05/09/2015 08:00 - O Globo
É um sinal positivo reconhecer a necessidade de mudanças.
Foi o que fez o prefeito Eduardo Paes ao anunciar em março a racionalização das
linhas de ônibus da cidade. O Rio espera por isso há mais de 20 anos. Várias
vezes, planos foram anunciados e morreram à míngua. Agora parece que vai. A
prefeitura calcula que 700 ônibus desaparecerão das ruas da Zona Sul a curto
prazo. Em um mês, não haverá mais linhas ligando Barra, Recreio e São Conrado
ao Centro. Os passageiros terão que fazer baldeação em Botafogo. Parece
racional, mas quem sacoleja diariamente por mais de duas horas para chegar ao
trabalho está desconfiado. Nada é tão ruim que não possa piorar.
A decisão de reorganizar a confusa e ineficiente malha
rodoviária é bem-vinda, dizem os especialistas. "Para o sistema todo é muito
salutar mexer nestas linhas que se sobrepõem”, analisa Paulo Cezar Ribeiro,
engenheiro da Coppe/UFRJ, um expert em mobilidade urbana. Mas faz uma ressalva:
"Se tiver sido feito um estudo aprofundado antes de se implantar as medidas,
vai ser muito bom. A vida do passageiro tem que melhorar, piorar não pode”.
A análise reflete a desconfiança do usuário. Falta
transparência na relação com o passageiro. Não está claro, sobretudo para
aqueles que costumam circular pela Zona Oeste e serão os primeiros envolvidos
na racionalização, de que forma sua viagem vai ficar mais confortável e rápida.
Um exemplo: a nova baldeação, em Botafogo, pode representar perda sensível de
tempo ou o desembolso do valor de mais uma passagem? A secretaria municipal de
Transportes garante que não. E diz que a maior parte dos passageiros da Barra
que usa os ônibus que se dirigem ao Centro desce na Zona Sul. Portanto, apenas
uma minoria terá que fazer a tal baldeação, o que minimizaria o problema. O
bilhete único, que dá direito a duas passagens em 2h30min, cobriria os gastos.
Pode ser.
Quem anda diariamente de ônibus sabe o quanto o serviço
precisa evoluir. Circulamos pela cidade em chassis de caminhões adaptados, o
ônibus se locomove quicando e dando trancos. Não sofremos apenas com a falta de
ar-condicionado (menos de 30% da frota é refrigerada). Padecemos também com
motoristas que frequentemente desrespeitam regras básicas do trânsito e ignoram
os passageiros. Quem se agarra no banco enquanto o ônibus faz curvas fechadas,
como aquela entrada da Rua Barata Ribeiro logo depois entrada da saída do Túnel
Novo, em Copacabana, sabe do que estou falando.
Apesar disso, o Rio apresenta números positivos. Hoje, 72%
das viagens feitas diariamente na cidade são através de transporte público.
Coisa de primeiro mundo. Em São Paulo, metade é feita em carro particular. Vale
lembrar o famoso mantra dos urbanistas: uma cidade é desenvolvida quando a
elite anda de ônibus, trem e metrô, não quando o pobre circula de carro.
Eduardo Paes declarou guerra ao carro particular, o que é bom. O problema é que
fez isso antes que o transporte público melhorasse, o que é péssimo. Aliás, no
início da semana, o prefeito disse que "infelizmente, por causa do cargo, eu
não ando mais de táxi ou de ônibus”. Devia, especialmente por causa do cargo
que ocupa.
A secretaria municipal de Transportes, comandada por Rafael
Picciani, filho de Jorge Picciani, presidente estadual do PMDB, admite que no
início haverá problemas. Muitos. Principalmente porque as mudanças ocorrerão
por etapas e muitas das novidades que, em tese, facilitarão a mobilidade ainda
estão longe de ficarem prontas. Para início de conversa, quando a turma que vem
do Recreio em direção ao Centro tiver que descer em Botafogo para pegar outro
ônibus, ainda não estarão funcionando as novas linhas que farão a ligação com o
Centro. Também não estará funcionando o VLT que circulará pelo Centro e pela
Região Portuária. A previsão da inauguração é abril do ano que vem.
Se tudo der certo, o novo sistema de transporte público só
vai estar funcionando a pleno vapor em 2017. Até lá será preciso ter muita
paciência. O lema da secretaria comandada por Picciani é fazer ajustes ao longo
do processo. O otimismo por lá é grande. Um assessor admite que ainda estamos
nos preparativos, mas garante que o momento da festa vai chegar. E, quem sabe,
chegue com preços mais baratos. "O custo total destas empresas que vão tirar
ônibus de circulação vai diminuir. O preço da passagem deveria até baixar”,
calcula Paulo Cezar Ribeiro. Não faz sentido?