Mobilidade urbana: um desafio institucional

14/06/2017 16:00 - Eduardo Ferreira Lafraia


Eduardo Ferreira Lafraia - presidente do Instituto de Engenharia

Editorial da Revista Engenharia, nº 633

As dificuldades criadas pelos congestionamentos de trânsito (que custam bilhões de reais à sociedade) aumentam com o crescimento da população nas grandes cidades. Os especialistas em planejamento de transporte apontam para melhora do transporte público, não só para atender à demanda de passageiros como para atrair usuários do transporte individual, por meio da inclusão de modos de transporte de maior capacidade e qualidade, tais como: melhoria dos trens suburbanos ou regionais, novas linhas de VLT, monotrilho e metrô, bem como implantação de corredores de ônibus de alto desempenho, como é o caso do BRT (Bus Rapid Transit). No entanto, a melhoria na infraestrutura não é suficiente. A boa técnica indica a operação assistida dos transportes com integração física e tarifária da rede e a introdução de sistemas inteligentes de controle operacional, tanto para gestão das linhas dos modos guiados e ônibus nos corredores, quanto para controle coordenado do tráfego viário.

É indispensável o planejamento operacional do conjunto da rede de transporte, vis-à-vis a reestruturação dos serviços de ônibus que atendem no eixo, ou na área do novo modo, para evitar concorrência desnecessária. Além dos obstáculos enfrentados pelos passageiros na integração física e tarifária, a competição com as linhas de ônibus, concedidas pelas municipalidades, ocasiona desequilíbrio econômico-financeiro nos contratados dos novos empreendimentos.

Nas atuais condições institucionais, níveis diferentes de governo planejam, financiam, constroem, operam, regulamentam tarifas e avaliam o desempenho dos serviços nas suas respectivas linhas ou redes de transporte público, de maneira institucionalmente descoordenada. Salvo raríssimas exceções, as cidades brasileiras não legitimam uma entidade regente do sistema regional ou uma autoridade metropolitana para organizar as competências dos operadores dos vários modos atuantes nas regiões, diferentemente da boa prática mundial, onde existe a entidade de Estado – não de governo – com esta finalidade.

Na cidade de São Paulo os desafios da mobilidade agravam-se devido ao seu gigantismo e às 43 milhões de viagens realizadas diariamente, das quais 32% são realizadas a pé, 35% em transporte coletivo e 33% pelo transporte individual. Os governos dos municípios da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) e o do Estado investem em ações de suas competências nos seus respectivos programas. O governo do Estado investiu grande monta em infraestrutura de transporte guiado de média e grande capacidade, para construção de quatro linhas de metrô convencional, três de monotrilho e uma linha de trem ligando ao aeroporto. São cerca de 80 quilômetros de extensão de novas linhas que irão praticamente dobrar a extensão da rede de metrô atual, mais os 12 quilômetros da linha de trem do aeroporto. Com exceção da Linha 5-Lilás que está com término prometido para o final do ano, as demais obras são de longo prazo. Restam, para atender às pessoas na cidade, os empreendimentos municipais de mais curto prazo. A prefeitura paulistana divulgou que vai racionalizar a sua extensa rede sobre pneus que opera com 14 700 ônibus e vai modernizar os 12 corredores exclusivos de ônibus, com mais ou menos 120 quilômetros de extensão, transformando-os em BRT. Com estas ações, a municipalidade pretende melhorar a qualidade da mobilidade e também reduzir os subsídios que atingiram, em 2016, a cifra de 2,5 bilhões de reais.

A prefeitura divulgou também que está em andamento uma licitação para concessão de serviços por ônibus e reformulação do sistema de bilhetagem com novos conceitos de qualidade e modernidade. Contudo, o que chama atenção é que os níveis distintos de governo continuam a atuar isoladamente. E o que é mais surpreendente, sem ouvir quaisquer representantes das comunidades regionais ou dos agentes econômicos – previsto em lei – para opinar sobre a qualidade de oferta dos serviços à população, valor das tarifas e equilíbrio financeiro do sistema.

Cabe complementar com mais um exemplo de ausência de coordenação: estão em andamento duas licitações, uma para concessão das redes de ônibus do município e outra para a RMSP. Licitações feitas sem estudos de integração entre as redes intermodais, interface entre as redes dos níveis administrativos atuantes na região e tampouco qualquer participação da sociedade organizada.

A enorme rede, com vários modos de transporte, controlada isoladamente por vários níveis de governo não é ilegal, mas conviver com o desafinamento da sincronia da mobilidade urbana é o mesmo que ter uma orquestra com ótimos instrumentistas e não termos um maestro para regê-la.

Eduardo Ferreira Lafraia - Engenheiro Civil (Universidade Mackenzie), pós-graduado em Administração de Empresas (FGV) e MBA em Administração de Empreendimentos da Construção Civil (Poli-USP). Foi presidente do Instituto de Engenharia, do Conselho Deliberativo da Apeop, membro do Conselho de Orientação do IPT, do Conselho Superior de Infraestrutura da Fiesp, da Cadeia Produtiva da Indústria da Construção Civil, da Fiesp, conselheiro e diretor da Aliança Cultural Brasil-Japão, diretor do Sciesp - Sindicato dos Corretores de Imóveis do Estado de São Paulo -, diretor de obras da Cohab-SP e presidente do DCE – Diretório Central dos Estudantes – na Universidade Mackenzie. É membro dos Conselhos Consultivo e Deliberativo do Instituto de Engenharia, é diretor- pleno da Associação Comercial de São Paulo. Atualmente, é diretor da empresa Sebel Engenharia e Construções Ltda., que atua no setor de construção habitacional.