Impressões sobre a acessibilidade e caminhabilidade de um novo padrão de calçada

14/10/2018 14:00 - CTMPA - ANTP

REUNIÃO 'SETEMBRO 2018' DA COMISSÃO TÉCNICA DE MOBILIDADE A PÉ E  ACESSIBILIDADE DA ANTP

Local: Rua Pedro de Toledo, entre Rua Napoleão de Barros e Estação Metrô Hospital SP

Data: 28/09/2018

Horário: 09:30 às 11:30

PARTICIPANTES:

Membros da CTMPA e convidados - em especial representantes de entidades sociais de PcD:

Amigos Pra Valer

Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência de São Paulo

Fundação Dorina Nowill para Cegos

Fraternidade Cristã das Pessoas com Deficiência

Instituto de Cegos Padre Chico

Laramara - Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual

Pastoral da Pessoa com Deficiência da Arquidiocese de São Paulo

OBJETIVO: Avaliar a qualidade do novo padrão de calçada

Como é habitual, a reunião do mês de setembro da Comissão Técnica de Mobilidade a Pé e Acessibilidade da ANTP é externa e tem por objetivo vivenciar e avaliar a caminhabilidade e a acessibilidade de espaços públicos recentemente implantados na cidade. Assim foi no ano passado, 2017, junto à inauguração da sinalização de alargamento da calçada da Rua Joel Carlos Borges; e Calçadão da Rua 7 de Abril em 2016, quando passamos a adotar essa prática. 

Este ano foi escolhido o novo padrão de calçadas adotado pela prefeitura de São Paulo, implantado em caráter piloto à Rua Pedro de Toledo, na Vila Mariana, São Paulo. O ponto de encontro foi na Rua Pedro de Toledo esquina com a Rua Napoleão de Barros, a partir das 09:00 hs. Às 09:30 foi iniciada a caminhada com todos os presentes e o registro das experiências do grupo, composto por adultos, idosos, pessoas com deficiência visual e pessoas com deficiência física. 

Cabe observar, preliminarmente, que a Rua Pedro de Toledo já recebeu intervenção nas calçadas anteriormente, sendo o primeiro local onde foi testada a calçada construída por blocos intertravados adotados a partir do Decreto do Passeio Livre (2005). Com o passar do tempo, concluiu-se que o revestimento por blocos intertravados se deteriorava ao longo do tempo, apresentando de recalques, depressões, deslocamento dos blocos e formação de buracos. 

Além de tudo isso, a trepidação e irregularidade provocada pelas laterais chanfradas não o tornava o tipo de revestimento mais adequado para calçadas caminháveis e acessíveis. Por este motivo não é um tipo de revestimento adequado e recomendado a quem apresenta restrição e dificuldade de mobilidade. 

As calçadas da Rua Pedro de Toledo também foram as primeiras onde se adotou o disposto na NBR 9050 no que se refere ao rebaixamento da calçada e o piso tátil de alerta e direcional. 

O novo padrão de calçada recentemente implantado foi definido pela Comissão Permanente de Calçadas. Começou a ser implantado em 28/12/2017 pela Secretaria de Serviços e Obras, com previsão de término em 3 (três) meses. Foi orçado em R$1.387.450,96 (um milhão, trezentos e oitenta e sete mil, quatrocentos e cinquenta reais e noventa e seis centavos).

Pelo observado na vistoria, a proposta do novo padrão de revestimento se constituiu na adoção de um piso de cimento sem pigmentação, com superfície totalmente lisa e regular, moldado “in loco” na faixa definida como faixa livre. As faixas de serviço e de acesso foram revestidas por blocos intertravados de concreto na cor vermelha, aparentemente aproveitando parte do material anterior que revestia as calçadas.

Cabe esclarecer que entende-se como faixa livre aquela destinada exclusivamente a abrigar a caminhada dos pedestres, com largura mínima de 1,20m e situada no eixo da calçada. Entende-se faixa de serviço aquela destinada a abrigar posteamento, mobiliário urbano, arborização, com largura de 0,75 m e situada junto ao meio fio. Finalmente como faixa de acesso a faixa situada junto ao alinhamento das edificações, com largura variável e onde se permite a utilização pelo lote quando possível para abrigar objetos do seu interesse tais como vasos, mesas, cadeiras etc.

É de amplo conhecimento também que a legislação que rege as calçadas do município de São Paulo sofrerá alterações em breve, mas até o momento da realização da vistoria continua valendo o Decreto do Passeio Livre: 

https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/subprefeituras/calcadas/arquivos/car tilha_-_draft_10.pdf

As observações resultantes da caminhada ao longo deste novo padrão de revestimento de calçada foram as seguintes:

  • O revestimento do piso é totalmente liso, plano, sem ranhuras ou qualquer outro tipo de textura ou porosidade que dificulte a derrapagem. Também é muito bem executado, dentro dos padrões das boas técnicas;
  • Por outro lado, esta ausência de textura ou porosidade, em determinadas condições de clima favorece a derrapagem tornando seus usuários sujeitos à ocorrência de quedas.. No clima seco acumula terra, poeira e areia na superfície diminuindo a aderência. No clima úmido ou chuvoso, tanto pela presença de folhas úmidas caídas das árvores existentes ao longo da via como pela formação de lâmina de água, facilita a derrapagem e muitos usuários escorregam e sofrem quedas. Mesmo com uma superfície lisa e regular esta solução exige haver limpeza e drenagem constantes e suficientes para manterem a superfície apropriada a evitar quedas e escorregões;
  • Este mesmo revestimento é adotado nas rampas de acesso e foi referenciado principalmente pelos idosos e pessoas com deficiência como favorável a derrapagens quando os rebaixamentos de calçada possuem ângulo um pouco mais inclinado;
  • A ausência do piso tátil direcional foi o principal problema apontado pelas pessoas com deficiência visual porque dificulta sua orientação ao longo do percurso. A adoção dos blocos intertravados nas faixas de serviço e de acesso, à guisa de piso tátil direcional, não se mostrou suficiente e adequada para tal tipo de função por possibilitar o abrigo uma série de interferências vinculadas às próprias funções destas faixas;

  • Quando se trata da faixa de acesso, aquela situada junto ao alinhamento dos lotes, a princípio a que seria a mais indicada para referenciar o trajeto da pessoa com deficiência visual, a prática de utilizá-la como piso tátil direcional se torna particularmente difícil nas situações onde há mobiliários urbanos, como bancos, interrompendo a referência. Ou em situações mais inapropriadas ainda, quando há a projeção da parte posterior de veículos estacionados no recuo dos lotes que, por estarem elevados não são sentidos pela bengala guia e se tornam um obstáculo que facilmente podem se chocar e machucar uma pessoa cega;
  • Outro aspecto apontado pela adoção do bloco intertravado à guisa de piso tátil direcional é o não atendimento ao disposto pela NBR 9050, a partir da qual é feito o treinamento da pessoa com deficiência visual. Este aspecto é particularmente importante quando a deficiência é recente e a pessoa ainda não tem treinamento suficiente para prescindir do piso tátil direcional;
  • Também chamou a atenção a presença de algumas interferências ao longo da faixa de caminhada como tampas de caixas de serviço de concessionárias, que por permanecerem em nível diferente num padrão tão regular de piso se tornam mais evidentes como obstáculos;

  • Foi identificado também em trecho a caminho do metrô, junto à faixa de bloco intertravado, a presença de plantas com espinhos, proibidas por lei;

  • Fato importante também observado na caminhada foi o padrão de piso adotado pelo Metrô no entorno da Estação Hospital São Paulo, inaugurada coincidentemente no dia da vistoria. O piso é o mesmo adotado em outras estações do Metrô, mas diferente e, portanto despadronizado em relação ao piso do restante da calçada da Rua Pedro de Toledo. Esta despadronização compromete o instituído pela NBR 9050 para dar total segurança à pessoa com restrição de mobilidade. Portanto cabe ao Metrô providenciar esta padronização;
  • Outro aspecto apontado pelas pessoas com deficiência visual é que o piso de bloco intertravado de concreto com a sobreposição do piso tátil direcional causa uma verdadeira poluição tátil dificultando sobremaneira o processo de referenciamento para quem precisa se orientar pela bengala. Esta situação impossibilita a correta percepção do piso tátil de alerta, e assim compromete o exercício da sua função, comprometendo a caminhada de pessoas com deficiência visual no local;
  • Por outro lado, apessoas com deficiência física, em especial cadeirantes, desaprovaram o revestimento com o bloco intertravado por causar excessiva trepidação e favorecer a incidência de irregularidades futuras pelo deslocamento dos blocos ao longo do tempo, que colocam em risco o equilíbrio e portanto sujeito à ocorrência de quedas.

Portanto a partir do registro das percepções apontadas pelo universo de usuários de calçadas nos leva as seguintes conclusões: 

  1. mesmo uma intervenção realizada com qualidade como a implantada no local em questão, tem sua eficácia comprometida pela ausência de dois aspectos importantes: a ausência de uma textura ou fator de aderência ao material a ser utilizado em superfície, produzindo aspecto totalmente liso e uniforme e que não comprometeria sua qualidade;
  2. piso direcional não pode absolutamente ser substituído por soluções com saliência fora do padrão NBR 9050, ainda mais situadas fora da faixa útil da calçada; 
  3. o padrão da calçada definido pela prefeitura deve ser rigorosamente repetido por toda a extensão da calçada e qualquer intervenção de equipamento público instalada no trecho da via, como a estação do Metrô Hospital São Paulo, deve acompanhar o mesmo padrão, evitando ruídos e dificuldades futuras a que serão submetidos seus usuários. E este parâmetro deve ser considerado desde o momento do planejamento da intervenção.

No link abaixo são acessadas todas as fotos e vídeos da vistoria. 

https://photos.app.goo.gl/VGtPJe71DEd1vqDQA