24/01/2014 07:10 - O Globo
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RIO - A viagem até a estação Deodoro da SuperVia, pelo ramal
de Japeri — um dos mais movimentados da rede —, foi num trem antigo, e os
problemas começaram ainda na plataforma da Central do Brasil. Sem um painel com
o horário das partidas, passageiros ficavam perdidos. Ontem, a composição com
ar-condicionado que deveria seguir para Japeri foi substituída por uma antiga,
sem refrigeração, quando as pessoas já estavam acomodadas nos vagões
recém-reformados. E a informação sobre a transferência, pelo sistema de som da
estação, mal pôde ser ouvida pelos usuários. Depois de muita espera e do
transbordo, o trem partiu, às 9h, com atraso de 15 minutos.
Repórteres do GLOBO embarcaram acompanhados pelo engenheiro
mecânico e de segurança Jaques Sherique, diretor do Clube de Engenharia do Rio
e consultor do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-RJ). Durante a
viagem de duas horas (ida e volta), o especialista apontou várias falhas que,
na sua avaliação, podem causar mais acidentes como o descarrilamento de
quarta-feira, que paralisou o sistema por até 13 horas.
Marinheira de primeira viagem, Wanda de Almeira, de 65 anos,
seguia com o neto, Djalma Guerra, de 16, para Nova Iguaçu. Perdido, o jovem a
todo instante tentava ver em que estação o trem estava.
— Estou achando a experiência péssima. Não há um
alto-falante para anunciar a estação seguinte. Só um painel confuso, com tantas
linhas e estações que não dá para saber direito onde estamos. Já perguntei ao
meu neto aonde vamos parar se passarmos de Nova Iguaçu — disse Wanda.
Falta de informação
também é problema
A falta de informação era só o primeiro de muitos outros
problemas. A viagem desconfortável foi cheia de solavancos, que, segundo
Jacques, comprovam o desgaste do sistema.
— Este barulho de rangido metálico é resultado do atrito da
roda com os trilhos e mostra o desalinhamento da via permanente. Também provoca
um desgaste da roda, que precisa ser trocada com o tempo. Percebe-se que é uma
linha antiga, sem conservação. Isso pode ter sido a causa do descarrilamento de
ontem (anteontem) — afirmou o engenheiro.
Mais um balanço e um barulho forte. O engenheiro logo
comentou:
— O sacolejo é até normal, mas tanto impacto assim quando o
trem atinge uma velocidade maior mostra que os dormentes estão desalinhados.
Esta batida não é normal. Pode ser também "roda quadrada”, quando um lado se
desgasta mais do que o outro. Fatores que também podem provocar um acidente a
qualquer momento.
No desembarque em Deodoro, os problemas apontados pelo
engenheiro durante a viagem ficaram nítidos. Basta um olhar atento para
perceber os trilhos desgastados, os dormentes partidos ao meio ou inexistentes.
Também se pode constatar a falta de parafusos de fixação dos dormentes nos
trilhos.
— A falta dos parafusos é que deixa o trilho solto. O
projeto original, como se pode ver, exigia três parafusos. No caso, só utilizam
um. Agora, não ter nenhum é perigoso. Além disso, a via está cheia de
depressões. Por isso tantos solavancos — disse Jacques.
Na estação Silva Freire, durante a viagem de volta, outra
falha do sistema ficou evidente: a distância entre o trem e a plataforma é de
cerca de 25 centímetros, quando deveria ser de no máximo dez.
— Em São Cristóvão, também é assim. Já caí duas vezes e só
não morri porque passageiros me salvaram. Mas fiquei toda ralada. Com o trem
cheio, não dá nem para ver o vão entre o vagão e a plataforma — contou Glória
de Fátima da Silva, de 54 anos.
De volta à Central do Brasil, o problema parece ainda mais
grave. Além do vão, o trem é bem mais alto que a plataforma. É preciso redobrar
a atenção no momento de deixar o vagão. Ontem, uma senhora quase caiu, mas três
mulheres a seguraram.
A SuperVia informou por e-mail que, desde o início da nova
gestão da concessionária, em 2011, foram trocados 70 mil dormentes, 80
quilômetros de cabos e 107quilômetros de trilhos. Nos próximos cinco anos,
segundo a concessionária, os outros 600 mil dormentes de madeira da rede serão
trocados. A empresa acrescentou que os dormentes são inspecionados
semanalmente.
Quanto à renovação da frota, a concessionária lembrou que o
estado adquiriu 120 carros, que entraram em operação em 2012, e licitou a
compra de outros 280, a serem entregues gradativamente a partir de abril deste
ano. Mais 80 carros, segundo a SuperVia, estão sendo montados nas instalações
da empresa, em Deodoro, devendo começar a circular a partir de março deste ano:
"O panorama até 2016 é que a frota de trens seja cem por cento refrigerada, com
todos os trens fabricados em aço carbono aposentados, e um total de 884
carros”.
Em relação aos desníveis entre trem e plataforma, a SuperVia
alegou que sua frota atual é composta por 14 tipos de trens, com alturas e
larguras distintas. Com o plano de renovação da frota, a previsão é que até
2016 sejam seis modelos diferentes em circulação: "O investimento em reforma de
estações, junto com a aquisição de novas composições, possibilitará a redução
desse desnível e facilitará o embarque e desembarque de passageiros”.
A respeito do descarrilamento ocorrido de quarta, a SuperVia
disse que aguarda o resultado da perícia, realizada por técnicos internos e
auditores externos, sobre as possíveis causas do acidente.
SuperVia tem 25% de sua frota com 50 anos ou
mais
Padrão
internacional fixa em 25 anos o tempo de vida útil de um trem
RIO - Embora o padrão internacional considere 25 anos o
tempo de vida útil de um trem, a SuperVia tem 49 deles, ou seja, 25% de sua
frota, com 50 a 60 anos de uso. Construídas em aço carbono, essas composições
oxidam com muito mais facilidade do que as das gerações posteriores, feitas de
aço inox, e não contam com ar-condicionado. A concessionária promete retirar de
circulação todos trens fabricados entre 1954 e 1964 ainda este ano.
A frota com 190 composições conta ainda com 47 produzidas em
1980; 44 em 1990; 20 coreanas, datadas de 2005; e 30 chinesas, fabricadas em
2011. Há mais "antiguidades” nos 270 quilômetros de trilhos que atravessam o
Rio de Janeiro. São 400 estruturas elétricas como a que caiu anteontem após a
colisão de um trem descarrilado, grande parte delas com cerca de 80 anos. A
nova gestão da SuperVia, iniciada em 2011, já trocou cem delas.
Décadas sem
investimento
A sinalização também vem sendo revitalizada, compromisso
incluído no contrato de concessão, a partir da compra de um novo equipamento, em
fase de testes, que a automatizará. A SuperVia afirma que, com isso, vai
reduzir o intervalo entre os trens.
Para Hostílio Ratton Neto, professor em engenharia de
transporte da Coppe, a sucessão de problemas no serviço dos trens é reflexo de
décadas sem investimento. Mas há outros problemas:
— Acabamos descarregando em cima dos transportes a culpa por
tudo que os demais não fizeram. A questão principal é que não temos
planejamento urbano que dê uma lógica mínima ao espaço. Proibiu-se, durante
muito tempo, a moradia no Centro da cidade, por exemplo. Sem uma
descentralização, continuaremos tendo uma quantidade enorme de pessoas em
deslocamentos pendulares em horários semelhantes. Não há sistema que dê conta
disso.
‘É um sistema que vem ganhando credibilidade’,
diz Pezão sobre trens
Vice-governador
diz que foi ‘triste deixar mais de 600 mil passageiros andando na linha do
trem’
RIO - Um dia após o caos provocado pelo descarrilamento de
um trem, o vice-governador Luiz Fernando Pezão afirmou nesta quinta-feira que o
sistema de trens do Rio vem ganhando credibilidade e que isso é demonstrado
pelo aumento no número de passageiros. Ele afirma que, desde que o governador
Sérgio Cabral assumiu o cargo, em janeiro de 2007, o número de pessoas que
utilizam os trens saltou de 300 mil para cerca de 650 mil. O vice-governador se
negou a dizer se manterá o secretário de Transportes, Júlio Lopes, quando
assumir o governo. Cabral deixa o cargo no dia 28 de fevereiro, quando Pezão
passará a exercer a função de governador, com o objetivo de concorrer à
reeleição.
Pezão defendeu a SuperVia, declarando que o sistema sofre a
consequência de 40 anos de abandono e que não se recuperam mais de 400
quilômetros de linhas de uma hora para a outra. Ele disse, no entanto, que cada
vez mais a empresa vai ter que melhorar seus serviços. Em 2010, o governador
Sérgio Cabral renovou a concessão do sistema de trens do estado com a
concessionária até 2048.
- O acidente que teve de parar todas as linhas é um
problemaço hoje no Rio, haja ônibus, haja metrô para transportar isso tudo. Mas
é um sistema que vem ganhando credibilidade. A gente sabe, é antigo, está sendo
reformado, mas a gente vê uma luz no fim do túnel. Acredito que, a cada ano,
vamos melhorar cada vez mais todos os sistemas, tanto o metrô quanto as barcas
e o transporte ferroviário - afirmou o vice-governador, após participar de um
encontro com o deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade-SP), no
Palácio Guanabara.
Perguntado se achava que a falha da SuperVia na quarta-feira
foi grave, Pezão respondeu:
- Claro que foi. Foi triste você deixar mais de 600 mil
passageiros andando na linha do trem, não tem ônibus imediatamente. Cada vez
mais a empresa vai ter que melhorar os seus serviços.
Sobra a falta de informações para os passageiros durante a
pane, o vice-governador afirmou que a Agência Reguladora de Serviços Públicos
Concedidos de Transportes Aquaviários, Ferroviários, Metroviários e de Rodovias
do Estado do Rio (Agetransp) está cobrando a SuperVia, e que isso é um
processo.
- É claro que a gente quer mais velocidade em tudo. Agora, a
gente também não pode achar que não houve avanços e melhoras - afirmou Pezão,
sem falar em punições para a SuperVia porque essa questão seria com a agência.
Pezão frisou que o estado está renovando a frota de trens,
com investimentos de US$ 600 milhões nos últimos sete anos. Mas, citou que a
SuperVia também tem investido no sistema:
- A SuperVia fez muitos investimentos. Se você for no centro
de comando e controle que existia na SuperVia e o que tem hoje, ali mostra os
investimentos que foram feitos. É claro que tem muito a ser feito. Não se
conserta 40 anos em sete.