Apesar dos vetos, há de se comemorar: Pedestres, temos um Estatuto!

21/06/2017 07:00 - CTMPA

Dia 13 de junho de 2017 foi sancionado pelo prefeito João Doria o Estatuto do Pedestre. O documento, de autoria do vereador Police Neto (PSD), contou com a participação de várias entidades não governamentais que atuam pela melhoria da mobilidade a pé para desenvolver um texto substitutivo ao da lei original, que apresentava uma redação confusa e incompleta. A elaboração deste substitutivo, com várias alterações, complementando e atualizando sua redação, foi um trabalho conjunto do vereador com organizações da sociedade civil iniciado na Comissão Técnica de Mobilidade a Pé e Acessibilidade - CTMPA da ANTP, Corrida Amiga e Idec, sendo posteriormente complementado e apoiado pela  Cidadeapé e Sampapé. 

Dentre outras diretrizes, o substitutivo teve como principais objetivos consolidar o conceito de rede de mobilidade a pé e determinar as fontes de recurso para as obras de infraestrutura necessárias ao caminhar tais como calçadas, calçadões, e travessias. Além disso, o documento visou estabelecer um sistema de informações que identifique, registre e quantifique os fluxos a pé, contendo ainda dados dos acidentes e demandas dos pedestres na cidade.  Outros pontos abordados foram a instituição de uma sinalização informativa apropriada para a rede de mobilidade a pé, a partir da lógica da caminhada,  a adoção de instrumentos de participação social e, finalmente, os importantes cuidados com os acessos dos pedestres à rede de transporte coletivo. 

No entanto, a sanção do documento pelo prefeito João Dória , vetou alguns pontos importantíssimos, que comprometeram seriamente várias diretrizes que seriam definitivas para garantir políticas públicas e planos municipais que definitivamente priorizassem a mobilidade a pé como: conceito integral de rede de mobilidade a pé, fundos para financiamento e ocupação do espaço público da calçada por entes privados. 

Por outro lado, mesmo com estes vetos, a Comissão Técnica de Mobilidade a Pé e Acessibilidade da ANTP reconhece a conquista da sociedade paulistana representada pela aprovação do documento que visa garantir e consolidar a caminhada utilitária cotidiana como modo de transporte que ocorre em rede, assim como as demais.  Da mesma forma, entende que esta lei  impactará nas demais cidades brasileiras, ratificando assim a prioridade do pedestre, já garantida na legislação federal pelo Código de Trânsito Brasileiro e pela Política Nacional de Mobilidade Urbana.

A seguir, são detalhados os vetos, justificativas atreladas e contestações da CTMPA:

Veto 1:

i. Alínea “d” do Art. 2º “Para fins de aplicação desta lei, entende-se: como Rede de Infraestrutura Básica da Mobilidade a pé, em conformidade com lei Nº 16.050, de 31 de julho de 2014 – Plano Diretor Estratégico: calçadas, vias de pedestre (calçadões), faixas de pedestres e faixas elevadas, transposição, passagens subterrâneas e passarelas, sinalização específica e demais elementos de qualificação urbana, bem como galerias comerciais e passagens situadas no andar térreo de edificações.” 

Justificativa

O motivo alegado para o veto segundo o prefeito justifica-se pelo seguinte motivo: “a indicação dos elementos da rede de infraestrutura básica da mobilidade a pé, além dos componentes constantes do Plano Diretor Estratégico, relaciona também espaços de natureza particular, como as galerias comerciais e passagens situadas no andar térreo de edificações. Essas áreas, ainda que possam ser utilizadas para circulação de pedestres, não podem ser consideradas como espaço público passível de regulamentação por lei municipal. Tendo em vista, ainda, a impossibilidade de veto a palavra ou expressão, conforme § 2º do artigo 66 da Constituição Federal, impõe-se a aposição do veto a toda a alínea “d”, o que, contudo, não trará prejuízo à consecução das finalidades da propositura, visto que os elementos do Sistema de Circulação de Pedestres já se encontram relacionados no artigo 231 do Plano Diretor Estratégico.

Avaliação da CTMPA

Ao nosso ver o veto a esta alínea compromete o objetivo da mesma que era o de consolidar o conceito de Rede de Mobilidade a Pé, conceito este fundamental para se estabelecer qualquer política e programa municipal que efetivamente atenda às necessidades da população que elegeu os pés como meio de deslocamento na cidade. 

Destacar expressamente a extensão de todos os direitos expostos às pessoas com deficiência e mobilidade reduzida que transitam em cadeira de rodas, motorizadas ou não é imprescindível para garantirmos o direito de ir e vir de todas as pessoas, conforme estabelecido pela Política Nacional de Mobilidade Urbana - PNMU definida pela Lei Federal da Mobilidade Urbana (Lei 12.587/12) e pela LBI - Lei Brasileira da Inclusão (Lei 13.146/ 2015) .

A inclusão de galerias comerciais, espaços públicos de natureza privada, poderiam passar por regulamentação para estabelecer formas de controle que ficassem adequadas à prefeitura e aos munícipes.  Por outro lado, as passagens, ao contrário do que foi interpretado, não são de natureza privada.  São formadas por vielas sanitárias, servidões, escadarias e outros espaços públicos de natureza linear e que compõem junto com calçadas e travessias a rede da caminhada do município de São Paulo.  Amarrar o conceito de Rede de Mobilidade a Pé a apenas uma lei municipal existente e que estabelece um dos muitos Planos Diretores Estratégicos que esta cidade já teve, corre-se o risco de ver desaparecer uma fundamentação de suma importância caso haja a substituição deste atual plano diretor.  

Veto 2: 

Outro trecho da Lei que foi vetado  são os   parágrafos 1º, 2º e 3º do inciso XI do Art.4º que territorializam de acordo com a origem dos fundos, propõe sua gestão específica através de conta do Fundurb e que garantem a aplicação nos objetivos e direitos assegurados por este estatuto.

Justificativa

A justificativa do veto: inciso IX e § 1º do “caput” do artigo 4º: embora salutar  a preocupação com a busca de fontes de recursos para investimento na implementação das várias melhorias previstas no texto aprovado, os recursos provenientes de Projetos de Intervenção Urbana, especialmente no âmbito das Operações Urbanas Consorciadas, devem, obrigatoriamente, ser recolhidos aos fundos vinculados às respectivas OUC’s, inclusive como garantia de cumprimento do programa básico da intervenção urbana e suas finalidades urbanísticas, de acordo com as deliberações do seu respectivo Comitê Gestor. Isto se dá por força do disposto no artigo 142 do Plano Diretor Estratégico, norma de hierarquia diferenciada no plano municipal. Com efeito, permite-se apenas a segregação de recursos reservados para habitação de interesse social, que devem ser depositados em conta específica, mas ainda assim vinculados à Operação Urbana Consorciada.Ainda que possa – e deva – haver ações dedicadas ao aperfeiçoamento da rede de mobilidade a pé no âmbito das Operações Urbanas Consorciadas, tal planejamento e alocação de recursos deve ter lugar no bojo da própria OUC, não se permitindo desvinculação de receitas ou destinação a outros projetos, por mais relevantes e meritórios que sejam. Dada a peculiaridade do regime próprio dos Projetos de Intervenção Urbana, bem como por envolver recursos vinculados a regras de administração específicas, não seria possível separar os recursos destinados a investimento na rede de mobilidade a pé do montante geral, impondo-se, por isso, o veto ao inciso IX do “caput” do artigo 4º e, consequentemente, ao § 1º do mesmo dispositivo.

§ 2º do “caput” do artigo 4º: ao estabelecer o gerenciamento de todos os recursos obtidos para consecução dos objetivos do Estatuto do Pedestre por conta específica do Fundo de Desenvolvimento Urbano - FUNDURB, o dispositivo acaba por vincular todas as receitas obtidas à forma de investimento prevista no regulamento do FUNDURB que, apesar de prever a destinação de 30% dos recursos à implantação dos sistemas de transporte público coletivo, cicloviário e de circulação de pedestres, não aponta um mínimo assegurado especificamente para as ações pretendidas no texto aprovado. Se mantida essa disposição, todos os recursos recebidos seriam depositados no FUNDURB e deveriam seguir estritamente as regras de aplicação dispostas pelo Plano Diretor Estratégico, o que afastaria sua aplicação em custeio específico das ações contidas na propositura.”

Contestações da CTMPA

Cabe observar que os pontos impeditivos apontados poderiam ser superados com uma revisão do aspecto limitante imposto pela atual legislação,  atentando-se ao fato de que a vida social das áreas públicas geradas por este tipo de operação ocorre através de boas calçadas e outras intervenções urbanas que compõem a rede da mobilidade a pé.  O próprio parágrafo 1º assegura a territorialização dos recursos que poderiam ser administrados perfeitamente pelos conselhos gestores das operações urbanas que teriam como mais uma obrigação o atendimento ao estabelecido por esta lei, beneficiando assim a segurança das pessoas que transitam a pé.

Veto 3:

O próximo veto atingiu o inciso II do Art. 9º: “assistência imediata em caso de acidente de qualquer natureza envolvendo o pedestre, com prioridade no atendimento dos procedimentos paramédicos e médicos e com resgate rápido e eficiente, inclusive com a utilização dos meios necessários de locomoção em função da gravidade do acidente”. 

Justificativa

Os motivos alegados para o veto : “ a prioridade de socorro, em caso de acidente, deve ser definida pelos profissionais de saúde que atenderem à ocorrência, vez que estes profissionais são os únicos habilitados tecnicamente a elegerem prioridades de atendimento.”

Contestações da CTMPA

Apesar da justificativa parecer suficiente para  o veto,  não invalida a propositura do inciso da lei que tem por objetivo  o cuidado de priorizar o atendimento ao pedestre. Esta prioridade se justifica por si só ao consultarmos os dados de mortes em acidentes de trânsito, que continua tendo o pedestre como o usuário mais presente neste tipo de fatalidade.  Isto evidencia sua  situação de vulnerabilidade, por ser o usuário que  utiliza a via  sem portar qualquer tipo de  proteção física e andar em menor velocidade.  Além disso é vítima constante de quedas nas calçadas que ocorrem em frequência muito maior do que os acidentes de trânsito, de acordo com dados do Hospital das Clínicas de São Paulo  e demandam deseconomias da ordem de 250 milhões de reais / ano com suas consequências.

Veto 4:

O último veto se refere ao Art. 17 na sua íntegra: “A Prefeitura determinará aos responsáveis pela instalação de canteiros ou jardineiras e mobiliário particular, tais como gradis de portarias de edifícios, portões de garagens, prismas de concreto entre outros que estejam em desacordo com os preceitos desta lei, que procedam a adaptação ou retirada dos mesmos, sob pena das seguintes penalidades:

I- advertência e prazo para correção da irregularidade;

II- censura pública;

III- multa de R$500,00 (quinhentos reais) por dia, até o cumprimento da determinação municipal.

Parágrafo único. A multa de que trata o inciso este artigo será atualizada anualmente pela variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, acumulada no Exercício anterior, sendo que, no caso de extinção deste índice, será aplicado outro que venha a substituí-lo.”  

Justificativa

O motivo que justificou o veto: “conquanto a obstrução das vias de pedestres consista em conduta reprovável a ser apenada com o rigor da lei, as disposições trazidas pela propositura acabam por não apresentar a necessária clareza para a correta aplicação da norma. Isto porque, embora se possa interpretar a expressão “mobiliário particular” como equipamento do mobiliário urbano indevidamente colocado no passeio pelo particular – o que já encontra regramento legal nos termos da Lei nº 14.223/06 e da Lei nº 15.442/11, o texto poderia ensejar interpretações divergentes e contrárias às finalidades da propositura. Com efeito, a leitura da expressão “mobiliário particular”, a contrario sensu, poderia sugerir a possibilidade de colocação de equipamentos ou objetos particulares fora dos limites do lote, atitude que contraria a essência da propositura e que não é admitida à luz do novo Código de Obras (Lei nº 16.642, de 9 de maio de 2017) e da própria Lei de Limpeza Urbana. Pela legislação atualmente em vigor, a colocação de qualquer elemento físico no passeio público pelo particular deve ser precedida da necessária autorização municipal pela outorga de Termo de Permissão de Uso, e em caso de objeto depositado na calçada, como floreiras, vasos e outros obstáculos móveis, a fiscalização procede a sua imediata apreensão, com imposição de penalidade ao infrator. Por isso, a fim de evitar entendimentos dissonantes quanto à aplicação da norma decorrentes da expressão “mobiliário particular”, mostra-se necessário o veto a todo o artigo 17 do texto aprovado, por força do § 2º do artigo 66 da Constituição Federal. E, sem a clara descrição da infração administrativa, não subsistem as penalidades que lhe seriam cominadas.” se apega a forma como a apropriação ilegal da calçada por elementos que não são de uso público é denominada na lei de “mobiliário particular”.  

Contestações da CTMPA

Apesar de haver leis municipais que já abordam o assunto, deixa de fazer parte do Estatuto do Pedestre diretrizes que asseguram a prioridade de manutenção da faixa de caminhada livre e a penalização das tentativas de invasão por gradis, mobiliários de estabelecimentos comerciais que são fixados fora de seus limites de domínio privatizando de forma inescrupulosa os espaços de caminhada.  As interpretações que eventualmente causassem dúvidas quanto ao tipo de ocupação irregular, mais uma vez poderiam ser solucionadas por  decreto regulamentador da lei que teriam condições mais adequadas para a especificação de casos.

Comissão Técnica de Mobilidade a Pé e Acessibilidade - ANTP 

Presidente: Maria Ermelina Brosch Malatesta (Meli) 

Secretaria Executiva: Letícia Sabino e Silvia Cruz