Trem solução

28/03/2017 17:00 - ANTP

Uma matéria do jornal O Globo deste domingo narra o drama de centenas de cidades argentinas que correm risco de desaparecer.

Citando como exemplo o caso da pequena cidade de Castilla, a 150 quilômetros de Buenos Aires, a matéria conta uma história que se repetiu em muitos outros vilarejos daquele país: “a perda gradual e permanente de população até chegar, atualmente, ao risco de sumir do mapa”.

Cidades construídas às margens da linha férrea sofrem há anos com a migração de moradores e o desaparecimento de serviços importantes, como o ferroviário. “Desde o ano passado, o trem não passa mais por lá (Castilla) e a simpática estação está completamente deserta”, escreve a matéria.

A concentração urbana na Argentina é alta: cerca de 40% da população vive em 0,14% do território nacional. Ruben Parasporo, da ONG Responde, explica o porquê de muitas cidades estarem perdendo população: “Falta de alternativas de trabalho, de instituições educacionais e a perda de meios de transporte essenciais, como o trem”.

O caso da Argentina é emblemático, e de certa forma repete o que vimos no Brasil com o desaparecimento do sistema ferroviário. Assim como lá, as estações de trem eram lugares centrais em muitas cidades brasileiras.

Hoje não há mais trens de passageiros regulares no Brasil. As exceções conhecidas ficam por conta dos trens da Vale do Rio Doce, Belo Horizonte-Vitória e São Luiz-Carajás, além dos trens metropolitanos de algumas capitais (São Paulo, Rio, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador, Recife, João Pessoa, Natal, Fortaleza e Teresina), além do trecho Pindamonhangaba-Piracuama, em SP, da EFCJ.

O Brasil começou a desativar os trilhos nos anos 1950, com o plano de crescimento rápido do presidente Juscelino Kubitschek. A prioridade central era para as rodovias. Juscelino afirmava que construir ferrovias era lento demais, e o Brasil tinha pressa para crescer, o que gerou o famigerado slogan “50 anos em cinco”.

À sombra de JK pode-se ver o forte lobby do setor automobilístico em prol das rodovias. Desde então a história continuou: cresceram os investimentos e subsídios para o setor não só para abrir estradas e aumentar a infraestrutura para os automóveis nas cidades, como para atrair montadoras para o país. Os congestionamentos nos mostram o preço de medidas “rápidas” como essa: uma lenta agonia de nossas cidades, o que será muito difícil de ser estancado e resolvido.

Isso sem falar do transporte de carga, substituído criminosamente pelo transporte por caminhões. Uma publicação da canadense Michelle Lalande-Dery, autora do livro La suite des idées (Les Editions Lucange, Québec, Canadá), relata algumas das vantagens do transporte sobre trilhos, conforme citado em matéria do Blog Via Trolebus.

“Numa distância de 1 km, um caminhão consome 13 vezes mais energia que um trem para transportar uma tonelada de frete; uma via férrea de um único par de trilhos equivale a uma via expressa de 14 pistas paralelas; um comboio de 200 vagões transporta tanto quanto 400 carretas rodoviárias; acrescentar um único trem de frete à rede equivale a retirar da circulação até 280 caminhões; forte redução dos níveis de poluição do ar, sobretudo quando o transporte ferroviário é movido a energia elétrica”.

Além de maior capacidade de transporte, a locomoção por trem é ambientalmente correta, basta acompanhar os dados do balanço social do Metrô, que estima os benefícios relativos aos ganhos de tempo de percurso, à redução das emissões de poluentes, à redução do custo operacional dos veículos envolvidos (automóveis, motocicletas e ônibus), à redução do custo de manutenção das vias e à redução dos acidentes de trânsito. Os benefícios atingem valores elevados -- R$ 9 bilhões em 2014 e R$ 11 bilhões em 2015 -- muito superiores, por exemplo, ao custo médio de construção de uma linha...  

A expectativa constante que permeou o início deste século foi a de que o setor metroferroviário chegaria enfim a se tornar prioridade, ou ao menos a merecer a devida atenção. Mas o que vimos desde então?

Ailton Brasiliense, presidente da ANTP, mostra o dano que a forte concentração urbana causou nas grandes cidades brasileiras: “com o olho apenas no lucro imediato e total ausência do poder público elas exigem que entre 7 e 9h e entre 17 e 19h a maioria dos trabalhadores entrem /saiam dos seus postos de trabalho. Como transportar 30, 40, 50 ou 60 mil pessoas por qualquer modo que não seja de metrô?”, ele questiona.

Na Argentina, com o esvaziamento das pequenas cidades, a maioria das pessoas segue para os subúrbios de Buenos Aires, Rosario, Santa Fe e Mendoza. No Brasil o inchaço das periferias repete a mesma lógica: sem estrutura econômica e sem empregos as populações migram para os grandes centros. Onde passam a demandar por moradia, saúde, e mais e mais transporte público.

Voltar a investir no setor metroferroviário é uma das ferramentas essenciais para impedir a decadência e falência de nossas cidades. Dizer que é caro ou demorado é, no mínimo, regurgitar uma miopia política que só tem feito agravar os já gravíssimos problemas urbanos.