Código de Trânsito Brasileiro: 20 anos

22/01/2018 11:30 - Ailton Brasiliense Pires e Luiz Carlos Mantovani Néspoli


O Código de Trânsito Brasileiro, Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997, entrou em vigor em 22 de janeiro de 1998, completando agora 20 anos. Considerado um dos melhores códigos do mundo, o CTB inovou no Brasil em diversos aspectos e a pergunta necessária é se ele alcançou (ou vem alcançando) os objetivos centrais preconizados no seu nascedouro e se disso resultaram melhorias para a população brasileira.

Seria muita pretensão realizar aqui um balanço, ainda mais de caráter sintético, como tentativa de responder de forma adequada à indagação formulada, já que o Código é muito amplo, aborda uma multiplicidade de assuntos e se destina a muitos atores na esfera dos três níveis de governo, nos campos da engenharia, do direito, da pedagogia, medicina, psicologia, comunicação, marketing e sociologia, entre tantos, além dos fornecedores de serviços e tecnologia, agentes de fiscalização e, naturalmente, os usuários das vias.

O Código definiu atribuições para os órgãos e entidades de trânsito mais claras em cada segmento de responsabilidade do Sistema Nacional de Trânsito, atribuindo, pela primeira vez na história, a gestão do trânsito de vias urbanas aos municípios. Essa nova estrutura ampliou sobremaneira a possibilidade de ação do Estado na administração das vias em todo o país, ao mesmo tempo em que promoveu a capacitação intensiva de milhares de profissionais que passaram a atuar no planejamento, projeto, operação, fiscalização e educação de trânsito.

Pode-se afirmar que essa organização está funcionando plenamente em todas as suas instâncias, desde a definição de normas, passando pelo planejamento, projeto e operação do trânsito, assim como no que diz respeito à aplicação da fiscalização e penalidades e também do julgamento de recursos.

Se antes do Código o país contava com pouco mais do que uma dúzia de municípios administrando o trânsito, hoje a gestão está organizada em mais de 1.500. Por outro lado, nesses 20 anos, o CTB foi alterado por outras 29 leis e regulamentado por cerca de 720 resoluções do Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN (praticamente três por dia). Isso demonstra, ao mesmo tempo, um Código vivo que segue as mudanças que estão ocorrendo na sociedade, como também, em contraposição, um CONTRAN que exagera nas regulamentações, algumas chegando a surpreender os órgãos executivos, tanto pela intempestividade, quando pela inexequibilidade. Uma maneira de trazer a representatividade do Sistema Nacional de Trânsito foi a criação por Resolução do CONTRAN do Fórum Consultivo, com a representação de todas entidades do SNT,  cujas reuniões precisam ser retomadas.

No âmbito da engenharia e da tecnologia voltada para a gestão do trânsito, é facilmente identificável a ampliação e melhoria da sinalização nas rodovias e nas vias urbanas, a introdução de sistemas para controle e fiscalização de velocidade, o uso de câmeras, a ampliação do parque de sinalização semafórica e ainda o emprego cada vez maior de Centrais de Controle Operacional, o que levou também ao desenvolvimento e à ampliação e aprimoramento do setor de fabricantes e fornecedores. Também no setor automobilístico houve novas exigências com relação aos aspectos de segurança veicular, sendo os veículos novos hoje mais seguros que no passado e ainda menos poluentes.

A formação do condutor se tornou mais rigorosa, foram introduzidos mais conteúdos e maior carga horária, e se passou a utilizar simuladores no processo de habilitação. As coordenações de educação nos órgãos executivos, exigência do Código, produziram programas de educação de trânsito, capacitaram professores da rede de ensino, campanhas na Semana Nacional de Trânsito aconteceram em todo o país, e publicações foram editadas no intuito de contribuir para a introdução do trânsito como tema transversal nos currículos escolares. Ao lado destas ações pulverizadas em todo o país, no tocante às campanhas públicas nos veículos de comunicação, fundamentais para a conscientização coletiva sobre segurança e para a mudança de comportamentos das pessoas, o que se observou foram as raras inserções anuais nas programações das emissoras de rádio e televisão (ou mesmo nenhuma). Os recursos do Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (Funset) foram contingenciados desde o seu início pelo Governo Federal, sendo raramente utilizados para campanhas públicas de educação para o trânsito.

Na fiscalização e nos correspondentes processos de aplicação de penalidades, observa-se que os instrumentos previstos no CTB têm sido muito mais eficazes que no passado, com registro das ocorrências feitas de forma sistemática, em especial a aplicação das pontuações previstas em razão de infrações de trânsito, com os DETRANs aplicando com maior eficiência a penalidade de suspensão da carteira de habilitação e até mesmo sua cassação.

A fiscalização eletrônica, esta foi ampliada sobremaneira em razão do desenvolvimento de novas tecnologias, principalmente para o controle do excesso de velocidade, que é um dos fatores que mais contribuem para os acidentes e mortes no trânsito. Ao lado deste fato, inclui-se também o uso de álcool ao dirigir. Com o CTB e leis mais severas para controle de alcoolemia, a fiscalização se tornou mais eficaz, assim como aumentou significativamente a atuação dos órgãos responsáveis. Embora no âmbito da administração do trânsito o processo de fiscalização esteja demonstrando eficácia, lamentavelmente, na esfera da Justiça, ainda não se conseguiu que os crimes de trânsito fossem punidos com a severidade que merecem, sendo raras as condenações exemplares. Também não se avançou no controle da frota de veículos em circulação, não se implantando ainda no país a inspeção veicular de segurança.

No que diz respeito ao maior dos objetivos do Código, qual seja o de redução de acidentes e mortes no trânsito, as conquistas, se é que se pode chamar assim, estão ainda muito aquém do desejável. Apesar de se observarem inúmeras iniciativas dos órgãos executivos de trânsito, as ações são dispersas em todo o país, carecendo ainda, 20 anos depois, de uma coordenação nacional eficiente e sinceramente voltada para o assunto.

O Brasil ainda figura no cenário mundial como um dos países mais violentos no trânsito, com um índice estabilizado em torno de 19 mortes para grupos de 100 mil habitantes (ver gráfico abaixo), quando a maior parte dos países que tratam o problema com a seriedade que ele merece aparece com índices abaixo de 6. Se a gestão, a infraestrutura e a tecnologia, a formação, a aplicação de penalidades e os programas de educação melhoraram, que são os instrumentos eficazes para este fim, a pergunta indigesta é porque não se alteraram as condições gerais de acidentalidade no país. Talvez a melhor explicação poderia ser obtida quando se isola do índice as mortes com motociclistas dos outros tipos de acidente. O gráfico mostra que se por um lado o índice está em queda para todos os demais acidentes, os relativos à motocicleta estão em crescimento, a demonstrar que aqueles instrumentos não estão tendo a eficácia necessária e não alcançaram o motociclista, a exigir, devido à complexidade envolvida, novas formas de gestão e fiscalização e, especialmente, de formação e educação.

Ao lado dos avanços e conquistas, e tendo ainda muitos problemas a resolver, persiste o desafio da redução de acidentes e mortes (110 mortes e 1000 feridos por dia é intolerável), e desta forma colocar o Brasil entre os países mais seguros no trânsito do mundo, com medidas mais eficazes e legislação mais severa. Também se soma a este desafio a compreensão de que a gestão do trânsito não está isolada da gestão da mobilidade urbana, sendo apenas um dos seus instrumentos, que envolve uma nova política de urbanização e a aplicação dos princípios, objetivos e diretrizes da Lei 12.587 (Lei da Mobilidade), para se garantir mais espaço na via para o transporte público, para os pedestres e para os ciclistas. Mais ainda, o desafio de acompanhar as mudanças tecnológicas, de novas formas de deslocamento da população e ainda das mudanças culturais que estão por vir.

Fonte: Mortes (DATASUS); População (IBGE); Cálculo (ANTP).

Ailton Brasiliense Pires – Presidente da ANTP

Luiz Carlos Mantovani Néspoli – Superintendente da ANTP