Retornos socioambientais

19/05/2017 08:00 - Adriano Murgel Branco

Publicado em 2014 nesse espaço, o artigo do engenheiro Adriano Murgel Branco faz uma pergunta incômoda para muitos gestores públicos: como se apropriar dos retornos socioambientais nos orçamentos públicos? Seu artigo responde a uma questão que, a cada dia, torna-se vital diante do crescimento incontrolável das emissões de poluentes nas grandes e médias cidades do país.


Retornos socioambientais: como apropriá-los nos orçamentos públicos?

Muitas ações públicas deixam de ser adotadas por falta de recursos orçamentários e, na maior parte das vezes, porque o setor visado é tido como "deficitário”. É deficitário, por exemplo, o transporte público: o Estado subsidia METRÔ e CPTM, enquanto a Prefeitura cobre o déficit das empresas de ônibus.

Entretanto, calculados os retornos ou benefícios indiretos e socioambientais produzidos pela atividade "transporte”, verificam-se largas margens de folga. Assim, por exemplo, o METRÔ, ao operar (2013) com receita anual de 2 bilhões de reais, propicia retorno (chamado Balanço Social) cinco vezes maior (10 bilhões). Por que, então, esse recurso não se vincula ao setor, "viabilizando-o?”. O mesmo se pode dizer do transporte por ônibus.

Mais convincente é o caso da habitação popular. Tratada como problema de financiamento, desde logo se vê que famílias de renda até 5 salários mínimos (70% da demanda) não têm como arcar com o financiamento da casa própria. Assim, os planos habitacionais se arrastam ao longo dos anos sem exequibilidade, enquanto a sociedade se exaspera diante do não atendimento a um dos mais importantes direitos sociais. Os reflexos estão à vista, com invasões, manifestações de rua e, o que é pior, com milhões de pessoas "morando” nas ruas, em propriedades invadidas, em áreas de risco e em barracos insalubres.

Entretanto, calculados os benefícios indiretos e socioambientais que a construção de moradias populares propicia, nos deparamos com um dos mais promissores resultados. Com efeito, cálculos feitos em São Paulo mostram que, para cada real aplicado nesse setor, resulta um retorno equivalente a 1,8 reais. Ou seja, o suficiente para pagar ou poder oferecer a casa gratuitamente, com superávit de 0.8 por real aplicado.

Desde 1987 o setor habitacional, através do Fórum Nacional de Secretários Estaduais de Habitação, vem chamando a atenção para isso, especialmente através do documento síntese da reunião do Fórum realizada em Goiânia, em 31 de julho de 1987 (Carta de Goiânia).

A Caixa Econômica Federal tornou viável o equilíbrio: oferece o recurso faltante ao mutuário para que ele se enquadre na equação financeira. Com isso, está saindo da unidade "milhares de habitações”, para milhões de casas populares!

É simples, dirão os críticos, sobrecarregar assim o orçamento público. Mas não dizem, até porque muitas vezes não o sabem, que os retornos socioeconômicos e ambientais são muito maiores do que os chamados "déficits”.

As três grandes dúvidas manifestadas pelos céticos são: 1) tais retornos se incorporam aos orçamentos públicos de tal forma que, se vinculados, no todo ou em parte, ao setor que os gera, desfalcarão asprevisões governamentais; 2)Não só os estados recebem tais recursos mas também a União e os municípios; 3) os retornos ao estado são de muito longo prazo e não acodem, em tempo, os desembolsos.

Comecemos pelo primeiro. É verdade, os benefícios indiretos acabam por se incorporar aos orçamentos, através dos quais chegam aos gastos e empreendimentos públicos. Assim, ao que parece, quaisquer parcelas que venham a ser "carimbadas” em favor deste ou aquele objetivo acabam por desfalcar o orçamento. Contudo, quanto maior for a taxa de retorno dos benefícios socioambientais, em razão mesmo da sua utilidade social, maior a sua incorporação ao orçamento. Assim, investir em empreendimentos de baixo poder multiplicador da economia e/ou reduzido retorno socioambiental reduz a capacidade de investimento do estado. Não é de admirar, então, que os retornos propiciados pelos programas de habitação popular – tidos como os mais onerosos, mais "deficitários” – acabem gerando forte benefício orçamentário. Não é de espantar que a Companhia do Metropolitano arrecade dois bilhões de reais por ano e, ao mesmo tempo, ostente um Balanço Social de 10 bilhões, como já descrito.

O caminho, portanto, é estabelecer um plano de empreendimentos seletivos, que favoreçam aqueles de maior retorno, sem desprezar os de menor retorno. E aí há que se reconhecer que, quanto maior o retorno socioambiental do projeto, maior será o interesse público nele envolvido.

No que tange ao item 2, é verdadeira a afirmação de que um projeto público de âmbito estadual acaba tendo efeitos multiplicadores absorvidos pelas demais instâncias de governo, o que justifica a cooperação dos beneficiados aos projetos, sem a conotação usual de "benfeitor”.

Quanto ao item 3, é preciso, em primeiro lugar, reconhecer os efeitos multiplicadores na economia, por exemplo, que ocorrem já durante o empreendimento, representados por estímulo ao emprego e ao consumo, como pelos tributos que recaem sobre a mão de obra e materiais empregados, muito antes do término das construções. Mas, por outro lado, a incorporação às contas de retornos de grande expressão, através de um critério de prioridades que, na verdade, priorizará os serviços de maior utilidade pública, permitirá o acesso mais rápido aos benefícios socioambientais.

Sugere-se, neste caso, a constituição de um "Fundo de Externalidades”, que administre as externalidades positivas dos projetos governamentais, estabelecendo inclusive critérios de apropriação de retornos de um projeto por outro, que a ele se assemelhe em razão do interesse coletivo identificado.

Para melhor clarear as hipóteses de resultados das equações econômico-financeiras, levando em conta as externalidades, identificamos tais resultados conforme gráfico a seguir:

Adriano Murgel Branco - ex-Secretário dos Transportes e da Habitação do Estado de São Paulo, eleito Engenheiro do Ano de 2008, Membro da Academia Nacional de Engenharia.