20/10/2014 07:00 - Diário Catarinense
A marca atingida por Santa Catarina em setembro representa,
ao mesmo tempo, dois lados de uma discussão que não tem data para terminar.
Enquanto o índice de 1 milhão de motos em circulação sinaliza um fortalecimento
no poder econômico dos consumidores, o contínuo crescimento no número de
veículos automotivos em todas as regiões do país evidencia uma insatisfação com
o transporte público e uma incapacidade dos meios alternativos de suprir as
demandas do transporte individual.
Atualmente, há uma moto para cada 6,6 habitantes de Santa
Catarina. Essa é a sexta maior taxa do Brasil, e a maior do Sul do país,
superando o Paraná (com 8,5 pessoas para cada moto) e o Rio Grande do Sul
(9,7). Em São Paulo, Estado com a maior quantidade absoluta de motos, há 9,1
pessoas para cada veículo do tipo. No Brasil, há 9,0.
Para a professora Luciana Noronha Pereira, do departamento
de Arquitetura da Univali, não há uma explicação única para a realidade
catarinense. É possível, entretanto, apontar alguns indícios, como as
deficiências do transporte público e o barateamento das motos zero-quilômetro.
Até mesmo a geografia de Santa Catarina é citada como um
fator influenciador ? são muitas cidades pequenas com pouca distância entre
elas.
- É mais complicado se deslocar de moto entre bairros de São
Paulo do que entre diversas cidades de SC, o que acaba incentivando o
transporte individual. Além disso, cidades como a capital paulista dispõem de
outras modalidades de transporte, como metrô e trem. Podem até ser ruins,
ineficientes, mas existem - explica Luciana.
Crescimento começou a
desacelerar em 2012
Há dez anos, Santa Catarina tinha pouco mais de 350 mil motos
em circulação. Passada uma década, este número continua em ascensão, mas dá
indícios de começar a desacelerar. Entre setembro de 2007 e 2008, por exemplo,
foram 86,5 mil veículos do tipo a mais em SC - mais que o dobro do observado no
mesmo período entre 2013 e 2014.
A diminuição no ritmo acompanha o cenário nacional. Segundo
a Federação Nacional da Distribuição Automotiva (Fenabrave), foi observada uma
redução de 4,08% no número de vendas no primeiro semestre de 2014, em
comparação com o mesmo período do ano anterior.
No terceiro trimestre deste ano, o setor observou uma queda
de 7,1% frente ao terceiro trimestre de 2013, conforme a Associação Brasileira
dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e
Similares (Abraciclo).
- Tanto o mercado de motos quanto o de carros explodiram nos
anos 2000 e agora estão saturados, mas não há como prever se haverá mais
crescimento daqui para a frente. Até porque, por conta da falta de investimento
no transporte público, as pessoas continuam buscando o transporte individual.
Em Florianópolis, por exemplo,50% das pessoas preferem carro e moto a ônibus -
analisa Werner Kraus Jr., professor no Departamento de Automação e Sistemas da
UFSC.
Custo-benefício é
positivo, mas desafia segurança e saúde pública
Quem depende de um transporte coletivo ineficiente mal vê a
hora de se livrar dos ônibus e vagões lotados, dos veículos precários e da
falta de opções durante a noite, por exemplo.
- É uma realidade influenciada tanto pela falta de políticas
públicas quanto pelo desinteresse dos gestores do transporte - afirma o
professor Werner Kraus.
Segundo uma pesquisa feita pela Associação Brasileira de
Fabricantes de Motocicletas e Similares (Abraciclo) em 2012, quatro em cada dez
novos motociclistas afirmaram ter adquirido o veículo para se livrar do
transporte público.
Mesmo o baixo custo deixou de ser um argumento - hoje é
possível adquirir uma moto simples com um investimento diário igual ou menor
que o valor de duas passagens de ônibus.
- Até as propagandas gostam de mostrar como é fácil
financiar uma moto usando apenas o valor das passagens - ressalta a professora
Luciana Pereira.
O investimento menor, entretanto, esconde uma dificuldade
extra para a saúde pública. Embora os veículos sobre duas rodas representem
cerca de 23% da frota catarinense, 42% dos feridos graves nas rodovias federais
do Estado (principalmente na BR-101 e a BR-470) estavam em acidentes com motos.
Segundo levantamento da Polícia Rodoviária Federal (PRF),
são 2,6 feridos graves por dia. Nas rodovias federais, Foram 59 mortes apenas
nos primeiros seis meses do ano de 2014.
Os dados se repetem também dentro das cidades. Estatísticas da Seguradora DPVAT mostram que, no primeiro trimestre de 2014, os motociclistas representaram 74% das indenizações pagas no país. Neste mesmo período, foram pelo menos 55 mil indenizações por invalidez permanente de motociclistas com idades entre 18 e 34 anos.