31/07/2014 07:45 - Gazeta do Povo
Quase 95% das defesas prévias contra notificações de
trânsito foram indeferidas pela Secretaria Municipal de Trânsito de Curitiba em
2014. De acordo com a pasta, apenas 5,43% dos motoristas que entraram com o
recurso conseguiram reverter as notificações. O número é relativo aos registros
feitos pelo município e por policiais militares que anotaram irregularidades de
alçada da autoridade de trânsito municipal entre janeiro e julho. Em 2013, a
Setran aceitou os argumentos dos motoristas em 11,73% dos casos.
Nos primeiros sete meses de 2014, 29.004 pessoas ingressaram
com a defesa prévia na Setran – primeiro recurso em casos de notificações de
trânsito –, 23,72% a mais que todo o ano de 2013. Essa diferença tem motivos. O
principal deles foi a insistência dos motoristas de caminhões em trafegar nos
horários proibidos na Linha Verde entre janeiro e abril deste ano. Além disso,
o baixo índice de deferimentos também ocorre em razão da análise de cada caso.
As defesas são lidas uma a uma pelos técnicos da Setran – etapa que deixa o
processo, naturalmente, moroso.
Os indeferimentos, no entanto, têm ocorrido, principalmente,
pela fragilidade dos argumentos. De acordo com a coordenadora de análise de
infrações de trânsito da Setran, Stella Zawadzki, a defesa prévia é, na maior
parte das vezes, usada pelo infrator para ganhar tempo. Mesmo assim, na
avaliação de Stella, as infrações realmente acontecem pela displicência do
motorista e não pelo excesso de fiscalização.
"Às vezes, o motorista quer protelar a suspensão da carteira
ou não tem dinheiro para multa”, contou ela. Há também os indignados que não
concordam com a notificação. Em alguns casos, usam até argumentos esdrúxulos e
grosseiros. Xingamentos e dores de barriga são comuns nos textos das defesas
prévias.
Deferidos
Entre as defesas deferidas pela Setran estão pessoas vítimas
de furtos e roubos de veículos, ou que tiveram placas clonadas, além dos que
acabam sendo notificados em alguma situação de emergência. É comum o condutor
levar alguém para o hospital, por exemplo, como explica Stella. Contudo, o
argumento necessita de comprovação como documentos de entrada do hospital
naquele período do flagrante.
Além disso, em casos de notificações por passar em sinal
vermelho na madrugada, muitos usam o medo como argumento, mas também é preciso
comprovar. Segundo Stella, muitas vezes, motoristas explicam que havia alguém
suspeito no cruzamento, mas câmeras acabam não confirmando. O condutor nem
sequer ligou o alerta para passar. Nesses casos, ela aconselha um ato de boa fé
como o registro do boletim de ocorrência.
Os agentes de
fiscalização também erram
A comerciante Sônia Maria do Nascimento, 61 anos, foi vítima
de um erro cometido por agentes de trânsito de Ponta Grossa, Região dos Campos
Gerais do estado. Ela recebeu uma multa por estacionamento irregular, mas nunca
esteve em Ponta Grossa. "O carro estava parado em casa, mas já tinha até
vendido”, contou.
De acordo a comerciante, após conversar com a autarquia responsável
pela multa de Ponta Grossa, ela conseguiu reverter a notificação. "A placa foi
anotada com uma letra trocada”, explicou. A autarquia ficou de retirar a multa
do sistema.
Em Curitiba, casos semelhantes também ocorrem. Daniel
Sekulic trabalha em uma empresa logística em São José dos Pinhais. Há dois anos
ele foi multado na região do Jardim Botânico. "Eu não estava lá. Estava no
trabalho”, argumentou. Apesar disso, ele conta que não conseguiu reverter a
multa nos recursos. O caso dele já está no Conselho Estadual de Trânsito.
Erros de agentes de trânsito, de acordo com a coordenadora
de análise de infrações de trânsito da Setran, Stella Zawadzki, acontecem. Ela
aconselha que o notificado não deixe de ingressar com a defesa prévia sempre
que houver equívoco. "É um direito de todos entrar com a defesa”, disse ela.
O choro é livre
Aparecido Henrique Barbosa, 61 anos, é agente de trânsito há
16. Trabalha na escala da noite, das 17 às 23 horas, e já viveu algumas boas
histórias de pessoas que tentam evitar a multa a qualquer custo. Uma delas
ocorreu em um domingo à noite de 2012. Ele preenchia uma notificação para um
carro estacionado em frente do Shopping Mueller, na Avenida Cândido de Abreu,
no Centro Cívico, quando a família dona do veículo chegou.
"A mãe das jovens ficou nervosa e começou a chorar. Então,
todas começaram a chorar”, contou Barbosa. Segundo ele, elas falaram que eram
de Colombo e que não teriam como voltar para casa pois não tinham dinheiro para
o ônibus. "Eu ia liberar o veículo já que elas estavam lá. Para isso, precisava
dos documentos”, explicou.
Ao pedir a CNH , uma surpresa. Todas começaram a se olhar e
a procurar o documento de porte obrigatório. "Com tanta colher de chá e ela
ainda não tinha a CNH. Tive de fazer mais uma multa. O choro é livre”, brincou,
ao contar a história e lembrar que a família acabou conformada.
Caminho
São três as instâncias de recurso contra um auto de
Infração. Saiba quais são elas:
• Defesa da autuação: o motorista pode ingressar com recurso
na autoridade que emitiu a notificação (estadual, municipal ou federal) num
prazo máximo de 30 dias contados da data da emissão;
• Jari: se for indeferida a defesa prévia, o motorista pode,
em 30 dias contados da data em que recebeu a notificação, ingressar na Junta
Administrativa de Recursos de Infrações, o Jari, do Detran-PR;
• Cetran: se o motorista também não consegui reverter o caso
na Jari, ainda resta recorrer ao Conselho Estadual de Trânsito, o Cetran. Isso
pode ser feito em até 30 dias contados da publicação ou da notificação da decisão.
Análise - Advogado especialista critica a forma como o
procedimento é feito
O advogado especialista em trânsito Reginaldo Koga critica o
procedimento da defesa prévia feita no país. Segundo ele, não existe análise
aprofundada e os notificados não têm condições de se defenderem de forma plena.
Na avaliação dele, um dos motivos é que o auto de infração não é enviado junto
com a notificação.
Koga conta que após a notificação, o motorista tem 30 dias
para ingressar com a defesa prévia. Se o auto não está junto, não se sabe em
quais circunstâncias a multa foi aplicada. "Se não tem acesso ao auto de
infração fere o princípio do contraditório e da ampla defesa”, afirma. O
advogado ainda lembra que durante a defesa prévia a manifestação do agente
nunca está anexada. "Existe a possibilidade de falha, mas não existe a
manifestação dele durante a defesa”, critica.
Ele também explica que é preciso fazer uma avaliação sobre a
forma que as notificações são realizadas. "Nunca é por meio de abordagem. O
agente quase nunca aplica a multa junto do motorista. A maior parte das multas
é sem abordagem. Como fica o caráter educativo da penalidade?”, questiona.