Os 50 anos da pesquisa Origem e Destino na Região Metropolitana de São Paulo

24/03/2017 12:00 - Jeanne Metran, Emília Mayumi Hiroi, Regina Maria Nogueira

Artigo originalmente publicado na Revista Engenharia, nº 632/2017, do Instituto de Engenharia






Sonho de muitas gerações, a ideia de um metrô na cidade de São Paulo começou a se tornar realidade em 1968. Foi nesta data que a Prefeitura de São Paulo criou o Grupo Executivo do Metropolitano de São Paulo (GEM) para coordenar a implantação do metrô na capital paulista, com base em estudos realizados em 1967 pelo consórcio HMD – sigla representando as três empresas participantes, formado por duas empresas alemãs (Hochtief e Deconsult) e a brasileira Montreal Empreendimentos S. A. Um subsídio fundamental para este estudo foi a primeira Pesquisa Origem e Destino realizada em 1967. O estudo teve como resultado o primeiro projeto de rede básica do Metrô de São Paulo (imagem 1).

O relatório da HMD – emblemático do início do Metrô de São Paulo – inaugurou uma nova e muito mais acurada fase do planejamento de transportes em São Paulo e no Brasil. É relevante que o estudo utilizou um conjunto de ferramentas de processamento de dados inéditos aqui, mas já em uso nos Estados Unidos para previsão de tráfego em rodovias e fluxos automotivos em áreas urbanas. As novas técnicas dependiam de pesquisas  de campo para alimentar os modelos matemáticos que seriam usados pioneiramente no Brasil pelo Metrô de São Paulo. Foi, então, nesta conjuntura técnica inovadora para o desenvolvimento dos projetos de transporte, que surgiu a Pesquisa Origem e Destino como insumo fundamental para a modelagem dos fluxos de deslocamento na capital e em sua região metropolitana (imagem 2).

Subsidiando todos os estudos de planejamento de transporte desde 1967, a Pesquisa Origem e Destino foi sistematicamente atualizada a cada dez anos, transformando-se em uma série histórica cuja periodicidade nunca foi quebrada – situação rara no mundo. Em 2017, será realizada a sexta pesquisa decenal, completando-se, então, 50 anos de pesquisa OD na RMSP (imagem 3).

A força e eficácia dessa nova metodologia se mostram na sua aplicação rotineira não só em modelagens, mas em estudos acadêmicos nas áreas de transporte e urbanismo, estendendo-se a outros setores socioeconômicos, como segurança, saúde, educação etc. A metodologia se consolidou e impulsionou, juntamente com os modelos matemáticos de previsão da demanda, a formação de novos técnicos no setor de transporte e nos estudos urbanísticos. A partir do modelo sistematizado em São Paulo, hoje, todas as capitais, regiões metropolitanas e grandes cidades brasileiras já realizam suas pesquisas de origem e destino para desenvolverem seus planos de mobilidade e projetos de transporte.




A Pesquisa Origem e Destino continua em 2017 sua trajetória como processo dinâmico de coleta de informações e análise de dados, haja vista sua ininterrupta apropriação de novas tecnologias. Destacam-se, por exemplo, a introdução de levantamentos intermediários (2002 e 2012) – para captar possíveis mudanças nas tendências projetadas, dada a aceleração do crescimento metropolitano –, o georreferenciamento de endereços utilizado desde 2007, o uso de dispositivos móveis na Pesquisa OD 2017 e o estudo de novas tecnologias para uso nos próximos levantamentos (imagem 4).

Esta dinâmica resulta em cada vez maior segurança na utilização dos dados em modelos matemáticos que permitirão proposições mais acuradas de alternativas de intervenções no sistema de transporte. Selecionada e implementada uma das alternativas propostas, as condições de oferta e de demanda sofrem impactos e novo diagnóstico deve ser elaborado por meio de novo levantamento de dados, reiniciando o processo cíclico de planejamento.

O QUE COLETA UMA PESQUISA ORIGEM E DESTINO?

A Pesquisa Origem e Destino objetiva levantar informações sobre os deslocamentos da população da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). Basicamente, são informações sobre as “viagens” empreendidas diariamente pelas pessoas.

Mas o que é considerada uma viagem, dado básico que será inserido nas projeções e estudos futuros dos fluxos de deslocamento? Uma definição mais simples é que viagem é o percurso entre dois pontos com um objetivo específico. Estes pontos significam os extremos desta viagem, um de saída, chamado origem, e um de chegada, chamado destino. Mas isso não basta para o conhecimento sobre uma viagem. Também é necessário saber o motivo desta viagem, o tempo de deslocamento entre os extremos e por quais modos de transporte ela foi realizada. Ademais, as viagens diárias em uma área de estudo são classificadas de duas formas: podem ser viagens internas, realizadas dentro desta área, ou externas, aquelas que têm origem ou destino fora da área de estudo ou simplesmente a atravessam. Por isso, uma das etapas da Pesquisa Origem e Destino – a “domiciliar” – levanta as viagens internas. A outra etapa é chamada de pesquisa “na linha de contorno”, que levanta as viagens externas. Com essas informações teríamos caracterizadas as viagens na área de pesquisa.

Na fase domiciliar, a Pesquisa OD tem como ponto de informação básico o domicílio. Parte-se aqui do princípio de que a organização das viagens diárias das pessoas é feita em um domicílio. Se, por exemplo, a mãe leva o filho na escola, esta ação libera o pai para ir direto ao trabalho; se o filho vai sozinho à escola, a mãe pode realizar ou não outras atividades que demandem novos deslocamentos. Se há um automóvel no domicílio, ele poderá compor a distribuição das viagens produzidas neste local. O mesmo raciocínio vale para os componentes não familiares de um domicílio. Assim, o resultado dos fluxos urbanos é uma decisão primeira dos moradores de um domicílio. Em termos práticos, adota-se, então, como unidade amostral o domicílio, a partir do qual obtemos o número de viagens realizadas pelos moradores.

Neste universo, além de dados de viagens levantam-se também dados socioeconômicos dos indivíduos e das famílias. A composição de renda familiar e individual, idade, gênero, escolaridade, ocupação e situação no domicílio de cada morador são fatores importantes para caracterizar os deslocamentos desses indivíduos, sua rotina, sua frequência e as formas em que se dão. A isso se juntam informações sobre posse de automóvel e endereços de trabalho e escola dessas pessoas.

Na fase de pesquisa das viagens externas, é necessário definir pontos de entrada e saída da área de estudo – plotados em uma linha imaginária que delimita esta área, chamada linha de contorno –, onde são feitos os levantamentos dos volumes de veículos e das viagens dos ocupantes que entram ou saem da área de estudo. Além de contagens e entrevistas com ocupantes de veículos que passam por pontos definidos em rodovias, ocorrem os levantamentos complementares em “outros pontos” de entrada e saída – aeroportos, terminais rodoviários e fretados.

ALGUNS ASPECTOS METODOLÓGICOS

Ressalte-se como aspecto importante da metodologia da pesquisa domiciliar a definição de zonas de tráfego ou zonas de pesquisa – conhecidas como zonas OD – que formam a unidade mínima para a definição da amostra representativa de domicílios e, posteriormente, para a expansão dos dados. Tais zonas são definidas, a cada levantamento decenal, compatibilizando-as com o zoneamento das pesquisas anteriores, com os limites de municípios da RMSP e de distritos no município de São Paulo e com os limites de setores censitários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O zoneamento da pesquisa também considera o sistema de transporte existente e futuro, os equipamentos urbanos e barreiras físicas, assim como a homogeneidade interna das zonas no que se refere ao uso e ocupação do solo. Todos os dados levantados são computados para esta área básica: a zona OD (figura 1).

Na fase de tratamento dos dados, a análise de consistência e os ajustes necessários são efetuados, e fatores para expandir os dados amostrais para o universo considerado são calculados e aplicados. Após a montagem do banco de dados, as tabulações são processadas para produzir as informações necessárias aos estudos de planejamento.


A SEQUÊNCIA DECENAL

Ao longo dos anos, a Pesquisa OD aplicada na RMSP ampliou sua área de abrangência, acompanhando a dinâmica na localização das atividades econômicas e permitindo uma melhor avaliação das alterações ocorridas nos padrões dos deslocamentos da população.

Desde a primeira Pesquisa OD em 1967, já foram realizados cinco levantamentos em intervalos de dez anos. Desde 1987, a área de estudo abrange todos os 39 municípios da RMSP. Em 2007, foram entrevistados os residentes de 30 000 domicílios, localizados em 460 zonas de pesquisa. Em 2017, serão entrevistados residentes de 32 000 domicílios em 517 zonas de pesquisa (tabela 1).

AVALIAÇÃO DE TENDÊNCIAS

Como o intervalo de dez anos entre duas edições da pesquisa é muito extenso, considerando-se que as alterações socioeconômicas na oferta de transportes e nas condições de circulação na metrópole alteram o padrão de deslocamento de sua população, em 2002 e 2012 foram realizados levantamentos para avaliação de tendências com base nas pesquisas OD 1997 e OD 2007, respectivamente. Com amostra reduzida de 8 000 domicílios em 2012 e um zoneamento agregado em 31 zonas, tais levantamentos buscaram verificar alterações nos principais indicadores de viagens, destacando-se o índice de mobilidade – número de viagens por habitante – e a divisão modal – repartição percentual das viagens motorizadas entre os modos coletivo e individual (tabela 2).




UTILIDADE DOS RESULTADOS OBTIDOS

Os resultados da Pesquisa OD mostram como se dão os deslocamentos e, em especial, o uso do sistema de transporte na área de estudo e servem de base para estudos e propostas de intervenção neste sistema. A análise dos dados busca estabelecer relações básicas entre viagens e as variáveis socioeconômicas que as explicam, que são insumo para a modelagem e a projeção de demanda futura. São também importantes para outras etapas do planejamento – diagnóstico da situação atual dos transportes; avaliação de alternativas de traçados de linhas ou mesmo redes de transporte; análise multicriterial que envolve essas avaliações em seus aspectos ambientais, econômicos e sociais; definição de indicadores; cálculo dos benefícios sociais de linhas ou redes de transporte.

A diversidade de informações coletadas permite que elas sejam usadas em diversas outras áreas. A partir do conhecimento do que uma população realiza diariamente para trabalhar, estudar, fazer compras, ir ao médico ou aos locais destinados à recreação, é possível fazer o mapeamento das atividades econômicas no espaço metropolitano. Ademais, as características socioeconômicas associadas às características das viagens possibilita a montagem de bancos de dados de interesse para o planejamento urbano em geral. Neste setor, os dados da Pesquisa OD são utilizados para planos urbanísticos e planos diretores de municípios, estudos de localização e dimensionamento de equipamentos e serviços urbanos e aprimoramento de técnicas de planejamento urbano (imagem 5).

Este amplo espectro de uso dos dados da Pesquisa OD abrange ainda outras áreas do setor público como saúde, educação, segurança pública, abastecimento de água, emprego e trabalho. Têm auxiliado também universidades e institutos de pesquisa na elaboração de estudos e teses acadêmicas – dificilmente estudos e teses sobre transporte ou urbanismo deixam de apresentar os dados da OD como insumo principal.


ALGUNS RESULTADOS DAS  PESQUISAS OD NA RMS

Um dos grandes benefícios de se ter uma série contínua de dados sobre um mesmo assunto é a possibilidade de conhecer a evolução desses dados ao longo do tempo. Associando-se a série a outras variáveis como, por exemplo – no caso das Pesquisas OD –, às mudanças tecnológicas e mercadológicas no espaço urbano, às intervenções públicas e privadas em transporte e na área urbana da região, no mesmo período de tempo entre os levantamentos, pode-se avaliar em que sentido essas mudanças e intervenções influíram na evolução das viagens e, por extensão, no desenvolvimento urbano da região, ou vice-versa. 

Os dados gerais, neste contexto, são os de evolução da mobilidade e de atividades na RMSP ao longo das últimas cinco décadas. Os indicadores principais são os de população, empregos, matrículas escolares, viagens diárias por modo motorizado e não motorizado, os índices de mobilidade total (viagens totais/habitante) e mobilidade motorizada (viagens motorizadas por habitante) – tabela 3.

Observa-se que a população na área de pesquisa era de 7,1 milhões de habitantes em 1967 e passou a 19 milhões em 2007. Neste mesmo período, os empregos passaram de 2,4 milhões para 9,1  milhões. O número de viagens diárias por modo motorizado cresceu de 7,2 milhões para 25,1 milhões; o número médio de viagens motorizadas por habitante era de 1,01 em 1967 e passou a 1,29 em 2007, tendo sofrido oscilações a cada edição da pesquisa.

Todos os indicadores crescem em 2012, quando foi realizada a pesquisa intermediária (Mobilidade 2012). Basta, então, uma rápida olhada nos números para se ter consciência da massa de mudanças que eles representam no decorrer das décadas de realização da Pesquisa OD (figura 2).


São especialmente um claro retrato dessa evolução os resultados da divisão modal coletivo-individual. São modos coletivos motorizados os transportes públicos trem, ônibus, metrô, ônibus fretado e transporte escolar; são individuais os modos táxi, automóvel e motocicleta. No período entre 1967 e 2012 (incluindo as pesquisas intermediárias de 2002 e 2012), o modo coletivo teve participação decrescente frente ao individual até 2007, quando a tendência se reverteu. A participação do coletivo – que era de 68% em 1967 chegou a 48% na pesquisa intermediária de 2002, para voltar a subir em 2007 quando passou para 55%. Seguramente esta evolução se associa a mudanças urbanas importantes e nas intervenções públicas relacionadas aos modos de transporte. A tendência de 2007 de aumento na participação do transporte coletivo se manteve em 2012 e o levantamento de 2017 vai mostrar se esta se consolidou ou não, informação sempre bastante esperada pelos técnicos da área (figura 3).

Alterações urbanas e no modo de vida da população refletem-se na evolução do comportamento das viagens por motivo. A terceirização da metrópole fez aumentar o número de viagens por motivo trabalho no setor de serviços e as viagens relacionadas a negócios pessoais que se utilizam desses serviços, tais como consultar um advogado, ir ao banco, solicitar um documento etc. (tabela 4).

Um dado bastante alardeado na mídia, mas nem sempre devidamente explicado, é o número de viagens a pé: note-se que, das 12,6 milhões de viagens a pé realizadas diariamente na metrópole, 57,5% são realizadas para ir e voltar da escola, fato que reflete a proximidade de escolas públicas das residências dos estudantes.

Para o planejamento de transporte, um dos mais importantes resultados extraídos da Pesquisa OD é a matriz de origem e destino das viagens realizadas diariamente. Esta matriz permite mapear os fluxos diários de viagens entre quaisquer zonas. O fluxo entre as sub-regiões da RMSP mostra que a região Centro, que corresponde ao município de São Paulo, responde por 65% das viagens realizadas na metrópole e, dentre estas, 88% são viagens internas ao município (tabela 5, figura 4).

Outro resultado importante obtido da Pesquisa OD é a flutuação horária das viagens ao longo do dia na região. Ela indica o número de viagens que se iniciam a cada hora de um dia típico de pesquisa. O gráfico que representa esta flutuação mostra os picos horários para cada modo e motivo de viagem, geralmente situados no início da manhã e fim da tarde, e no horário de almoço, com outro perfil na distribuição de modos, com ênfase em deslocamentos a pé. Observa-se, em 2012, que o pico do almoço acentuou-se mais em relação a resultados de edições anteriores da pesquisa, no entanto, com os mesmo motivos principais de deslocamento, ou seja, especialmente ida e volta da escola (figura 5).

OS AVANÇOS TECNOLÓGICOS DA PESQUISA OD 2017

Nas últimas cinco décadas, a Pesquisa OD apresentou evoluções tecnológicas que acompanharam o estado da arte da coleta de dados nos momentos dos levantamentos. O planejamento da Pesquisa OD 2017 prevê um novo patamar qualitativo com a utilização de dispositivos móveis para coleta de dados; o controle de produção e qualidade feito por meio de software a ser desenvolvido “taylored” para a coleta, consistência e armazenamento dos dados e também para o georreferenciamento de endereços levantados na amostra. Para a definição da amostra estratificada por renda média familiar utilizaram-se, pela primeira vez, os dados de renda média familiar dos setores censitários do Censo 2010 do IBGE. Para sorteio dos endereços, utilizou-se o Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE), banco de dados criado pelo IBGE a partir do Censo de 2010.

A apropriação de novas tecnologias, sempre presente nas edições de todas as Pesquisas OD, continua sua trajetória no futuro. Para tanto, um dos estudos a serem realizados no mesmo período da Pesquisa OD 2017 será um teste de novas tecnologias para que as próximas edições tenham já avanços metodológicos à disposição para continuidade do levantamento das informações essenciais que até hoje tanto contribuíram para o avanço do planejamento urbano e dos transportes.

Jeanne Metran é arquiteta e urbanista, chefe do Departamento de Estudos Urbanos e Planejamento de Transporte – Gerência de Planejamento, Integração e Viabilidade de Transportes Metropolitanos – Companhia do Metropolitano de São Paulo E-mail: jmetran@metrosp.com.br

Emília Mayumi Hiroi é bacharel em estatística e economista, coordenadora de Pesquisa e Avaliação de Transportes – Departamento de Estudos Urbanos e Planejamento de Transporte – Companhia do Metropolitano de São Paulo E-mail: ehiroi@metrosp.com.br

Regina Maria Nogueira é socióloga, assessora técnica – Coordenadoria de Pesquisa e Avaliação de Transportes – Companhia do Metropolitano de São Paulo E-mail: rmnogueira@metrosp.com.br