05/09/2015 08:08 - O Globo
WASHINGTON FAJARDO
Em recente entrevista, o empresário Carlos Carvalho
questionou como poderiam os pobres habitar os empreendimentos imobiliários da
Barra da Tijuca. Rapidamente, sua afirmação, ou sua dúvida, recebeu pronta
resposta, da vida política à organização dos Jogos Olímpicos. Causou ojeriza.
Virou meme nas redes sociais.
Semana passada, o neurocientista americano, negro, Carl Hart
teria sido barrado ao entrar em um hotel em São Paulo. O fato imediatamente
converteu-se em viral até o próprio vir a público esclarecer que não teria
havido ação discriminatória contra ele, mas fez um alerta: que curiosamente só
notamos abertamente o racismo quando ocorre com alguém com certa notoriedade.
Tamanhos são a injustiça, a impunidade e o racismo na nossa
sociedade que estamos sempre a buscar alguém, um outro, que possa representar
ora o mal, ora o injustiçado, para expiar nossos males. Há uma Geni necessária.
Sempre. Certa vez, em um artigo, o psicanalista Jurandir Freire Costa nomeou
estes processos de "feriados morais”.
Mas, me diga, onde estão os pobres no seu bairro? Ou mudemos
um pouco o ângulo: onde estão os trabalhadores de menor renda? Ou: onde estão
os negros nas cidades?
Numa cidade como o Rio de Janeiro, enganadora pela oferta
generosa de espaços públicos, onde estariam?
De modo inversamente proporcional, buscamos em projetos
urbanísticos especiais a expiação dos nossos males territoriais e perdemos o
foco de como é fundamental organizarmos a gestão cotidiana da política urbana,
na direção da integração territorial e social.
Há décadas o planejamento urbano no Brasil desconsidera a
possibilidade de reunir todos nós, em nossas diferenças sociais, no mesmo
lugar. Assim como o transporte público serve a diferentes grupos sociais. Assim
como é mal distribuída a qualidade dos espaços públicos.
Tal qual o Estado de Direito, é necessário um "território de
direito”, promovido pela lei urbanística. Esse será conquistado, viabilizado,
pela adoção de inúmeras novas práticas, e não apenas com uma solução dourada.
Tampouco uma linha político-ideológica específica bastará.
Basta observarmos que no quarto termo de um governo federal, de forte ênfase
social, não só tivemos a danosa concepção urbanística segregacionista para a
habitação popular, o Minha Casa Minha Vida, como agora temos também o colapso
da economia.
A resposta está em colocarmos em ação técnicas de zoneamento
inclusivo, de políticas habitacionais que priorizem acesso à cidade; em adotar
políticas de locação social, e não somente a geração de propriedade privada; em
combater a ociosidade e a degradação de propriedades públicas e privadas; em
combater imóveis fechados por décadas; em reabitarmos as regiões centrais; em
definirmos metas de produção de moradia acessível, por bairros; em ocuparmos
com melhor qualidade, com mais densidade, e com melhor espaço público, os
corredores de transporte de alta capacidade.
A terra urbana em áreas centrais é obviamente mais cara,
tornando mais onerosa a produção de moradia social; logo, melhor seria que este
estoque criado mantenha-se como propriedade do Estado, como ativo urbano, de
modo que diferentes gerações ao longo do tempo possam dela usufruir através da
locação social. Mas se o conceito e a sua explicação são simples, a sua
implementação requer gestão criteriosa, subsídios e a criação de novas
autoridades públicas.
O Rio de Janeiro pode dar uma avanço significativo nesta
área com a criação da Imobiliária Social.
Mas quem quer discutir gestão se nossos problemas podem ser
resolvidos com discursos doutrinários? Atualmente, nem os discursos fazem mais
sentido…
Será com um processo contínuo de agenciamento do território
urbano — enfatizando a qualidade da gestão e com a aplicação de, nem tão novos
assim, instrumentos urbanísticos — que começaremos a resolver a desintegração
do corpo social nas cidades.
Os "feriados morais” nos afastam das práticas cotidianas que
visam a realidades melhores, mais justas, para uma cidade mais acessível, onde
os diferentes possam estar mais juntos, morando, circulando, divertindo-se,
buscando a felicidade.
É necessária uma nova prática urbana fundada em planejar a
boa cidade, que é a cidade que já temos, imperfeita, mas que contém respostas
dentro de si.
Não são necessárias grandes revoluções políticas ou novas
teses sociais. Necessário é fazer, ousar, monitorar, acompanhar, debater,
revisar, refazer.
É possível começar imediatamente, já na próxima
segunda-feira.
Mas espere aí: segunda é feriado da Independência…
Washington Fajardo é
arquiteto e urbanista