Futuro do carro tem a ver com o futuro das cidades?

11/05/2017 09:00 - ANTP


Numa conferência nesta quarta-feira, 10 de maio, promovida pelo influente jornal Financial Times, Jim Farley, que comanda a montadora Ford na Europa, Oriente Médio e África, disse algo que, até outro dia, seria impensável. A conferência "O Futuro do Carro", realizada em Londres, ouviu Jim Farley dizer, com todas as letras, que as cidades precisam ter menos carros em suas ruas, para diminuir os congestionamentos e desta forma liberar formas alternativas de transporte. Sua fala foi antecipada pelo próprio jornal que promove o evento, conforme republicado no Brasil pelo Valor Econômico.

Jim foi mais longe ao afirmar que as montadoras não podem ser "egoístas" quando pensarem soluções para os centros urbanos superpovoados. Com a previsão de que em 2050 cerca de 70% da população mundial estará vivendo em cidades, Jim afirmou que os veículos (leves e pesados) produzidos pela indústria foram os grandes responsáveis por modelar essas áreas povoadas.

Diante do congestionamento urbano, que hoje se torna um problema cada vez mais relevante, e transforma o ato de possuir um automóvel um inconveniente crescente para o usuário, o alto executivo da Ford reforçou que é preciso trabalhar em como tirar os carros do sistema quando há uma alternativa para isso, o que ele chama de uma “solução mais sustentável”. Ou seja, diante dos imensos problemas enfrentados atualmente pelas cidades - como congestionamentos, emissões e qualidade do ar, além dos acidentes no caso brasileiro – cabe ao setor automotivo ajudar na busca de soluções, em colaboração com as cidades e seus líderes.

A conferência do "Financial Times", que reuniu líderes de toda a indústria automotiva para debater o futuro, se dá num ambiente de rápidas mudanças, como o surgimento dos carros elétricos e dos carros autoguiados, chegando até à possibilidade, ainda remota, de veículos aéreos.

A pergunta que fica no ar é até que ponto as montadoras no Brasil estão em sintonia com essa postura avançada. Pelo que se percebe, por aqui elas ainda continuam a perseguir benefícios governamentais que, como sabemos, são retirados de setores fundamentais para a mobilidade urbana, como os sistemas de trilhos e de ônibus urbanos.

Enquanto lá fora o setor automotivo tenta oferecer como parceiro das cidades, não só propondo soluções ambientalmente corretas, como colaborativas com o transporte coletivo urbano e com os líderes municipais (prefeitos e gestores), no Brasil o que se vê é a busca por maior lucratividade.

No Brasil, como diz Jim Farley, as montadoras vêm modelando nossas cidades desde sempre, estimuladas por políticas públicas de seguidos governos, sem exceção.

O diretor presidente do Insper, Marcos Lisboa, chegou a afirmar em artigo publicado no Estadão, em 13 de setembro de 2016, que a indústria automotiva foi sempre o “setor mais protegido da economia brasileira”. O resultado está aí, diante dos olhos de todos: os nefastos efeitos da opção pelo transporte motorizado individual espetaram uma conta impagável para nossas cidades.

Esta conta já foi (e continua sendo) mensurada em vários segmentos. E a cidade modelada pelo automóvel tornou-se o local do concreto e do asfalto, que aparta as pessoas, que segrega classes, que afasta bairros, que subverte as receitas públicas.

Se a maioria dos recursos públicos vai para estimular e justificar o uso do carro como transporte preferencial, sobra ao “primo pobre” da mobilidade – o transporte coletivo urbano, seja trilhos e sobre pneus – as piores consequências.

Sem dinheiro não há transporte público coletivo de qualidade, e a continuar assim, sequer haverá transporte público em quantidade suficiente.