aumento da frota.

Cabe esclarecer que estes itens são aqueles de maior valor relativo em relação ao custo operacional total: a mão de obra representa de 45% a 50% do custo total; o diesel entre 22 e 25% e a frota (capital imobilizado, depreciação e custos de manutenção) por volta de 10%.

·         Metodologia

Cálculo do consumo de combustível, emissões e acidentes de trânsito

Utilizando-se funções matemáticas de correlação entre volumes de tráfego e velocidade, calculou-se o impacto sobre a velocidade média dos automóveis e dos ônibus. Com base em funções matemáticas correlacionando velocidade e consumos, calculou-se o impacto no consumo de combustível e emissões e acidentes de trânsito.

Estimativa de novas quantidades de viagens em automóvel e ônibus, com estimativa de nova quantidade de quilômetros percorridos por automóvel

Utilizando os dados e funções desenvolvidas no âmbito do SIMOB/ANTP ( Sistema de Informações da Mobilidade Urbana da ANTP) e aplicando as hipóteses de migração de demanda dos ônibus para o automóvel (10, 20 e 30%), foi possível estimar os novos quantitativos

Cálculo do Custo Operacional e da Tarifa de Remuneração

Para o cálculo do impacto na tarifa de remuneração, considerou-se o princípio básico representado pela divisão do custo total do sistema pelo volume de passageiros transportados equivalentes (os passageiros que pagam pelos serviços):

Tarifa de Remuneração = Custo  / Pe

Considerando o acréscimo de custo (x) e a redução do volume de passageiros nos ônibus em cada um dos cenários (y), calculou-se a variação da tarifa de remuneração:

Variação do Tarifa de Remuneração (%) = C*(1+x) / Pe*(1-y)


·         Resultados

 

Efeitos sobre a sociedade

 

Cidade

Cenários de Migração

Aumento de Consumo de Energia

Aumento de Emissão de Poluentes Locais

Aumento de Emissão de Poluentes do Efeito Estufa

Aumento de Mortos em Acidentes

São Paulo

10%

21,4%

11,9%

21,3%

2,8%

20%

46,9%

25,9%

46,5%

5,6%

30%

78,0%

43,2%

77,5%

8,4%

Belo Horizonte

10%

14,3%

7,9%

14,2%

3,1%

20%

29,8%

16,6%

29,6%

6,2%

30%

46,6%

26,2%

46,2%

9,2%

 

Efeito sobre o equilibro econômico-financeiro do transporte público por ônibus

 

Cidade

Cenários de Migração

Redução de passageiros equivalentes

Aumento de Custo Operacional

Aumento da Tarifa de Remuneração

São Paulo

10%

15,0%

10,9%

30,5%

20%

30,0%

21,9%

74,0%

30%

45,0%

32,9%

141,4%

Belo Horizonte

10%

11,0%

8,6%

22,1%

20%

22,0%

17,2%

50,4%

30%

33,0%

25,8%

88,1%

 

·         Experiências no exterior

O advento do transporte por aplicativo é recente em todo o mundo, encontrando-se ainda poucos estudos referenciais a respeito. No trabalho, citam-se estudos de Nova York, da Califórnia e do Chile.

De modo geral, constata-se que:

  • Os aplicativos competem com o transporte público, com a caminhada e com a bicicleta;
  • Seus principais usuários migraram do transporte público e do transporte não motorizado.
  • Causam aumento de quilometragem rodada dos veículos automotores da cidade.        


Reflexões a partir do estudo

As reflexões aqui expostas não constam do documento técnico. As constatações obtidas no estudo decorrem das hipóteses adotadas e o estudo não contém prognósticos. Mas, a partir das evidências de que o transporte por aplicativo está crescendo, por observação pura e simples, mas também tendo em conta que a Pesquisa Origem de São Paulo de 2017 já aponta este crescimento quando comparado com a mesma pesquisa de 2007, é fundamental que se inicie uma discussão mais ampla sobre esse fenômeno mais recente na mobilidade urbana. 

Sobre o direito ao transporte e os novos perfis de demanda

  • O transporte público é um direito social (Constituição Federal), tem caráter de essencialidade e universalidade, atendendo especialmente as populações de menores níveis de renda, sendo necessário sua sustentabilidade, sua melhoria e sua preservação.
  • É necessário reconhecer que existe um perfil da população que tem interesse por serviços de transporte mais flexíveis quanto a horários, itinerários e preços, que possam ter opções de escolha, para os quais o sistemas digitais são mais familiares.

Sobre as diferentes características, mas os mesmos clientes

  • O transporte por aplicativo não está sujeito a uma definição clara do seu papel no sistema de mobilidade da cidade, ao mesmo tempo em que ainda não foi suficientemente conhecido e estudado seja pelo mundo técnico e muito menos poder concedente. Atua em um “mercado livre”, podendo alterar preços e condições de viagem a todo instante e disputa o mesmo mercado de viagens do transporte público por ônibus. 
  • Por outro lado, o transporte por ônibus deve seguir regras duradouras (10, 15, 20 anos), que vincula compromissos com itinerários e horários rígidos, sob pena de sanções contratuais. É um empreendimento que envolve aporte de recursos de vulto (frota de veículos), emprego de mão obra massiva, elevados custos de manutenção e que ainda se submete a inseguranças jurídicas de contrato, portanto sujeito envolve riscos econômicos financeiros.

Sobre quem sai e quem fica no transporte público

  • É provável que a migração para o transporte por aplicativo ocorra entre os passageiros que pagam a tarifa e não daqueles que têm isenção. Essa foi uma das hipóteses do estudo. Reduzindo o número de passageiros que pagam, o custo operacional recairá sobre aqueles que permanecerem nos ônibus, o que poderá acarretar mais migração, gerando um círculo pernicioso.

Sobre o risco de degradação do transporte público

  • Dado que o aumento tarifário é indesejável e que não há condição nas cidades brasileiras de suportarem o acréscimo de custo operacional por meio de subsídios provenientes do orçamento público, para que se mantenha o equilíbrio financeiro do sistema, haverá pressão para adequação da oferta à demanda, reduzindo ainda mais a qualidade do transporte público por ônibus.

Sobre a necessidade de flexibilização dos contratos de transporte público

  • Por essas razões, não há como considerar essas novas necessidades deste perfil específico da população fora de um plano de mobilidade global da cidade, para que haja sustentabilidade econômico-financeira dos serviços prestados. 
  • É necessário, como já está ocorrendo na experiência em Goiânia do transporte por demanda (Citybus), incorporar essa possibilidade na prestação do serviço rede de transporte convencional. 
  • Considerando que está cada vez mais rápida a produção de novas formas de consumo e as novas gerações estão exigindo novas formas de deslocamento, é fundamental que os contratos de concessão possam contemplar cláusulas de flexibilização da oferta de transporte.