Empresas flexibilizam horários por mobilidade

28/08/2014 07:15 - Valor Econômico

Como ficou claro nos dias de jogos do Brasil durante a Copa do Mundo, o fluxo intenso de pessoas se locomovendo em um horário específico é um dos principais problemas nas grandes cidades. A situação piora em regiões com alta concentração de prédios comerciais e escritórios e, em razão disso, mais empresas têm adotado políticas relacionadas à mobilidade.

Uma solução inicial tem sido a semiflexibilização do expediente, que permite ao funcionário ter mais autonomia sobre a própria rotina sem que a companhia perca controle dos horários de seus profissionais.

De mudança marcada para uma nova sede em São Paulo, o grupo segurador BB e Mapfre decidiu por esse caminho. A empresa, que hoje tem uma sede com 800 empregados na avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini - região campeã de reclamações quando o assunto é mobilidade -, vai se mudar em junho do ano que vem para um edifício no bairro do Morumbi. Lá, vai receber profissionais de outros prédios e, assim, concentrar cerca de 2.000 pessoas. "A mudança nos fez questionar várias coisas, mas foi uma dificuldade que gerou muitas possibilidades", diz Cynthia Betti, diretora de RH.

Em março deste ano, a empresa passou a permitir que um grupo "piloto" de 190 pessoas escolhesse um horário de entrada entre 7h e 11h. Uma vez decidido, o horário é adotado em todos os dias da semana, com exceção de quando há rodízio do carro. A decisão é tomada pelo funcionário com o chefe direto, que assim pode organizar a rotina da equipe. "Ao desenhar os programas, conversamos com os executivos para sentir quais áreas estavam mais prontas para a prática", diz Cynthia. A área comercial, por exemplo, já possui um horário próprio, pois atua boa parte do tempo fora do escritório. Já o RH foi o último a escolher seus horários, para que o atendimento ao resto da empresa não fosse comprometido. A intenção agora é abrir a possibilidade para todos os funcionários do prédio.

A prática funciona como a primeira fase de um processo de políticas de mobilidade que busca "olhar mais para dentro de casa". Segundo Cynthia, o próximo passo é instituir um regime misto de trabalho remoto. Como o novo prédio do BB e Mapfre terá menos vagas de estacionamento disponíveis, a empresa também fez uma parceria com o site de caronas Caronetas, estuda a possibilidade de ter ônibus fretados junto com outras empresas e está mapeando o percurso dos funcionários para facilitar que eles se organizem em caronas - aqueles que usarem o carro para transportar mais pessoas terão acesso a uma vaga no novo prédio.

Para Andrea Leal, consultora de políticas públicas do Banco Mundial e do World Resources Institute (WRI), o interesse das empresas por práticas que facilitem a mobilidade corporativa vem crescendo de forma significativa. "Elas percebem que os funcionários estão cansados e que se interessam muito por essas alternativas", diz. Além disso, trata-se também de uma oportunidade de cortar custos - ao retirar a ajuda para estacionamento do pacote de benefícios -, de reduzir o estresse e adicionar o impacto positivo nas emissões de gases como mais um item nos seus relatórios de sustentabilidade.

Flexibilizar o horário de entrada é uma das formas de facilitar, em especial, a adoção do transporte público. Um levantamento feito pelo Banco Mundial com 377 funcionários de empresas da região da Berrini revelou que 28% dos que gostariam de trocar o carro por transporte público o fariam se tivessem a possibilidade de entrar e sair em horários que fugissem do "rush" nos ônibus, trens e metrôs. "Uma das grandes reclamações é que o transporte público é muito cheio em horários de pico", diz.

Outra ação que diminuiu bastante o número de profissionais que vão de carro ao trabalho foi o pagamento integral do vale-transporte pela empresa, bem como a oferta de fretados sem desconto no salário. Organizado pelo Banco Mundial, um projeto piloto de mobilidade urbana teve a participação de dez empresas da Berrini e terminou em setembro do ano passado com a diminuição, em média, de cinco pontos percentuais do número de carros usados. Aquelas que adotaram mais práticas e incentivos, no entanto, viram redução de até 20 pontos percentuais no número de funcionários que dirigem até o trabalho.

Um novo projeto, agora capitaneado pelo WRI, é o Plataforma Conexões do Rio Pinheiros, em fase inicial, com cerca de 20 empresas. O Banco Santander, que em 2011 se mudou para uma torre onde circulam diariamente cinco mil profissionais na Marginal Pinheiros, participa do projeto como exemplo mais completo de práticas de mobilidade, segundo Andrea. "Havia um mito, quando nos mudamos para o atual edifício, que ia demorar 40 minutos para sair da garagem", diz Edmar Coletti, superintendente de projetos, serviços e atendimento do banco. Uma série de práticas para evitar esse cenário foi adotada, a começar pelo expediente flexível similar ao do BB e Mapfre. "Ajuda muito não só com o trânsito, mas também na logística do elevador e dos restaurantes", diz Coletti.

Ele considera que, ainda mais eficaz nesse sentido, foi a decisão de tornar o prédio o mais "conveniente" possível. Na torre, foram instaladas academia, salão de beleza, centro médico com consultas em horários alternativos e cinco restaurantes, além de lojas itinerantes, como um comércio de chocolate na época da Páscoa. Ao não cobrar o aluguel das lojas, o banco consegue que os produtos e serviços tenham preço menor. Ele estima que por volta de mil pessoas fiquem no local até mais tarde diariamente nessas atividades.

A empresa também tem linhas de ônibus fretados, bicicletário com vestiário e sistema de carona "amiga", que destina cerca de 500 vagas, das 1.800 do prédio, àqueles que se cadastram como motoristas de grupos de funcionários. A ação mais recente foi disponibilizar 30 vagas rotativas para carros de fora do banco que passam diariamente para dar carona aos empregados, além da instalação de mais salas de videoconferência, que diminuíram o número diário de corridas de táxi de 600 para 150. "Todas essas práticas se somam e ajudam a desafogar a rua", diz.

A indústria química Dow adota a prática de semiflexibilização desde 2008. Os cerca de 900 profissionais podem chegar à sede da empresa, em São Paulo, a partir das 7h, também após acordo com o chefe direto e o resto da equipe. A companhia adota ainda práticas como o trabalho remoto em um dia da semana e a "short friday", que permite que o empregado saia da empresa mais cedo no último dia útil da semana. "Deixar de se preocupar com o trânsito e melhorar o equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional são formas de ser mais produtivo", afirma a diretora de recursos humanos, Susannah Thomas.

Dar liberdade para que os funcionários possam escolher a hora de chegar ao trabalho não é uma medida exclusiva de grandes empresas. Na Companhia de Idiomas, com apenas 20 funcionários na sede administrativa, em São Paulo, a prática já existe há mais de dez anos. A sócia-diretora Rosângela Souza diz que o principal critério para os profissionais decidirem o horário de entrada entre 6h45, quando a empresa abre, até as 10h, é o trânsito - independentemente de uso de carro ou transporte público. Quase todos preferem chegar perto das 7h ou depois das 10h. "Qualidade de vida é você escolher o que fazer com o seu tempo", diz.

Bicicleta é opção para chegar ao trabalho

Há alguns anos, quando morou em San Ramon, cidade americana próxima de San Francisco, Fabiana Schaeffer se acostumou a usar a bicicleta para "fazer tudo". Ao voltar dos Estados Unidos, há 14 anos, pretendia adotar o mesmo hábito em São Paulo. "Fui desestimulada. Todo mundo dizia que aqui era um horror, que eu iria morrer", lembra.

O projeto ficou adormecido até o início deste ano, quando ela precisou emprestar o carro para uma pessoa próxima por duas semanas. Nesse tempo, com o incentivo do marido, de um cliente e de um colega de trabalho, passou a pedalar para percorrer o trajeto de três quilômetros entre sua casa, em Moema, e o escritório, na Vila Olímpia. O percurso, que de carro demorava de 45 minutos a uma hora, de bicicleta leva entre 10 e 15 minutos.

Fabiana afirma que, de fato, percebeu diferenças entre pedalar na capital paulista e em cidades do exterior. "Falta a cultura do uso e não há regulamentação. Lá fora, o ciclista também tem regras a cumprir. Minha bike nos EUA tinha até placa." Nas ruas de São Paulo, não abre mão do colete brilhante e do capacete.

Hoje com 43 anos de idade, é sócia do irmão na agência de comunicação Netza. Ao andar de bicicleta, calça tênis e veste roupa de ginástica, que troca pelo traje mais formal de trabalho quando chega à empresa. Em dias de muito calor, toma um banho antes de colocar a vestimenta de executiva. "Temos um vestiário no escritório para todos os funcionários e colaboradores", diz.

Incentivar o uso da bicicleta é política na Salve, agência de marketing digital. "Toda empresa reflete o dono", considera James Scavone, de 39 anos, um dos quatro sócios. Adeptos do meio de transporte, eles analisaram o mapa de São Paulo antes de se decidirem pela localização do escritório, há cerca de seis anos. "Situamos potenciais clientes e posicionamos a sede em um local acessível, no Itaim", afirma. No prédio, conseguiram transformar uma das sete vagas para carros em bicicletário.

De sua casa até o trabalho, Scavone contabiliza três quilômetros "praticamente em linha reta". Em busca de mais espaço, a agência vai se mudar para outro edifício na mesma região, com bicicletário e vestiário.

Trocar o carro pela bicicleta foi uma decisão que influenciou até seu jeito de trabalhar e fazer negócio. "Traçando um paralelo com a agência, trata-se de pensar diferente." A cultura de se locomover de modo mais sustentável é importante até na hora de selecionar e reter profissionais. "Pessoas com uma filosofia parecida com a nosso acabam permanecendo por mais tempo", diz Scavone.