A solução alemã para a tragédia dos motociclistas brasileiros

29/12/2016 08:00 - Olimpio Alvares


Sou um ... não, não ... fui um dia um motociclista. Depois que casei, larguei a moto; tive que escolher entre ela e a esposa. Pensei um pouco e acabei ficando com a intransigente mulher de opinião, deixando a escultural amante de aço no abandono dos meus sonhos. Mas, ainda sinto viva a força, a pegada, a agilidade e a sensação de juventude e liberdade sem par.

Embora circulando somente sobre quatro rodas há vinte anos, preocupa-me bastante, e solidarizo-me com a tragédia brasileira das motocicletas. E sempre vem à mente a mesma pergunta: quando acabará a falta de sentido das regras de trânsito e das discussões oficiais (quando ocorrem) sobre o tráfego brutalizado de motocicletas nos corredores? Passam invariavelmente feito cometa em velocidades relativas de 40, 50, 60, 70 km/h, fazendo balançar os automóveis entre duas filas de tráfego congestionado, desafiando o bom-senso, a morte e a invalidez. As cenas são quase sempre de horror e tristeza profunda. Se ainda h á alguma dúvida dos especialistas e autoridades de trânsito sobre a causa desses acidentes, convido-os a olhar a estatística da Rodovia Raposo Tavares na chegada a São Paulo - muito conhecida, aliás, por ser frequente passagem para o além de "Cachorros Loucos" apressados.

Nesse drama, quase tudo de ruim pode ser resumido em duas palavras: "velocidade relativa".

Se houvesse uma regra eficiente como lá "no" Alemanha (Berlin), no perímetro urbano - onde quem ultrapassa o outro, independentemente do tipo do veículo, deve fazê-lo, no máximo, a uma velocidade de 20 km/h acima da velocidade do ultrapassado - já seria um excelente começo.

Antes que me puxem a orelha .... eu sei, eu sei! Sei que é difícil fiscalizar e controlar com precisão instrumental, ou aproximada - tanto para o fiscal de tráfego, como para quem ultrapassa - esse limite de 20 km/h a mais que o ultrapassado. Mas, atenção ... estamos falando de uma regra imposta aos alemães - campeões mundiais do futebol (os atuais) e do pragmatismo (de todo sempre). Pense nisso.

Faz sentido? Acho que faz ... e muito. A chave aí é um conjunto em concertação de fatores complementares entre si: a educação, o conhecimento das regras de trânsito, a fiscalização eletrônica avançada, o condicionamento mental pela cultura do trânsito passivo, a intransigência no controle da evasão do licenciamento e o respeito às leis vigentes. Quanto mais fatores atendidos, mais sucesso na extinção da mortandade. A aplicabilidade prática da regra dos 20 km/h, nesse caso, passa a ser secundária, importando mais o resultado comportamental prático da lei em si.

"Ah, isso é uma piada! Isso não pode ser sério!" Será mesmo? Alemães não acham engraçado. Ao contrário, aplicam-se seriamente em respeitar essa regra essencial, embora não tenham ao volante a informação precisa da velocidade relativa no momento da ultrapassagem. Não acredita? Procure informar-se.

Para mim, a grande piada nessa estória mesmo - e reconheça-se, de muito mau gosto - são as centenas de milhares de mortes de motociclistas ocorridas nos últimos anos, no Brasil perdedor dos sete a um. Segundo entrevista de 18.08.2016 na Folha de São Paulo do engenheiro, sociólogo e pesquisador Dr. Eduardo Vasconcellos, assistente técnico da Associação Nacional de Transportes Públicos, somente no século XXI no Brasil, 220 mil pessoas morreram e 1,6 milhão recebem indenização por invalidez permanente - uma tragédia de altas proporções. [`Só escravidão deve superar moto em destruição social`, diz Eduardo Vasconcellos]

Agora, se alguém tiver uma ideia mais inteligente que a dos alemães, que se manifeste; e o principal, ponha sua ideia em prática, por favor, urgente! Os alemães o fizeram, e resolveram o problema; e nós, o que fizemos pós 220 mil mortes?

Um "Tite da Segurança Viária Brasileira" seria muito bem-vindo entre nós.

P.S.: Em verdade, a regra citada dos 20 km/h me foi informada por um colega da Agência Federal do Meio Ambiente em 1990, quando nos deslocávamos para uma visita técnica em Berlin. De acordo com informações recém-atualizadas, a regra alemã atualmente - no que toca as motocicletas - é a expressa proibição do tráfego das motos nos chamados corredores, à exceção da situação de tráfego congestionado, na qual as motocicletas podem, de fato, usar o corredor, mas de modo cauteloso, sem colocar em risco a segurança viária (o que para os alem ães - segundo o parceiro alemão ora consultado - significa "bem devagar"). Trata-se hoje, então, de uma regra alemã, porém, subjetiva, mas que faz muito sentido e converge cem porcento com o bom-senso na gestão do trânsito.

Olimpio Alvares é Diretor da L'Avis Eco-Service, especialista em transporte sustentável, inspeção técni ca e emissões veiculares; concebeu o Projeto do Transporte Sustentável do Estado de São Paulo; é membro fundador da Comissão de Meio Ambiente da Associação Nacional de Transportes Públicos - ANTP; Diretor de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades - SOBRATT; colaborador do Instituto Saúde e Sustentabilidade, Instituto Mobilize, Clean Air Institute, Climate and Clean Air Coalition - CCAC e do International Council on Clean Transportation - ICCT; é Consultor do SPUrbanuss e da Comissão Andina de Fomento - CAF; é ex-gerente da área de controle de emissões veiculares da Cetesb; é membro da coordenação da Semana da Virada da Mobilidade.