Gestão de Velocidade – Sim à vida.

01/04/2019 16:55 - ANTP

Em 2006, a OCDE - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, em conjunto com a CETM – Conferência Europea de Ministros de Transportes, publicou um estudo sobre gestão de velocidade, denominado de “Gestión de Velocidad”, no intuito de avaliar a extensão e o impacto do excesso de velocidade, com base em resultados e experiências, em face do grave problema social e de saúde pública decorrente nos países membros. O trabalho editorial da OCDE divulga os resultados do trabalho estatístico e de pesquisa da Organização em questões econômicas, sociais e ambientais, bem como as convenções, diretrizes e padrões acordados por seus membros.

A CEMT - Conferência Europeia dos Ministros dos Transportes (CEMT) é uma organização intergovernamental fundada por um protocolo assinado em Bruxelas em 17 de outubro de 1953. Ela reúne ministros de transporte de 43 países membros: Albânia, Alemanha, Armênia, Áustria, Azerbaijão, Bielorrússia, Bélgica, Bósnia-Herzegovina, Bulgária, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Espanha, Estónia, Finlândia, França, Geórgia, Grécia, Hungria, Islândia, Irlanda, Itália, Letónia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Macedónia (Antiga República Federação da Jugoslávia), Malta, Moldávia, Noruega, Países Baixos, Polónia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Roménia, Rússia, Sérvia e Montenegro, Suécia, Suíça, Turquia e Ucrânia. Existem sete países membros associados (Austrália, Canadá, Coréia, Japão, México, Nova Zelândia e Estados Unidos) e um país observador (Marrocos).

O CEMT é um fórum no qual os ministros responsáveis pelo transporte, e mais especificamente, o transporte interno aos países membros, podem cooperar em questões políticas. Neste fórum, os ministros podem discutir abertamente os problemas atuais e chegar a acordos sobre medidas conjuntas para melhorar a utilização e assegurar o desenvolvimento racional dos sistemas de transportes europeus. No presente, o CEMT tem um duplo papel. Por um lado, ajuda a criar um sistema de transporte integrado em toda a Europa ampliada que seja economicamente eficiente e cumpra as normas ambientais e de segurança. Para o efeito, a CEMT ajuda a construir pontes entre a União Europeia e o resto do continente europeu no âmbito político. Por outro lado, a CEMT também analisa as tendências de longo prazo no setor de transportes e, mais especificamente, estuda as implicações para o transporte na globalização.

Como resumo, o estudo “Gestión de Velocidad” considera perigoso o excesso de velocidade, um conceito que inclui velocidade excessiva, isto é, dirigir acima dos limites de velocidade, e velocidade inadequada, ou seja, dirigir muito rápido para condições específicas, mas dentro dos limites permitidos. Considera que a velocidade, além de ser um fator causal em praticamente um terço dos acidentes fatais, é um fator agravante nas consequências de todos os acidentes além de causar sérias consequências no meio ambiente e no consumo de energia.

No entendimento da OCDE/CEMT, obtido por um trabalho ao longo de dois anos de dedicação de um grupo de trabalho de especialistas, durante o qual ele realizou uma pesquisa detalhada sobre práticas de gestão de velocidade nos países membros, a gestão da velocidade pode ser definida como um conjunto de medidas destinadas a limitar os efeitos da velocidade. O trabalho analisa os efeitos da velocidade na segurança no ambiente e na qualidade de vida e avalia as consequências do excesso de velocidade, assim como as medidas de gestão de velocidade, incluindo infraestrutura, sinalização, tecnologias de veículos, educação e treinamento, fiscalização e novas tecnologias. Finalmente, descreve como diferentes medidas podem ser combinadas no âmbito de uma política de gestão de velocidade e destaca as necessidades específicas dos países em desenvolvimento.

Em uma das pesquisas realizadas pelo trabalho da OCDE/CEMT, sobre a atitude declarada dos condutores em relação à velocidade, foram obtidas as seguintes respostas principais:

·       A maioria dos condutores (mais de 70%) acredita que os motoristas geralmente superam os limites de velocidade.

·       84% dos motoristas acreditam que outros usuários da estrada excedem o limite de velocidade.

·       Uma porcentagem significativa de motoristas gosta de dirigir rápido (36%). Neste caso, eles são mais homens que mulheres. Juntamente com eles, os jovens condutores destacam-se, as pessoas com emprego, aqueles com maiores rendimentos, pessoas solteiras, pessoas de ambientes urbanos e os condutores que dirigem frequentemente.

·       Quase 20% dos condutores europeus (34% dos condutores dinamarqueses e 13% dos Austríacos) dizem que dirigem mais rápido que o motorista médio.

·       Dirigir rápido demais é considerado um dos fatores contribuintes de acidentes (82%).

·       Um em cada cinco condutores europeus (20%) foi multado por excesso de velocidade nos últimos três anos.

·       Existe um amplo apoio para a instalação de dispositivos de controle de velocidade em veículos (62%). Além disso, o apoio à segurança rodoviária como limitadores de velocidade e outras restrições, mas com diferenças importante de um país para outro.

Como resumo das pesquisas, o relatório aponta as principais medidas

•        A intensificação das medidas de fiscalização aos limites de velocidade é vista como medida prioritária em vários países europeus.

•        Nos países com um baixo grau de aceitação das medidas de fiscalização dos limites de velocidade, as campanhas de informação devem preceder e acompanhar a intensificação de tais medidas.

·       Por fim, recomenda-se que as campanhas de segurança viária se concentrem no excesso de velocidade e que sejam projetadas especificamente para cada país (ou região), já que comportamentos ligados ao excesso de velocidade mostram diferenças importantes entre Países europeus.

Como conclusão final do estudo, a OCDE/CEMT recomenda que para lidar com o problema do excesso de velocidade nas rodovias, as medidas de gestão de velocidade devem ser desenvolvidas em larga escala, qual seja, para todos os tipos de veículos e para todos os tipos de estradas. Isso requer o envolvimento de numerosos atores no campo dos transportes, especialmente as autoridades responsáveis pelos sistemas de transporte rodoviário, juntamente com outras partes interessadas e a comunidade em geral.

No Brasil, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) instituiu o Sistema Nacional de Trânsito, constituído pelos órgãos e entidades nos três níveis de governo – federal, estaduais e municipais – atribuindo a cada um deles sua competência específica. No que diz respeito ao estabelecimento dos limites de velocidade, o CTB distribui as competências da seguinte forma:

·       Rodovias e estradas federais: ao órgão executivo rodoviário federal (Art. 21);

·       Rodovias e estradas estaduais: aos órgãos executivos rodoviários estaduais (Art. 21);

·       Rodovias, estradas e vias urbanas municipais: aos órgãos executivos de trânsito municipais (Art. 21 e 24).

De maneira geral, o CTB atribuiu aos órgãos executivos citados o dever de cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito e, no que diz respeito às infrações, e no caso específico do controle do excesso de velocidade, o CTB atribuiu a cada um dos órgãos executivos citados a obrigação de executar a fiscalização, autuar, aplicar as penalidades previstas e as medidas cabíveis, bem como notificar os infratores e arrecadando as multas decorrentes, no exercício regular do poder de polícia de trânsito, que, nas palavras de Hely Lopes Meirelles,

“O poder de polícia administrativa destina-se à preservação do bem-estar em geral, impedindo através de ordens, proibições e apreensões o exercício antissocial e abusivo, pois ilimitado, de determinados direitos individuais passíveis de interferência na esfera jurídica de outrem.”

Ressalta-se que o Código de Trânsito Brasileiro é um dos mais modernos do mundo e tem como um de seus fundamentos a segurança viária. Já em seu primeiro artigo, o CTB estabelece que o trânsito em condições seguras é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito, aos quais cabe adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.

A forma de autuar o excesso de velocidade nas vias terrestres é estabelecida pela Resolução CONTRAN Nº 396/2011, que esclarece os tipos de equipamentos que registram a velocidade, classificados em fixos, estáticos, móveis e portáteis, os conhecidos radares e lombadas eletrônicas,  indicando em cada caso o uso específico e os critérios de homologação técnica.

Como se vê, o controle de velocidade nas vias terrestres de todo o país está suficientemente definido no Código de Trânsito Brasileiro, e a forma de atuação está descrita de forma detalhada pelo Conselho Nacional de Trânsito por meio de Resolução.

É importante verificar que o Brasil é ainda um dos países com maior índice de acidentes de trânsito no mundo, com taxas em torno de 20 mortes a cada 100 mil habitantes (nos países membros da OCDE este índice vai de 3 a 11), com cerca de 40 mil mortes por ano (230 mil pessoas com invalidez permanente, segundo o DPVAT), a um custo social anual estimado de mais de 140 bilhões de reais (1). Se considerarmos os dados europeus de que 30% das mortes são decorrentes de excesso de velocidade, estamos falando de algo como 12 mil mortes por ano no nosso país por esse motivo.

Assim, ao contrário de políticas, ou iniciativas, que buscam minimizar o controle de velocidade em nossas vias, é fundamental um programa nacional de combate à violência no trânsito, e dentre as medidas, a redução de limites de velocidade permitidos e um maior rigor na controle dos grandes fatores intervenientes nos acidentes – dirigir sob o efeito de álcool, excesso de velocidade, ultrapassagens proibidas, uso de celular e uso de cintos de segurança por todos os ocupantes dos veículos.

Ressalta-se, finalmente, que todo e qualquer aceno na direção de um abrandamento nos deveres dos órgãos de trânsito, ou o que é pior, da veiculação de mensagens na direção da desobrigação do Estado do seu papel de fiscalização, em especial vindas de autoridades públicas de grande repercussão nacional, são pedagogicamente contraproducentes e podem levar os cidadãos à ideia de que nem sempre é necessário seguir regras e normas, tendo como consequência o efeito perverso do aumento da imprudência e da ousadia no trânsito, com consequências graves de aumento de acidentes e mortes. Não custa lembrar que não fiscalizar quando se deve fazê-lo é crime de prevaricação.

Não é possível crer que os brasileiros queiram isso.


(1) - Sistema de Informações de Mobilidade Urbana da ANTP – 2016.