As crianças e a construção do futuro

21/03/2018 13:50 - José Police Neto


Participei durante a semana passada do Curso Internacional de Liderança Executiva em Desenvolvimento da Primeira Infância – NCPI em Harvard, como bolsista da Fundação Bernard Van Leer. A atividade fez mais do que reunir boas práticas de políticas concretas já aplicadas e nos informar do estado da arte dos estudos sobre o tema, apontou a importância e urgência de enfrentar o problema para assegurar o nosso futuro.

A inadequação dos processos de vivência e aprendizagem nesta faixa etária de 0 a 5 anos pode criar “gaps” que contaminarão todo o processo de educação, socialização, participação cívica e inserção econômica do indivíduo ao longo de sua vida. Embora ainda se estejam construindo indicadores mais precisos para avaliar este “gap”, as “medidas” que se tem hoje já apontam para a severidade do impacto da desnutrição, abuso, falta de estímulo, stress e outros fatores durante este período crítico da formação, algumas das quais tem seus efeitos mesmo sobre a geração seguinte, perpetuando as desigualdades.

Só para utilizar um exemplo simples de estudo sólido bem documentado realizado em grandes cidades americanas, a diferença de vocabulário em crianças que tiveram acesso a condições ideais e aquelas sujeitas às situações mais precárias chega a 3 milhões de palavras. Estas diferenças, em particular, tendem a acentuar as desigualdades de gênero, étnicas e culturais, ampliando-as e naturalizando-as, enquanto as deficiências de socialização manifestam-se não só na esfera pessoal e familiar mas contaminam também até o próprio processo político.

Constatações destes pontos são claras mesmo em termos da vivência diária, a maior parte dos profissionais da educação e das mães, especialmente aquelas com maior envolvimento comunitário, sabem que as crianças que passam parte do dia nas creches se desenvolve mais do que aquelas que ficam isoladas sem uma supervisão mais preparada.

A preocupação com a primeira infância reveste-se, assim, de uma amplitude que vai das dimensões econômicas de garantir o pleno desenvolvimento do capital humano essencial à prosperidade de qualquer sociedade ao pleno desenvolvimento das potencialidades de cada indivíduo, passando pela dimensão cívica de criar cidadãos que se preocupam com o bem comum e sejam capazes de trabalhar em equipe e debater racionalmente sobre suas diferenças.

Como podemos falar de Cidade Justa sem garantir um dos fundamentos essenciais dela que é o acesso à igualdade de oportunidades através de um sistema educacional que assegure a todos as condições de aprendizado? Como podemos falar de Cidade Sustentável se não conseguimos sequer garantir o pleno desenvolvimento de todos os potenciais daquele recurso que nos é mais escasso e precioso que são os talentos e o capital humano?

Assim é essencial que se façam neste campo investimentos suficientes para avançarmos. A cidade de São Paulo, a exemplo de vários outras, tem um problema sério com a oferta de vagas em creches ocupando inclusive o centro do debate eleitoral sem que consigamos produzir um salto de qualidade na solução. A urgência desta resposta, contudo, demanda não só recursos, mas também a avaliação de como estes recursos são empregados.

Uma das limitações do empobrecimento do debate político é dar a todos os problemas uma dimensão apenas quantitativa em torno do montante de recursos aplicados ou do número de instalações concluídas.

A experiência internacional bem sucedida aponta na direção oposta, o elemento essencial é ser capaz de medir através de indicadores cada vez mais precisos quais os resultados obtidos concretamente pelos investimentos. É porque cada centavo aplicado à educação é valioso que é preciso ter certeza que ele está sendo investido da melhor forma possível conhecida. Esta diretriz não descarta a necessária inovação que o sistema precisa, pelo contrária, valida as práticas inovadoras a partir dos resultados obtidos.

No mesmo sentido deve haver a preocupação com o desenvolvimento e qualificação dos recursos humanos diretamente envolvidos na operação e na participação da comunidade nos processos, mais do que o desperdício de recursos em amplas instalações massificantes e, em geral, ineficientes e caras. Educação tem a ver mais com pessoas do que com prédios.

José Police Neto - vereador da cidade de São Paulo