Menor lotação no transporte público: do desejo à dura realidade, por Luiz Carlos Nespoli (Branco)

22/03/2021 10:30 -

Muito antes da pandemia COVID-19, nas pesquisas de percepção de imagem do transporte coletivo público realizadas pela ANTP até 2012, os principais pontos negativos apontados pela população eram “lotação”, para 41% dos entrevistados (aqui incluído também os sistemas metroferroviários), “demora dos ônibus”, para 32%, e “rapidez na viagem”, para 26%.

Recentemente, em plena pandemia, quando se fala em transporte público nas redes sociais, segundo o blog “comunicaquemuda”, da agencia Nova/SB, vem em primeiro lugar a lotação, com 48,3% menções, e logo em seguida a demora no ponto de ônibus, com 31,2% menções.

Não resta dúvida que são três importantes atributos de grande valor para os usuários, ontem, hoje e amanhã: conforto (poder embarcar e viajar em condições toleráveis), certeza nos horários e tempo de viagem.

É importante reconhecer, de saída, que todos os três itens tem sua principal causa no processo histórico de desenvolvimentos das cidades, que dita o comportamento da demanda, gerando grandes volumes de viagens na direção do centro em curto período de tempo.

A implementação de uma nova lógica de desenvolvimento que corrija o espraiamento das cidades e que redistribua melhor os locais que geram empregos precisa de planos diretores que endireitem as cidades. Devemos insistir nisso. No entanto as mudanças urbanas são muito lentas e produzem seus efeitos em décadas e a população não pode esperar tanto tempo assim para ter um transporte de melhor qualidade.

Ao lado das longas distancias a percorrer estão as políticas que incentivam o uso de automóvel que congestionam as vias das cidades e impactam também no tempo de viagem dos ônibus. Neste caso, as soluções são mais rápidas e estão mais à mão.

Circulando em meio ao tráfego geral, a velocidade média dos coletivos situa-se em torno de 13 a 15 km/h. Em vias próprias (faixas ou corredores,) a velocidade média sobe para 20 km/h, e nos sistemas BRT, vai a 26 km/h ou mais (como comparação, o metrô, com todo o tráfego segregado, tem velocidade média de 32 a 34 km/h).

Medidas de priorização podem diminuir o tempo de viagem e ainda permitir maior regulagem na linha, dando mais certeza nos horários de chegada dos ônibus e evitar desequilíbrios nas lotações. De resto, podem reduzir custo operacional do transporte público. Estudo feito pela ANTP e IPEA, em 1999, demonstrou que a elevação da velocidade média nos ônibus de 13 km/h para 20 km/h reduziria o custo operacional do transporte coletivo na cidade de São Paulo em 16%.

No Caderno Técnico Nº 25 da ANTP, foi calculada a necessidade de prioridade para o transporte por ônibus em 111 cidades brasileiras com população acima de 250 mil habitantes, sendo estimados cerca de 8,9 mil quilômetros de soluções de prioridade na via, dos quais 7,6 mil km de simples faixas exclusivas junto ao meio fio, de fácil implantação e a um custo total de R$600 milhões/ano (menos de R$5 milhões/ano por cidade), perfeitamente exequíveis.

A lotação e o tempo de espera para embarque estão relacionados com a frequência, ou seja, com o número de ônibus (ou de trens) operando na linha por unidade de tempo. A frequência é obtida dividindo-se o carregamento crítico da linha pelo número máximo admitido de passageiros no interior dos ônibus (ou de metrôs).

Diferentemente dos transportes rodoviários de longo percurso em que se vendem assentos numerados, no transporte coletivo urbano os “lugares vagos” são definidos historicamente pela lotação média admitida de 6 passageiros em pé por metro quadrado.

O uso do índice de conforto interno é uma escolha do projetista (poder concedente). Poderia escolher em vez de 6, o índice 4, ou mesmo 2, talvez 1 ou, no limite, só passageiros sentados. É importante ter em mente que quanto menor a lotação maior será o número de veículos por hora na linha, o que eleva o custo operacional. Ainda, é bom lembrar que o acréscimo, dentro de certos limites, é possível para os ônibus, mas não para os metrôs já implantados, em razão de restrições de projeto.

Formas de controle mais sofisticados são úteis para se garantir que a lotação se limite àquela definida na programação horária, para dar tratamento adequado a uma característica do transporte urbano em que a demanda é aleatória e a quantidade de “assentos vagos” flutua estatisticamente.

A tecnologia atual já permite a contagem instantânea da lotação do ônibus desde que dispositivos sejam instalados nas portas. Mas ela precisa evoluir, no entanto, para saber de forma antecipada quantos irão desembarcar no próximo ponto e, para garantir a lotação de projeto, quantos podem embarcar. Em princípio, não há como fazer isso sem a participação do usuário com o uso de tecnologia. Uma solução já está no ônibus “on demand”, mas seria possível uma rede inteira deste sistema na tarifa atual? E seria acessível de forma universal?

Uma boa oferta e controles inteligentes podem garantir o conforto prometido e também nenhuma fila no local de embarque após a passagem do ônibus (ou da composição), uma espécie de “just in time” do transporte urbano, desde que o sistema “capte” a necessidade dos usuários ao longo do percurso.

Mas, tamanha sofisticação seria necessária? Ou devemos admitir, por premissa, que a lotação e a desregulação são componentes não solucionáveis no transporte público na hora do pico, mas que devem estar contidas dentro de uma faixa tolerável pela população?

De qualquer forma, adotando-se níveis de conforto melhores – maior oferta e mais tecnologia - haverá aumento do custo operacional e necessidade de investimentos em infraestrutura.

Se continuar como hoje, neste modelo de financiamento do custeio baseado no pagamento da tarifa, o transporte público continuará a ser concebido no estreito limite de um custo possível de ser pago pelo passageiro, sendo sabido e certo de que, assim sendo, a lotação vai continuar por muito tempo sendo parte das premissas de projeto. Hoje, com a oferta acima da demanda na pandemia, o déficit acumulado entre custo e receita já passa dos 11,7 bilhões de reais.

Ou vamos com mais força em direção ao escalonamento de horários das atividades na cidade? Eis aí outra boa discussão.

Medidas propostas pelo setor: Como ter um transporte público eficiente, barato e com qualidade

Luiz Carlos Mantovani Nespoli - superintendente da ANTP