27/06/2024 07:00 - Diário do Gde ABC
A escolha por realizar um trajeto de moto em um aplicativo pode atrair pela rapidez na rota e por preços acessíveis, mas esconde graves riscos tanto para o passageiro como para o condutor, conforme especialistas ouvidos pelo Diário. Esse serviço não é regulamentado – e consequentemente fiscalizado – nas cidades da região. Na segunda-feira (24), uma jovem de 19 anos, que estava como passageira em uma moto de aplicativo, morreu em acidente de trânsito em Santo André.
Segundo o InfoSiga, sistema de monitoramento do governo estadual gerenciado pelo Detran-SP (Departamento de Trânsito de São Paulo), o Grande ABC registrou 85 mortes no trânsito entre janeiro e maio deste ano, sendo que em 43% dos casos a vítima estava em uma motocicleta.
“O comportamento inadequado do piloto, como atravessar no sinal vermelho, circular na contramão, fazer conversões proibidas e andar em velocidade excessiva para as condições locais aumenta a probabilidade de acidentes, que frequentemente são de grande gravidade. A estatística brasileira mostra exatamente isso. Se a moto ainda é usada para transporte de pessoas na forma de taxi (ou aplicativo), esse risco aumenta”, diz o superintendente da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos), Luiz Carlos Néspoli.
Mediante os índices, a ANTP não recomenda o uso deste serviço. Para Néspoli, até mesmo o comportamento dos passageiros pode influenciar no número de ocorrências. “O carona deve funcionar como um espelho do piloto e seguir os seus movimentos, em especial nas curvas. Deve segurar com firmeza na alça traseira ou na cintura do condutor, manter pernas e joelhos alinhados com o quadril e pernas do piloto, firmar bem os pés nas pedaleiras e ficar com a coluna ereta. Os usuários de mototáxi, qualquer pessoa na verdade, não são habituados a serem caronas em motos, não são treinados e não sabem como se comportar como carona. Seu comportamento inadequado compromete o equilíbrio da moto e pode favorecer acidentes. Por essa razão, entendemos que é desaconselhável o uso da motocicleta como veículo para transporte remunerado de pessoas”, pontua Néspoli.
A advogada Daniela Poli Vlavianos, sócia do escritório Poli Advogados, explica que a falta de regulamentação tem relação direta com a ausência de mecanismos de controle e fiscalização que garantam a segurança dos passageiros e motoristas.
“Ao estabelecer normas e requisitos mínimos para a operação do serviço, a regulamentação exige a qualificação dos condutores, com cursos de direção defensiva e conhecimentos sobre segurança. Garante maior controle sobre o cumprimento das leis de trânsito e também obriga o uso de equipamentos de proteção individual de alta qualidade e a manutenção regular dos veículos”, diz Daniela.
A Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), representante do setor de mobilidade por aplicativos, afirma que “o transporte de passageiros por motocicletas intermediado por plataformas digitais é uma atividade privada, legal, regida pela Política Nacional de Mobilidade Urbana, e sustentada pela Lei Federal número 13.640”.
“Os aplicativos têm autorização legal para atuar em todo o território nacional. No âmbito local, o que pode ocorrer é a criação de regulamentações para definir regras operacionais e de fiscalização, por exemplo, mas nunca a proibição do serviço. No caso do mototáxi, trata-se de serviço público, sob o qual incidem outras regras. Pela legislação federal, o serviço de transporte de passageiros pode ser feito tanto de carro quanto de moto, pois não é especificado o tipo de modal”, continua a associação, que reforça ainda que o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu em 2019 pela impossibilidade de proibição.
Em relação aos critérios para parceria com novos motoristas, a Amobitec não cita cursos de formação, mas explica que os condutores devem ter a habilitação exigida para conduzir moto, documentação do veículo em dia e não podem ter antecedentes criminais.
Capital vetou o serviço por segurança e saúde da população
Quem busca por serviço de transporte de moto por aplicativo na região do Grande ABC, se tiver como destino a cidade de São Paulo, não vai conseguir encontrar um motorista. Isso porque a atividade não existe na Capital desde que foi vetada pelo decreto 62.144/23. Após algum embate com a Prefeitura, as plataformas 99 e Uber desistiram de ofertar esse modal na cidade, mesmo havendo decisão do STF que veta proibição.
A alegação da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) na ocasião foi a preocupação com a saúde pública. “O decreto 62.144/23 suspende temporariamente o serviço de mototáxi e de transporte de passageiros por moto via aplicativo, em razão da preocupação envolvendo a segurança e a saúde da população de São Paulo no viário urbano e o impacto no sistema publico de saúde. Reduzir acidentes e evitar óbitos é prioridade dessa gestão”, informou uma nota na época.
A discussão da Capital de regulamentar e de proibir ou não os mototáxis e serviços de transporte em moto por aplicativo vem se arrastando por bastante tempo. Em 2018, o então prefeito Bruno Covas sancionou lei que proibia o serviço e estipulava que, em caso de descumprimento, o motorista teria de pagar R$ 1.000 e teria o veículo apreendido se fosse reincidente. Posteriormente, porém, o TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo) julgou que a lei era inconstitucional – a competência para legislar sobre o tema seria da União. Ainda assim, não há hoje regulamentação do serviço de mototáxi no município, e os aplicativos seguem respeitando o que foi determinado pelo decreto de 2023.