Projeto da SuperVia vai blindar toda a linha férrea

01/09/2014 08:05 - O Globo

RIO - Diante da ação do tráfico de drogas, que ocupou diversos pontos ao longo dos trilhos e até uma estação de trem, deixando em perigo os 620 mil passageiros que usam o sistema diariamente, a SuperVia tem um projeto para blindar toda a linha férrea. A ideia, segundo o presidente da concessionária, Carlos José Cunha, é construir muros, passarelas e viadutos para acabar com as passagens de níveis (onde há cancelas) e as entradas clandestinas nos muros usadas por bandidos. Reportagem publicada ontem pelo GLOBO revelou que facções atuam em 16 estações dos ramais de Santa Cruz e Belford Roxo e já dominam a estação Tancredo Neves, na Zona Oeste.

Cunha explica que a SuperVia, no entanto, não consegue arcar sozinha com o projeto Segurança na Via. Para viabilizá-lo, ele esteve em janeiro em Brasília com a presidente Dilma Rousseff, para negociar sua implantação. Segundo Cunha, a SuperVia tem um gasto anual de R$ 30 milhões em segurança interna e perde R$ 48 milhões por causa da ação do tráfico, que abre buracos nos muros, permitindo que usuários embarquem nos trens sem pagar. A concessionária tem hoje 800 agentes de segurança em toda a rede.

— A presidente Dilma entendeu o problema e concordou com o nosso projeto. Demos, então, entrada no processo para cumprir os trâmites burocráticos nos ministérios do Planejamento e das Cidades, para enquadrar o projeto nas exigências do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e obter os recursos para sua execução — diz.

OBRAS ESTÃO ORÇADAS EM R$ 600 MILHÕES

A secretária estadual de Transporte, Tatiana Vaz Carius, disse ontem que o problema da falta de segurança no sistema ferroviário vem sendo estudado há seis meses por técnicos do governo e da SuperVia. Segundo ela, o projeto conceitual que prevê intervenções ao longo da linha férrea foi concluído na sexta-feira e será apresentado ao governo federal ainda esta semana. As obras estão orçadas em R$ 600 milhões.

— Já havíamos estado em Brasília, e o governador conversou com os dois ministros (das Cidades e do Planejamento) para explicar a importância do projeto — disse a secretária.

Até a implantação do projeto, que, segundo o presidente da SuperVia, impediria a ação do tráfico e a evasão de renda, a concessionária cobra mais empenho das autoridades, para garantir a segurança dos passageiros. Na noite de sábado, por exemplo, um homem ficou ferido e outro morreu atropelado por um trem que seguia para Belford Roxo, próximo à estação do Jacarezinho. Os dois tinham acessado irregularmente a via férrea por um dos 150 buracos feitos pelo crime organizado.

— Trata-se de um problema de segurança pública. Não temos poder de polícia. Nossos agentes, inclusive, têm passado por situações constrangedoras — revela Cunha.

Segundo a SuperVia, mais de dez mil pessoas transitam pelos trilhos diariamente, seja para acessar indevidamente os trens ou para vender, comprar ou consumir drogas. Por isso, os trens são obrigados a circular a 30km/h, quando poderiam trafegar a 80km/h.

A primeira parte do projeto é emergencial e visa a atacar, em dois anos, os pontos mais críticos (tráfico e evasão de renda), com a construção de cinco viadutos e pelo menos 20 passarelas. A segunda fase envolve desapropriações e reassentamentos das famílias que vivem na faixa de domínio da linha férrea. A estimativa é que a implementação total do projeto leve oito anos.

Doutor em Engenharia de Transportes e ex-diretor da Metrô Rio, Fernando Mac Dowell diz que a solução passa por uma ação conjunta entre a SuperVia e o poder público.

— É preciso que exista integração entre SuperVia, estado, município e governo federal, para que haja também reurbanização no entorno das estações, além de policiamento. O ambiente degradado favorece a criminalidade. Apenas muros não vão adiantar, porque vão continuar dando um jeito de quebrá-los — avalia.

Luiz Carneiro, diretor do Clube de Engenharia do Rio, acredita que o problema não será solucionado apenas com as obras:

— Não vejo relação entre a criação de viadutos e passarelas e a escassez de segurança. Se não tiver presença policial, segurança e fiscalização para reprimir os crimes e o consumo de drogas, os usuários e traficantes continuarão agindo ali. Precisamos pensar sobre essa questão, porque envolve desapropriações e reassentamentos.

PREJUÍZOZ SÃO GRANDES

Cunha admitiu que a atuação do tráfico no sistema é antigo. Disse que quando assumiu a empresa, há quatro anos, se dedicou a resolver os problemas internos. Agora, outros problemas ficaram mais evidentes, segundo ele.

— Chegamos a números estarrecedores: mais de 40 mil evasões de passageiros e R$ 128 mil que deixam de ser arrecadados diariamente, um prejuízo anual de R$ 46 milhões. Registramos ainda muitos acidentes, atropelamentos e abalroamentos — diz.

Um dos exemplos da grave situação é a estação Tancredo Neves, onde os funcionários da SuperVia foram expulsos pelo tráfico. Ali, bandidos armados ocupam a plataforma e oferecem drogas livremente. Ninguém paga passagem.

— A orientação que temos da Secretaria de Segurança é para não nos envolvermos neste problema. Isso cabe à secretaria — comenta.

De acordo com o contrato de concessão, é responsabilidade do governo prestar segurança pública na linha. Segundo Cunha, as ações pontuais não surtem mais efeitos.

— Antigamente, existia um batalhão de polícia ferroviária com 300 policiais. Isso acabou em 2009. Hoje, temos um núcleo reduzido de cerca de 20 policiais ferroviários.

A Secretaria de Segurança não quis se manifestar sobre o assunto, e a Polícia Militar informou que procura fazer operações sistemáticas, com prisões e apreensões de drogas e armas em diversos pontos. O Grupamento Ferroviário informou que tem dado apoio à segurança da concessionária.

A SuperVia enfrenta ainda um outro problema: o tráfico utiliza cabos de cobre roubados como uma nova moeda, que os dependentes químicos trocam por drogas. Nesse mercado negro, um metro de cobre seria o equivalente a uma pedra de crack.

A POLÍCIA É APENAS UMA DAS FERRAMENTAS

Na opinião da professora Elizabeth Sussekind, a SuperVia tem que garantir a ordem dentro de sua área. No entanto, diz, o Estado também tem que atuar, em casos como esse, dentro da propriedade privada.

— Quando se tira, por exemplo, o crack da Avenida Brasil ele aparece mais forte nos trens. Não podemos é achar que a solução deve vir só da polícia, que deve ser uma das ferramentas do Estado, mas não a única a ter que responder por um problema bem maior. Precisamos prevenir a criminalidade investindo mais na educação. Esses viciados poderiam estar nas escolas, sendo tratados socialmente e não apenas amparados pelo tráfico, assim como foram seus pais. Muitos estão na terceira geração do crime e das drogas.