Meio Ambiente e Transporte Público: Brasil ainda não ligou os pontos

25/08/2019 14:00 - ANTP


Nesta última semana eclodiu uma grave crise de representação do país no cenário internacional no âmbito da política ambiental, fato que já vinha germinando desde a posse do novo Governo Federal. Ações e gestos não faltaram para suscitar no mundo técnico apreensões quanto ao modo como o Poder Central pretendia tratar o meio ambiente, conforme relato abundante em todos os meios de comunicação. O incêndio recente na Amazônia foi o estopim, e talvez o ponto culminante da crise.

Ações e omissões do governo demonstraram por A mais B que estavam colocando o Brasil contra a parede e, pior, com o risco de retroagir na sua política ambiental, colocando em risco também os nossos principais negócios internacionais. Mesmo tendo assinado importantes acordos, o país nestes oito meses de governo seguiu paradoxalmente o caminho contrário. Em todos os campos, mas também na mobilidade urbana, gestos, falas e movimentações do governo acenderam a luz amarela.

Para o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, as mudanças climáticas causam estragos particularmente entre os mais vulneráveis, e as emissões de gases de efeito estufa estão em ascensão mais uma vez. 

Durante a abertura do Fórum do Financiamento para o Desenvolvimento, do Conselho Económico e Social da ONU (Ecosoc), realizado em abril deste ano, o secretário-geral da ONU afirmou que 2019 é um ano muito importante “para a implementação dos ODS (Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável) e do Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas”, ressalvando no entanto que há “sérios desafios e riscos crescentes”.

Guterres lembrou que já foram criadas as ferramentas para combater a pobreza, a desigualdade, as mudanças climáticas e as pressões ambientais, como os acordos multilaterais alcançados em 2015, como a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, a Agenda de Ação de Adis Abeba e o Acordo de Paris sobre as mudanças climáticas.

"Nós, chefes de Estado e de Governo e altos representantes, reunidos na sede das Nações Unidas em Nova York de 25 a 27 de setembro de 2015 no momento em que a Organização comemora seu septuagésimo aniversário, decidimos hoje sobre os novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável globais". (Antonio Guterres)

Em setembro de 2015, mais de 150 líderes mundiais adotaram uma nova agenda de desenvolvimento sustentável, formada por 17 Objetivos (ODS), a serem implementados por todos os países do mundo até 2030, contemplando: a erradicação da pobreza e da fome; a promoção do bem estar para todos; a educação inclusiva; a igualdade de gênero; a disponibilidade sustentável de água; o acesso confiável à energia; o crescimento econômico sustentável, com emprego pleno; a infraestrutura resiliente, promovendo a industrialização sustentável e o fomento à inovação; a redução da desigualdade; a garantia de padrões de produção e de  consumo sustentáveis; o combate à mudança climática; a conservação dos oceanos; a proteção, recuperação e promoção do uso dos ecossistema terrestres, detendo a redução da biodiversidade; a promoção de sociedades pacíficas e inclusivas; e o fortalecimento dos meios de implementação para o desenvolvimento sustentável.

Destaca-se, para o nosso tema, de forma específica, o objetivo 11, que não citamos acima: tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis.


O Acordo de Paris, aprovado por 195 países Parte da UNFCCC (United Nations Framework Convention on Climate Change), na 21ª Conferência das Partes (COP21), estabeleceu uma resposta global à ameaça da mudança do clima. O alvo do acordo foi o de reforçar a capacidade dos países de enfrentar os impactos decorrentes das mudanças.O esforço empreendido culminou na apresentação da iNDC (Intended Nationally Determined Contributions)

Tendo o Brasil tomado a decisão de assinar o Acordo, o "i", de intenção, foi retirado da sigla, passando a NDC simplesmente. A Contribuição Nacionalmente Determinada - NDC  brasileira na Assembleia Geral da ONU em setembro de 2015, que explicita as intenções do Brasil em termos de envolvimento de diferentes atores (governo, setor privado, academia e organizações não governamentais) e da ampla fonte de referências consultadas e utilizadas. O documento resultou em inédito consenso entre todos os segmentos da sociedade brasileira que acompanham o tema, cujas metas principais são: 

  • Redução de 37% nas emissões até 2025, tendo como ponto de partida as emissões de 2005;
  • Possível redução de 43% das emissões até 2030.

Para alcançar tais metas, uma série de indicações terão de ser seguidas em diversos setores da gestão pública dos recursos naturais até 2030:

  • Aumentar a participação da bioenergia sustentável na matriz energética brasileira para 18%;
  • Fortalecer o cumprimento do Código Florestal; 
  • Restaurar 12 milhões de hectares de florestas; 
  • Alcançar desmatamento ilegal zero na Amazônia brasileira; 
  • Chegar à participação de 45% de energias renováveis na matriz energética; 
  • Obter 10% de ganhos de eficiência no setor elétrico; 
  • Promover o uso de tecnologias limpas no setor industrial; e 
  • Estimular medidas de eficiência e infraestrutura no transporte público e áreas urbanas

A NDC do Brasil corresponde a uma redução estimada em 66% em termos de emissões de gases efeito de estufa por unidade do PIB (intensidade de emissões) em 2025 e em 75% em termos de intensidade de emissões em 2030, ambas em relação a 2005. O Brasil, portanto, reduzirá emissões de gases de efeito estufa no contexto de um aumento contínuo da população e do PIB, bem como da renda per capita, o que confere ambição a essas metas. 

Mobilidade urbana no Brasil

Qual a importância da mobilidade urbana no contexto dos ODS e do Acordo de Paris? Para compreender nosso desafio, alguns dados do último relatório (2016) do Sistema de Informações da Mobilidade Urbana da ANTP - SIMOB, que reúne indicadores totalizados de 533 cidades brasileiras com mais de 60 mil habitantes, são relevantes e demonstram o quanto ainda estamos longe e quanto desafio há pela frente.

Energia consumida

As pessoas consomem, por ano, cerca de 11,4 milhões de TEP (toneladas equivalentes de petróleo) nos seus deslocamentos. O automóvel, que é responsável por apenas 25% do total de viagens, consome 63% do total da energia dispendida na mobilidade urbana. Ao transporte público cabem 33% do consumo de energia.

Poluentes emitidos 

Os poluentes locais considerados são os seguintes: CO (monóxido de carbono), HC (hidrocarbonetos), NOx (óxidos de nitrogênio), MP (material particulado) e SOx (óxidos de enxofre), conforme definição da Cetesb/SP. No caso dos gases do efeito estufa (GEE) foi considerado o CO2eq (CO2, CH4 e N2O)3

Efeito Estufa:

Os veículos usados pelas pessoas emitem 161 mil toneladas de poluentes locais por ano nos seus deslocamentos. 

A maior parte (58%) é emitida pelos ônibus, seguida pelos automóveis (31%).


Efeitos Locais: 

Considerando a emissão de CO2eq, os veículos usados pelas pessoas emitem 31,6 milhões de toneladas de poluentes por ano nos seus deslocamentos. A maior parte (67%) é emitida pelos automóveis, seguida pelos ônibus (29%).

Acidente e mortes no trânsito

Tomando-se apenas as 533 cidades observadas pelo SIMOB, foram registradas em 2015 (utilizado como base de dados para o presente relatório de 2016) quase 700 mil vítimas de acidente de trânsito, sendo mais de 24 mil mortes, gerando um índice de 18,1 mortes por 100 mil habitantes, muito abaixo dos índices das nações mais desenvolvidas, cujos valores encontram-se abaixo de 6 mortes por 100 mil habitantes (Noruega, 2,0 - Suécia, 2,5 - Japão, 3,7 - Alemanha, 3,7- Espanha, 3,9 - e.Portugal, 5,4, por exemplo).

O custo estimado para o ano de 2016 (utilizando os dados de acidentes de 2015) foi de 130,5 bilhões de reais.

 

Distâncias percorridas

A distância média percorrida por usuário por viagem de transporte público foi 11,5 km, enquanto do transporte individual foi 7,6 km. Nas cidades com mais de um milhão de habitantes, os usuários de transporte público percorreram num ano um total de 110,4 bilhões de quilômetros, enquanto os usuários de automóvel, 51 bilhões.

Infraestrutura da mobilidade

Considerados os custos da infraestrutura viária e metroferroviária, supondo a implementação de equipamentos novos, a sociedade preferiu gastar o valor total de 1,51 trilhão de reais, sendo 1,18 trilhão para o transporte individual e 0,37 trilhão para o transporte coletivo.

Esses indicadores mostram o retrato da mobilidade urbana no Brasil, em especial a influência do modelo de desenvolvimento urbano, que centrifuga as moradias, especialmente as de menor renda, e centraliza os empregos,que cria privilégios que incentivaram o uso do automóvel, expressa na atual divisão modal. Nesta, automóvel e moto ocupam juntos a primeira posição com 51% das viagens urbanas motorizadas, assim como emprega recursos dedicados primordialmente ao transporte individual.

CONCLUSÃO

Construímos cidades espraiadas, que impõem distâncias enormes de deslocamentos, sacrificando muito mais a população de menor renda, fruto de uma divisão modal altamente consumidora de energia, produtora de enorme quantidade de poluentes e que, além de tudo, promove uma carnificina no trânsito.

Diante dos desafios em prol da sustentabilidade assumidos pelo Brasil, é imperativo a mudança de atitude da sociedade, mais especialmente dos governos, mormente o Governo Federal, a partir do qual se estabelecem as políticas nacionais.

Lamentavelmente, não é o que se observa. Ao contrário, o governo, em vez de buscar cumprir o que assinou com os demais países da ONU, atua de forma perniciosa na política ambiental. No campo da administração de trânsito, por exemplo, busca enfraquecer regras que atuam na segurança viária, sem falar no estímulo que faz à prática de irregularidades pelos condutores ao ir contra a fiscalização, assim como tem agido também em setores ambientais. No âmbito do transporte, não há recursos federais compatíveis com a necessidade do setor para financiamento de transporte de melhor qualidade e mais eficiente.

Nos governos locais, é imperativo colocar em práticas os princípios, as diretrizes e os objetivos da Política Nacional de Mobilidade (Lei 12.587), criando soluções para, de fato, priorizar o transporte público e a mobilidade ativa – pedestres e ciclistas. Daí é vital que leve adiante, e com celeridade, não só a conclusão dos Planos de Mobilidade Urbana, de maneira que estes sejam implementados de fato, e de forma harmonizada com Planos Diretores Urbanos, garantindo as diretrizes e objetivos da Lei. Dados de junho de 2018, coletados em levantamento com 3.341 municípios realizado pelo Ministério das Cidades, mostrou que àquela altura apenas 193 possuíam o plano elaborado, número que correspondia a 9% das cidades que responderam aos ofícios da Pasta e a 25% da população brasileira.

A ANTP, em parceria com a NTU - Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos, FNP - Frente Nacional de Prefeitos e o Fórum de Secretários e Dirigentes Públicos de Mobilidade Urbana, editou neste ano o Caderno Nº 25, que trata de cinco programas para melhoria da qualidade e da sustentabilidade do transporte público por ônibus, modo de transporte predominante em todas as cidades brasileiras. O caminho, ainda por trilhar, depende dos atores públicos. Mas é preciso dar o primeiro passo, evitando o retrocesso.

A assinatura dos respectivos protocolos – ODS e COP21 – não significa que as coisas irão acontecer no Brasil pela simples força da lei da gravidade. É necessário ação.