Cidades contemporâneas

15/05/2016 19:00 - Nagayamma Tavares Aragão

Ensaio Crítico apresentado no Curso de Gestão da Mobilidade Urbana da ANTP



Nas cidades contemporâneas existe cada vez mais fluxos de pessoas, informação e mercadorias que definem as cidades e as paisagens urbanas - “distinguem-se as coberturas territoriais dos meios de transporte e as infraestruturas de utilização colectiva, influenciando, certamente, as opções de transporte dos indivíduos” (Ferreira & Silva, 2012, p. 19).

São territórios que evoluem e se transformam de modos distintos ao longo do tempo, ganham novas facetas, agentes entre outras características próprias de um processo em constante mutação, tornando-se necessário inverter o paradigma das cidades construídas à imagem do automóvel, uma vez que o automóvel ou mesmo a intervenção neste seguimento pode qualificar ou mesmo desqualificar o espaço público, “menos rodovias, mais cidade, mais gente, mais bicicleta. Talvez seja a acupuntura necessária. Trazer de volta o ónibus e a rua. Marca a paisagem com suas estações” (Lerner, 2011, p. 20)

As cidades são feitas à imagem do automóvel. Jaime Lerner (2011) ironiza referindo-se ao automóvel como a nossa “sogra mecânica”, onde é estabelecida uma relação que, por outro lado, não deve comandar o planeamento de modo a que não se estabeleça uma relação de escravo com a mesma.

O uso excessivo do transporte individual afecta as deslocações diárias, ao que se indaga: “o uso excessivo deve-se ao comodismo ou falta de alternativas?”

“É esta irracionalidade e uso indiscriminado do automóvel privado que, segundo um estudo da Comissão Europeia (2000) este transporte se transforma em “vítima do seu próprio êxito”. São, pois, evidentes os impactos ambientais, sociais e económicos, refletindo-se o seu uso em “imagens apocalípticas de paralisia das cidades”(..) Este diagnóstico requer que os modelos de ordenamento” (Ferreira & Silva, 2012, p. 19)

Sobre a perspectiva do desenvolvimento metapolitano [1]é assegurado pela evolução tecnológica de comunicação e transportes transfigurando o sistema de mobilidade e fixação urbana, sendo reais, virtuais, logísticas e comerciais, pondo em risco o sistema de centralidades, multiplicando as polarizações/fluxos mormente de transporte individual. É pertinente o papel do transporte na configuração urbana, no desenvolvimento e fixação de população e a relação com a mobilidade e acessibilidade do território. (Ascher, 2010)

Debruçar nas questões de mobilidade da sociedade hipertexto [2] caracterizada pela hipermobilidade e a eclosão de um novo conjuntos de princípios e orientações urbanísticas assentes no novo paradigma que visam alterar condições de vida das cidades e sociedades é valorar “a importância maior está na visão da sustentabilidade urbana que compreende uma oferta de transporte que seja social, económica e ambientalmente viável, ou seja, dentro de padrões que melhorem a qualidade de vida da população” (Campos, 2013, p. n.n.)

Reequacionar sobre o princípio da sustentabilidade em transporte do conceito às políticas públicas de mobilidade urbana deve assentar nas três grandes esferas a sociedade, economia e o ambiente, onde a concepção de um modelo de sustentabilidade deva ser ajustada no equilíbrio entre as dimensões contidas na cidade como um palco de contradições. (Duarte, Sánchez, & Libardi, 2007) ( Seabra, Taco, & Dominguez, 2013)

O princípio da sustentabilidade e a sua relação com o transporte está na mesa da discussão política nacional e internacional, assim como as suas inter-relações com o uso do solo e planeamento urbano. É neste palco de antinomias que é a cidade onde são tidas “nos espaços de circulação da cidade, onde há permanente disputa entre os diferentes atores, que apresentam como pedestres, condutores e usuários de veículos motorizados particulares ou colectivos” (Duarte, Sánchez, & Libardi, 2007, p. 1). É a percepção desta sustentabilidade com reflexos regionais e locais, desde então atesta-se que o pensamento global reproduz e reflete-se em acções locais, integrado no sistema urbano.

Torna-se relevante a teoria de planeamento estratégico das cidades, onde o equilíbrio da dimensão da sustentabilidade assente em uma política de mobilidade urbana passando por uma boa gestão transversalmente à compreensão das inter-relações conexões entre as diversas escalas de actuação, obstando que as a política de mobilidade urbana se tornem insustentáveis e excludentes, para tal é necessário “uma estrutura organizacional definida para uma boa gestão consiste na soma das ações do governo, da colaboração das administrações públicas, do fortalecimento institucional, das implicações dos agentes socio- econômicos e da participação da sociedade”( Seabra, Taco, & Dominguez, 2013, p. 119). De modo solucionar e identificar lacunas existentes nas inter-relações, conexões no processo de decisões na gestão urbana sustentável.

Afinal o que é isto da mobilidade? Como é que interfere no modo de como as pessoas se deslocam? Influencia na forma da cidade? Na atractividade e competitividade? Na localização residencial e actividades? Como e quais os custos associados ao mesmo? Qual é o modo de transporte que permita obter a rentabilidade social, económica e ambiental?

O modo de transporte determina a forma da cidade, no planeamento e do direito do cidadão à cidade, por si o transporte é uma actividade negativa resultante de uma procura derivada onde as deslocações estão infindavelmente associadas a um objectivo/ motivo. A resolução destas questões incide em perceber a mobilidade como um dado adquirido é um direito, o crescimento das deslocações e os problemas associados, em cidades polinucleadas e cada vez mais fragmentadas, devido à dispersão urbana, espacialização do usos do solo que vem demonstrando ser um modelo/conceito inapto para lidar com dinâmicas e fluxos, desenho urbano, complexidade de deslocações, articulação entre planos, articulação de multidisciplinar e multidimensional, trabalho intersecretarial, regularização das parcelas informais/slums inserindo-as na malha urbana entre outros.  (Duarte, Sánchez, & Libardi, 2007) (Campos, 2013)(Delgado, 2014)

A quem cabe assegurar o direito à cidade? Ao Estado, aos agentes ou ao cidadão? Cabe ao Estado assegurar o direito à mobilidade e acessibilidade ao cidadão, tornando o território em uma vantagem de conectividade e competitividade. O futuro passa pela inversão da cidade construída para o indivíduo/ automóvel mas sim, voltada para colectividade / transportes públicos, onde os planos visem privilegiar os pedestres e transporte públicos, prevendo a revitalização do espaço publico. Onde o grande desafio deve ser assente na promoção da “inclusão social à medida que proporciona acesso amplo e democrático ao espaço urbano” (Duarte, Sánchez, & Libardi, 2007, p. 12)

Torna-se necessário a intervenção do estado na fruição e implementação estruturada de uma rede de transporte público de modo a que a cidade seja reflectida nas pessoas, sociabilidades e emergir a cidade como espaço vivido e de interacção. Ressalto as intervenções que poderiam ser implementadas nos territórios seguindo os princípios aplicados nos capítulos do livro “acupuntura urbana” tais como a cidade 24 horas; continuidade é vida; gente na rua; smart car, smart bus; instruções para fazer acupuntura urbana e colesterol urbano. (Lerner, 2011)

Equacionar a questão da mobilidade é um problema das cidades contemporâneas, o conceito de cidade sustentável, incide em priorizar o sistema de transporte público através de um sistema integrado de outros modos de transporte dando especial relevância ao transporte de superfície «metronizar» o autocarro, devido a economia de custo facilidade, rapidez de implementação e flexibilidade. É necessário repensar no modelo aplicado na área em estudo os planos devem contemplar acções micro mas com relevância macro, potencializando aspectos de localização, infra-estrutura regional com relevância nacional integrada em vectores de crescimento da cidade. (Lerner)

Torna-se necessário assumir essa consciência e compromissos assentes em um princípio de sustentabilidade elaborando directrizes nesse sentido, onde os modelos de gestão e ordenamento territorial devem valorizar as 3 dimensões coordenadas com as políticas de mobilidade e isso inclui o favorecimento de transporte público colectivo é necessário implementar as seguintes abordagens que possibilitem melhorar a qualidade do espaço urbano (Ferreira & Silva, 2012, p. 19):

 

                        i.         Operar uma transformação cultural na abordagem da mobilidade;

                       ii.         Desenhar políticas que aliem os preceitos da equidade e democracia;

                      iii.         Optar por políticas de mobilidade que permitam a autonomia dos cidadãos de todas as idades, condições ou extratos sociais;

                     iv.         Respeitar os valores sociais e ambientais das gerações presentes e futuras.

 

A nova abordagem e metodologia de actuação que surge na Europa nos anos 90, sobre a problemática permite estimular a população à alteração no modo de transporte para mais soft e transporte mais sustentáveis, entre as medidas de gestão devem-se distinguir as medidas que correspondem à promoção de mobilidade sustentável (Vasconcellos, Carvalho, & Pereira, 2011)(Delgado, 2014):

 

                        i.         A implementação de sistemas de promoção de viagens em automóvel partilhado (carpooling, car-sharing, ride-sharing);

                       ii.         A qualificação dos modos suaves;

                      iii.         A alteração dos horários de trabalho dos polos geradores de viagem (PGV);

                     iv.         A promoção e favorecimento do transporte público;

                      v.         A implementação de sistemas de bicicletas públicas (bike-sharing);

                     vi.         A promoção do teletrabalho e e-learning;

                    vii.         A gestão do estacionamento;

                   viii.         Priorizar os modais de transporte coletivos e os não motorizados;

                     ix.         Pautar políticas públicas para pessoas com restrição de mobilidade sob o princípio de acesso universal à cidade;

                      x.         Fortalecer os poderes locais em sua capacidade da gestão da mobilidade urbana nos municípios;

                     xi.          Reconhecer a necessidade de um desenho institucional e regulatório mais adequado para a questão do transporte urbano e que seja capaz de promover a cidadania e a inclusão social por meio da expansão do acesso da população aos serviços públicos de transporte coletivo;

                    xii.         Reconhecer a necessidade de maior articulação entre as políticas da mobilidade e as demais políticas de desenvolvimento urbano e de meio ambiente.

 

É o resgate da mobilidade sustentável e a reeducação da população.

Tornando-se gritante o surgimento de novas políticas de mobilidade urbana sustentável à transição de uma abordagem da questão de transportes nas cidades como uma infra-estrutura viária para uma visão mais ampla onde a “mobilidade urbana como função social e económica essencial para o desenvolvimento urbano. (...) Reforçou a importância de se romper com uma perspectiva setorial sobre o transporte urbano e vem atuando no intuito de repensar o papel da mobilidade sob uma perspectiva mais integrada ao espaço urbano.” (Vasconcellos, Carvalho, & Pereira, 2011, p. 51). É a concepção de uma cidade mais acessível e democrática.

O futuro dos transportes e mobilidade urbana sustentável também passa por uma política assente em modelos económicos sustentáveis.Sendo que os cenários realizados confirma-se que o futuro não será risonho “custos social, econômico e ambiental para a sociedade (...) Isso mostra que o mercado futuro do transporte público não é promissor, a não ser que políticas muito favoráveis a ele – incluindo restrições ao uso do automóvel – sejam implantadas.”  (Vasconcellos, Carvalho, & Pereira, 2011, p. 64)

De modo a inverter o paradigma que até então construído de políticas publicas de transporte e transito com o objectivo de assentes em metrópoles sustentáveis os desafios estruturais devem ser assentes em um transporte público como serviço essencial e seu financiamento e inverter prioridades de uso do espaço e de escolha modal. Todas estas mudanças serão possíveis se houver uma mudança cultural e comportamental do individuo e das sociedades e o seu princípio passa por seguir a lógica de Mahatma Gandhi “sê a mudança que tu queres ver no mundo”, que passa por uma educação e alteração do modo individual para o modo BMW [3].


Nagayamma Tavares Aragão – Geógrafa, reside e estuda em Portugal. Mestre em Geografia e Desenvolvimento - Especialização em Protecção Civil e Ordenamento do Território Técnica em Sistemas de Informação Geográfica (SIG/GIS). Doutoranda em Urbanismo



NOTAS

[1] É um sistema  complexo destingidos das áreas metropolitanas mudam de escala e forma gerando “vastas conurbações, distendidas e descontínuas, heterogêneas e multipolarizadas” (Ascher, 2010, p. 58)

[2] São as transformações sentidas em meio urbano pelas dinâmicas sociais e funcionais, alteraram a forma de estar, viver e de agir do individuo na sociedade. Reflete-se no desenho e dinamica territorial e a forma das cidade sendo uma transição que embarga desde da economia, cultura, tecnologia, morfologia urbana, questões ambientas, sociais e essencialmente de mobilidade (Ascher, 2010)

[3] Bus, minibus, walking ou bus, metrô, walking (Lerner, 2011)


Bibliografia:

Seabra, L. O., Taco, P. W., & Dominguez, E. M. (2013). Sustentabilidade em transportes: do conceito às políticas públicas de mobilidade urbana. Revista dos Transportes Públicos - ANTP, pp. 105-124.

Ascher, F. (2010). Novos Principios do Urbanismo seguidos de Novos Compromissos Urbanos. Um Léxico (2º ed.). (M. d. Lobo, Trad.) Lisboa: Livros Horizontes.

Campos, V. B. (2013). Planejamento de Transportes- Conceitos e Modelos. Rio de Janeiro: Interciência.

Delgado, J. P. (2014). Padrões de Mobilidade e Forma Urbana argumentos a favor da descentralização de atividades na cidade de Salvador. In M. J. Carvalho Filho, & U. M. Uriarte, Panoramas Urbanos: usar, viver e construir Salvador (1ª ed., pp. 131-156). Salvador: EDUFBA.

Duarte, F., Sánchez, K., & Libardi, R. (2007). Introdução à mobilidade urbana (3º ed.). Curitiba, Paraná, Brasil: Jurua Editora.

Ferreira, D. I., & Silva, J. P. (2012). Contributos da gestão da mobilidade na mudança de mentalidades: o caso do Instituto Politécnico de Leiria. TRANSPORTES, pp. 18-27.

Lerner, J. (2011). Acupuntura Urbana (5ª ed.). Rio de Janeiro: Rio de Janeiro.

Lerner, J. (s.d.). Equacionar a mobilidade é um dos principais desafios. (A. N. Urbano, Entrevistador)

Vasconcellos, E. A., Carvalho, C. H., & Pereira, R. H. (2011). Transporte e mobilidade urbana. Brasília: CEPAL.

Watson, V., & Agbola, B. (12 de Setembro de 2013). Who will plan Africa’s cities? Obtido em 20 de Maio de 2015, de Africa Research Institute: http://www.africaresearchinstitute.org/publications/counterpoints/who-will-plan-africas-cities/#S1

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