Pensar o futuro, mas cuidar do presente

06/02/2017 14:00 - ANTP


Claudio Bernardes, presidente do Conselho Consultivo do Secovi-SP, escreve na Folha de SP que “em alguns países, o crescimento populacional ancorado no desenvolvimento de subúrbios com característica exclusivamente residencial limita a possibilidade das pessoas caminharem ou se deslocarem em bicicletas para suas atividades diárias”. Segundo Claudio, esse “modelo de ocupação territorial com baixa densidade populacional torna proibitivo o custo do transporte público, além de aumentar os índices de uso do transporte individual e da exposição das pessoas aos riscos associados a esse tipo de deslocamento”. Ele cita especificamente questões ligadas à saúde, como o sedentarismo, o aumento da poluição atmosférica e do barulho que, combinados com os riscos de colisão, elevam as taxas de doenças crônicas, mortes e ferimentos.

A vinculação entre a maneira como a área urbana se expande e a forma como a renda está nela distribuída é uma das principais características para se compreender o funcionamento do sistema de mobilidade de uma cidade. No Brasil o modelo predominante de expansão urbana foi baseado na baixa densidade, o que, como observa Claudio Bernardes, aumentou as distâncias que as pessoas tinham que percorrer pela cidade. Com isso, ponderamos, aumentou o consumo de energia e a emissão de poluentes, dois resultados negativos. Pior que isso, houve uma relação inversamente proporcional entre distância e renda: quanto menor a renda, maior a distância das áreas centrais, onde se concentra a maioria dos empregos. A conclusão é evidente: morar mais longe impactou fortemente o sistema de transporte público, diminuindo sua produtividade e eficiência e pressionando os custos do sistema. A tragédia anunciada é que o problema só tem feito aumentar de intensidade, conforme aponta um estudo do IPEA: entre 1992 e 2009 o tempo médio de percurso casa-trabalho aumentou em oito das dez principais regiões metropolitanas brasileiras (São Paulo, Belo Horizonte, Fortaleza, Recife, Salvador, Belém, Brasília e Curitiba).

Sistemas de transportes públicos com baixa eficiência só podem oferecer serviços com qualidade inferior à esperada. Quem pode optar por outras formas de transporte, mesmo a um custo aparentemente superior, acaba escolhendo formas motorizadas e individuais de locomoção: carros e motocicletas. E o motivo, além do conforto, é o custo: as políticas governamentais nas últimas décadas tornaram atraente a opção pelo transporte individual motorizado, através de benefícios como a concessão generosa e barata de crédito somada à contenção do preço da gasolina em patamares inferiores. Como se vê, uma concorrência bem desigual. Os impactos urbanos causados por escolhas assim são conhecidos e mensurados, e hoje se tornaram parte importante de um grave problema de saúde pública e ambiental.

O desenho de uma cidade e sua densidade (concentrada ou espalhada) acabam, assim, por ser os fatores predominantes que nos ajudam a medir a qualidade de sua mobilidade. E o aumento da qualidade do Transporte Público Coletivo fica limitado por dois fatores indissociáveis: a renda do cidadão (que define o máximo que ele pode pagar) e a produtividade que o sistema consegue atingir (oferecer um bom serviço a um menor custo). Qualidade tem custo.

Claudio Bernardes cita um trabalho publicado recentemente e coordenado pelo professor Mark Stevenson, da Universidade de Melbourne, que “investiga em seis cidades a saúde da população e a sua associação às políticas de uso de solo e de modos de transporte. As cidades selecionadas foram Melbourne, Boston, Londres, Copenhague, São Paulo e Nova Délhi”. O trabalho propõe um modelo de cidade compacta – núcleos com alta densidade residencial, uso misto, proximidade do transporte público e formatos urbanos que favorecem o pedestre e o ciclista. O cenário modelado resultou em ganhos de saúde para todas as cidades, principalmente para os portadores de diabetes, doenças cardiovasculares e respiratórias.

Nada mais óbvio e nada do que já não saibamos. Diagnósticos, projetos e estudos vêm apontando a saída há décadas, hoje com uma insistência maior diante da forte urbanização das cidades mundo afora. Questões de saúde pública, associadas a perdas econômicas e problemas ambientais, movimentam a preocupação de planejadores urbanos e lideranças públicas.

Mas o que fazer diante das cidades que temos? Como agir, perante uma realidade que nos pressiona por soluções imediatas e urgentes?

Parece claro que enquanto pensamos num futuro melhor é preciso tornar o presente ao menos suportável. Saber fazer as escolhas certas é uma maneira de se atingir uma cidade melhor. E melhorar a forma como as pessoas se locomovem na cidade é, sem dúvida, uma ótima e providencial escolha.