11/04/2016 14:30 - Edgar Alberto Cabral
Ensaio Crítico apresentado no Curso de Gestão da Mobilidade Urbana da ANTP
Neste ensaio proponho o uso de ferramentas analíticas e de otimização para auxiliar no planejamento e na operação da Mobilidade Urbana.
Iniciarei apresentando a área da Pesquisa Operacional (PO) e alguns problemas relacionados ao transporte. Em seguida, apresentarei a plataforma computacional SIG, o papel da Web e dos celulares na criação de banco de dados, e como a combinação destes elementos pode auxiliar no planejamento da Mobilidade Urbana.
Finalizo o trabalho com uma proposta de transporte coletivo visando aliviar o congestionamento nas grandes cidades brasileiras.
A PO é uma área multidisciplinar que trata da busca pelas melhores soluções aos problemas de planejamento e operação. Foi criada durante a 2ª Guerra Mundial quando problemas de difícil resolução foram propostos a matemáticos, físicos, estatísticos e engenheiros. Estes grupos multidisciplinares combinaram seus conhecimentos e estabeleceram métodos científicos na busca de resultados. Com o surgimento dos computadores, a PO evoluiu e incorporou esta poderosa ferramenta em seu modo de operação e resolução de problemas.
Diversos problemas de transporte já foram estudados e solucionados via PO, os mais conhecidos sendo o Problema do Caminho Mais Curto (PCC), o Problema do Caixeiro Viajante (PCV) e o Problema de Roteamento de Veículos (PRV). Estes geralmente fazem parte da resolução de problemas mais complexos, e vários algoritmos já foram propostos para sua resolução, muitos sendo disponíveis em pacotes comerciais de planejamento e roteamento.
Para o transporte coletivo proposto no fim deste ensaio, é sugerido o uso dos algoritmos propostos para o PCV com Pick-Up & Delivery com janela de tempo (Baldacci et al, 2011) [1] e o Dial-a-Ride (Häme e Hakula, 2013) [2].
Outra ferramenta computacional útil no planejamento urbano é o Sistema de Informação Geográfica (SIG) [3], utilizado para criar mapas contendo elementos geograficamente referenciados, que podem ser separados em camadas e por serviços (ver Figura 1). Um município pode consolidar todos seus serviços públicos como água, esgoto, gás, energia elétrica e transporte público em uma base de dados comum, permitindo a coordenação entre serviços e evitando impactos graves durante manutenções da rede. Ao planejar a pavimentação de uma rua, a instalação de iluminação seria considerada na camada de energia elétrica, ao mesmo tempo evitando-se danos às tubulações de água, gás e esgoto que já possam estar presentes na mesma área.
Uma das maiores dificuldades na utilização do SIG é a consolidação e atualização da base de dados, e é por isso que devemos entender o papel da Web e dos aplicativos para celulares na criação e manutenção dessas informações.
Uma das empresas que mais se beneficiaram com o crescimento da Internet e seu modelo de serviços nas nuvens foi a Google Inc., em particular nos produtos Google Maps, Google Earth e Waze. Estes permitem que seus usuários realimentem uma base de dados central em tempo real, com condições de trânsito e mudanças de rota.
Os celulares, em especial os smartphones, permitem que a interação dos usuários com as bases de dados seja intuitiva, via aplicativos conhecidos com Apps, contando com uso de GPS[1] embutido, câmera fotográfica, gravador de voz e teclado virtual. Um passageiro pode rapidamente alertar no Waze uma condição ruim de trânsito. Aliás, o próprio aplicativo se incumbe de informar via Internet a velocidade de deslocamento atual do veículo, permitindo o monitoramento de várias ruas ao mesmo tempo, bastando ter um usuário se deslocando em cada uma delas.
O tratamento desta base de dados, feita por especialistas em ferramentas analíticas, permitem a Google ser uma das principais empresas no fornecimento de base de dados com referência geográfica no mundo, podendo fornecer tempo de trajeto baseado nas condições instantâneas atuais, bem como estimar tempo de trajeto no futuro em determinado horário do dia da semana baseado no histórico de tráfego das ruas.
Para o planejamento da mobilidade urbana, essa base de dados consolidada pela Google possibilitaria comparar os tempos de trajeto entre diferentes modais, permitindo propostas mais consistentes com a realidade das cidades. Por isso o ideal seria uma parceria entre as diversas esferas governamentais com a Google, para poder se aproveitar da base de dados existente.
Uma alternativa a isto consiste na coleta de informações sobre tráfego fornecidas voluntariamente pelos cidadãos. O governo poderia criar, por exemplo, sites e aplicativos para celulares que permitissem o cadastro de indivíduos e de seus hábitos de deslocamento, oferecendo benefícios como redução tributária ou cupons de desconto aos participantes da amostra. Isso auxiliaria a criação de tabelas Origem-Destino, imprescindíveis para repensar a Mobilidade Urbana tanto nos níveis municipais quanto nos níveis intermunicipais.
Outro aplicativo poderia coletar informações sobre velocidade de transito para uma central possibilitando trabalhos analíticos do governo semelhantes aos da Google. Esta coleta de dados de velocidade poderia ser obrigatória em veículos comerciais (taxis, ônibus, vans, caminhões e outros), e voluntária para demais membros da sociedade.
Com base nos elementos apresentados e visando uma alternativa ao transporte individual motorizado, proponho um sistema de serviços de transporte diferenciado, baseado no fretado executivo, que poderia incentivar o uso de ônibus e assim aliviar o congestionamento das ruas nas grandes cidades.
O fretado tem como vantagem o fato de operar em um nível de eficiência elevado, próximo ao nível de lotação do veículo. Sua operação atende requisitos importantes como tempo de deslocamento compatível com o dos veículos individuais, garantia de assento e conforto térmico, segurança aos passageiros e seus pertences, e custo final inferior ao do veículo próprio.
Por razões de escalabilidade no desenvolvimento e manutenção, o governo federal se ocuparia em desenvolver um site na Web que permitisse o registro das necessidades dos indivíduos, com mapas indicando localizações onde ele poderia embarcar e desembarcar no veículo fretado, e as respectivas janelas de tempo para seu embarque e desembarque. O trabalho de roteamento dos veículos para atender demandas seria feito no próprio site, utilizando os algoritmos mencionados no final do tópico de PO.
Os governos municipal e estadual se responsabilizariam pela contratação de fretados para atender rotas planejadas, acessando uma parte diferente do site.
Para torna-lo atraente, o transporte deve ter custo fixo mensal, compatível com a manutenção do veículo próprio. Usuários do fretado entre Campinas e São Paulo (www.wakitur.com.br) pagam atualmente R$ 620,00 por mês, e percorrem cerca de 220 km por dia. Assumindo 21 dias úteis e 44 passageiros, o custo final é de R$ 0,13 por km, bem abaixo do apresentado no curso para veículos privados (R$ 2,23 / 7 km = R$ 0,32 por km).
Com este ensaio ofereço uma alternativa ao pensamento de que os governos devem investir pesadamente em BRTs e estações de metrô, pois acredito que parte da solução está em atender a demanda causadora dos grandes congestionamentos atuais, a mobilidade dos proprietários de veículo particular.
Edgar Alberto Cabral, Engenheiro de Computação, Professor na FACAMP - Faculdades de Campinas
[1] Baldacci, R., Bartolini, E.; Mingozzi, A. An exact algorithm for the pickup and delivery problem with time windows. Operations Research 59 (2): 414-426, 2011.
[2] Häme, L.; Hakula, H. Routing by ranking: A link analysis method for the constrained dia-a-ride problem. Opeartions Research Letters 41 (6): 644-669, 2013.
[4] Global Positioning System – Sistema que permite o posicionamento global do equipamento no momento da medição.