A Cidade e as Ciclovias: os espaços não motorizados em Liubliana - Eslovênia

27/05/2016 17:30 - Marcos Timóteo Rodrigues de Sousa e Gustavo Henrique Naves Givisiez

INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é apresentar a organização e estruturação das ciclovias na cidade de Liubliana na Eslovênia. O trabalho se estruturou a partir de uma pesquisa de campo na cidade eslovena e todo o debate apresentado se norteia em literaturas e principalmente no trabalho in loco. Muitas conclusões e análises recaem sobre a percepções do pesquisador na sua observação da cidade. Vale ressaltar que as comparações com as ciclovias brasileiras e as diferenças cultural e social entre o Brasil e a Eslovênia são relevantes nestas análises.

AS CICLOVIAS E A CIDADE MÉDIA EUROPÉIA

Liubliana é uma capital europeia com 280 mil habitantes, portanto, uma cidade média, em padrões demográficos tanto no modelo brasileiro quanto europeu. Para Lopes (2010) a cidade média seria aquela que está uma grande e uma pequena, ou seja, teria uma dimensão intermediária. Ao se pretender averiguar o tamanho seja da malha urbana, seja do contingente populacional, necessita-se fazer uma medição, uma aferição do tamanho da cidade e ou do contingente populacional. Segundo Lopes (2010), tais dados são fornecidos pelas instituições estatísticas, geralmente os estudos apontam para que as cidades pequenas possuam até 20 mil habitantes, as cidades médias até 500 mil habitantes e as grandes acima dos 500 mil habitantes. Sposito (2007) diz que não basta às cidades ter determinada área ou contingente populacional, os termos pequenos, médios ou grandes dependem de suas relações econômicas e interações em relação à sua região.

Considerando-se estes pontos, é fundamental destacar o que é particular à nossa realidade urbana, para especificar, em seguida, as características das cidades médias e, de modo singular, nosso foco de análise, que é Liubliana e o seu comparativo com as cidades brasileiras. Para ter base para compreender os fundamentos de nossa formação socioespacial (SPOSITO, 2007) é importante destacar alguns pontos. Comparativamente às cidades europeias, para tomar como referência um contraponto no mundo ocidental, as brasileiras têm duas características que são particulares e têm papel forte na lógica de estruturação de seus espaços. A primeira é relativa às históricas desigualdades socioespaciais, que marcam nossa sociedade e, portanto, nossa realidade urbana. Além disso, mesmo que tenha havido melhoria em função de melhores cenários econômicos, na última década, tornou mais cara a vida nas cidades pelas dinâmicas de valorização imobiliária que orientou um novo movimento de ampliação das desigualdades espaciais. Este processo tem forte rebatimento sobre a lógica de circulação urbana, alterando as relações entre acessibilidade e mobilidade, porque se intensificou o afastamento espacial dos mais pobres, em função dos custos progressivamente mais caros do espaço urbano.

Segundo Avelino (2007) os governos de alguns países europeus nas décadas de 1950 e 1960 consideravam as cidades de médio porte um importante instrumento territorial para atingir três objetivos:

- resolver os desequilíbrios regionais para ter uma rede urbana equilibrada, baseada na teoria das localidades centrais de Christaller;

- travar o crescimento das grandes áreas metropolitanas;

- favorecer o aparecimento de polos de desenvolvimento regional, seguindo os pressupostos das teorias de Perroux (CITACAO, DATA).

Avelino (2007) relata que nos anos 1980, na Europa, há uma nova geração de políticas regionais que ressaltam que as cidades médias devem promover um desenvolvimento sustentável em suas diversas dimensões, para que não haja problemas semelhantes aos das grandes cidades e  uma destas políticas é a de mobilidade urbana, considerando sistemas multimodais de transporte. É também, por volta desse momento, que os investimentos na infraestrutura para as bicicletas vão, progressivamente, sendo incorporada às agendas públicas, se intensificando, de forma expressiva, no início do século XXI.

Obviamente, há muitas diferenças em andar de bicicleta em cidades brasileiras e europeias. Segundo a ANTP (2015) o modo de transporte por bicicleta tem como atributo básico o tipo de veículo não motorizado de duas rodas, usado tanto para lazer como para deslocamentos de curto percurso entre casa e trabalho ou estudos. Este modo de transporte apresenta inúmeros benefícios à população, tem baixo custo de aquisição e manutenção, bem como é ambientalmente correto. Todavia, devido à sua fragilidade em face de outros modos de transporte, muitos cuidados devem ser tomados para melhoria da segurança. 

ESTUDO DE CASO: LIUBLIANA - ESLOVÊNIA

Nos dias 07 a 09 de outubro de 2015, na cidade de Liubliana, capital da Eslovênia, ocorreu a 13ª edição da Conferência Anual sobre cidades, o evento foi organizado pelo Civitas (Cleaner and Better Transport in Cities). A conferência teve como principal objetivo discutir a sustentabilidade do transporte urbano em cidades europeias. O tema da conferência foi “compartilhando a cidade”, com foco na cidade sustentável e habitável para todos. Os principais debates foram relacionados ao transporte coletivo e os transportes não motorizados. As ciclovias, as faixas exclusivas para ônibus e as ferrovias foram os focos centrais em vários debates. Um dos temas de pesquisas mais debatidos foi à ciclovia no entorno do rio Sava, roteiro que segue os meandros do rio que perpassa pelas principais capitais da antiga Iugoslávia (mapa 1). As capitais que são banhadas pelo rio Sava são: Liubliana (Eslovênia), Zagreb (Croácia) e Belgrado (Sérvia) (mapa 2). A ciclovia também percorre a Bósnia e Hezergovina, servindo a porção norte do país. Nota-se que a ideia desta ciclovia é unir quatro países, um longo roteiro pelos Balcãs, ou seja, uma mobilidade além das fronteiras do perímetro urbano.

Music (2015) cita que os planos que envolvem as ciclovias têm de ser em nível local, regional e internacional, a autora aborda em seu trabalho sobre o national long distance pilot cycling Project no qual engloba uma rede de ciclovias entre várias cidades europeias, inclusive Liubliana. Nesta perspectiva podemos perceber as diferenças entre o Brasil e a Eslovênia, pois, na América do Sul a integração cicloviária regional e internacional é muito difícil e, outro fator importante é que os planos locais vêm sendo trabalhados desde as décadas de 60, 70 e 80, como exemplo Music (2015) cita que o primeiro plano da ciclovia na rota do Rio Sava, em Belgrado, data do ano 1977. 




A cidade de Liubliana, na Eslovênia, com 280 mil habitantes e 163,8 km², recebeu o prêmio de cidade da mobilidade sustentável europeia em 2013 e o título de cidade verde da Europa em 2015, o atual prefeito, Zoran Jankovic, nos últimos 3 anos, implementou medidas de mobilidade com ciclovias, áreas para pedestres, espaços verdes e áreas fechadas para tráfego motorizado. A foto 1 mostra uma faixa exclusiva para bicicletas no centro histórico de Liubliana, nota-se ao fundo a Igreja de São Francisco de Assis (Franciscan Church of The Annunciation), que fica na Rua (Cesta) Miklosiceva. A maioria das pessoas não utilizam os locais demarcados para as ciclovias, muitos também não utilizam capacete e outros tipos de proteção. Andar de bicicleta em Liubliana vai além das questões oficiais de transito e segurança. Em quase sua totalidade a cidade não apresenta grandes desníveis no terreno e a geomorfologia da cidade favorece a circulação de bicicletas. 



O transporte público complementar aos ônibus é o sistema de empréstimo de bicicletas, neste sistema que conta com 32 paradas espalhadas pelo centro da cidade e um estoque de mais de 300 bicicletas que podem ser alugadas por 5 euros por dia. Este sistema pode ser utilizado por todas as pessoas, mas, o principal objetivo é atrair os visitantes da cidade. O cadastro deve ser feito pelo site oficial e as assinaturas podem ser anuais ou semanais e, o usuário recebe uma senha e um cartão para retirar as bicicletas. O sistema funciona 24 horas por dia durante o ano todo (foto 2 e 3). 




Nota-se nas ruas que andar de bicicleta faz parte da cultura das pessoas, crianças, adultos e idosos utilizam a bicicleta por toda a cidade. A prefeitura de Liubliana fez nos últimos anos pesquisas relacionada ao uso da bicicleta e os hábitos dos moradores e o transporte não-motorizado. A pesquisa tem por objetivo estruturar as ciclovias e organizar a infraestrutura para o ciclismo na cidade.



Pode ser observado em diversos horários no calçadão central uma variedade de tipos de bicicletas e ciclistas que circulam nesta área da cidade. A foto 4 exibe dois ciclistas jovens que não utilizam equipamentos de seguranças, tais como capacete, luvas e joelheiras, nota-se também que as bicicletas são de modelos antigos e que não tem um design arrojado ou moderno. 



A foto 5 mostra a Avenida (cesta) Slovenska, umas das principais da cidade, observe que há uma Senhora utilizando uma bicicleta em uma ciclovia adaptada junto ao passeio de pedestres. Podemos observar e entender que os eslovenos não utilizam as ciclovias em seus circuitos específicos, neste caso haviam muitos ciclistas que circulavam na avenida e, os carros respeitavam, parando mesmo onde não haviam faixas ou semáforos. 



A ferrovia (železniška postajada) fica na zona norte da capital, na rua (ulica) Kajuhova há uma ciclovia, como podemos observar na foto 6. Podemos observar na foto que a ciclista percorre um circuito pintado junto à calçada. No dia no qual foi tirada a foto houve uma garoa, nesta época do ano a garoa é intensa, podemos observar que vários ciclistas guiavam as bicicletas segurando o guarda-chuva em uma das mãos. Em vários ambientes da cidade notamos que os ciclistas dirigiam os veículos comendo, segurando guarda-chuvas, sem equipamentos de segurança e portando bicicletas antigas ou de modelos antigos.

 

Marcos Timóteo Rodrigues de Sousa - Pós-Doutorado Geografia Capes/UFF

Gustavo Henrique Naves Givisiez - Professor Doutor, UFF-RJ /Campos dos Goytacazes

 

BIBLIOGRAFIA

 

ANTP, Sistema de Informação da Mobilidade Urbana: Relatório 2011. São Paulo, ANTP, 2012.

ANTP, Gestão da mobilidade urbana. São Paulo, ANTP, 2015.

AVELINO, José Luís. O papel das cidades intermediárias na promoção do desenvolvimento regional: o caso do sistema urbano local de Santarém-Almerim-Cartaxo. Lisboa, III Congresso de Geografia Portuguesa, Edições Colibri, 2007.

JUGOSLOVENSKA REVIJA. Datos sobre Jugoslavia. Belgrado, Secretaria Federal de Informaciones Belgrado, 1982.

LOPES, Diva Maria Ferlin. Cidades médias e pequenas: teorias, conceitos e estudos de caso. Salvador, SEI, 250 p. 2010.

MUSIC. Polona Andrejcic. Long distance pilot cycling Project Retece. Ljubljana, Civitas Forum, 2015.

SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Cidades Médias: espaços em transição . São Paulo: Expressão Popular, 2007.