31/07/2015 06:00 - O Globo
A SuperVia admitiu ontem que autorizou um trem a passar
sobre o corpo de um homem que havia sido atropelado na estação de Madureira. O
Centro de Controle Operacional da SuperVia autorizou a passagem de um trem
sobre o corpo de um homem que havia sido atropelado momentos antes, no fim da
tarde de terça- feira, próximo à estação de Madureira. Ontem à tarde, a
concessionária divulgou uma nota na qual informou que a decisão foi tomada "em
caráter absolutamente excepcional”, e destacou que a composição que trafegou
sobre o morto "tinha altura mais que suficiente para fazê- lo sem risco de
atingir e vilipendiar a vítima”. Um vídeo compartilhado em redes sociais,
gravado por um passageiro, mostra um controlador de tráfego fazendo sinal com
as mãos para o maquinista seguir viagem.
O corpo de Adílio Cabral dos Santos estava até ontem no
Instituto Médico- Legal ( IML). Ele, que era vendedor ambulante e entrou na
linha ferroviária sem autorização, não levava documentos e foi identificado por
meio de exame papiloscópico ( digitais).
Segundo a polícia, Adílio, que tinha 33 anos, foi atropelado
após pular o muro da linha ferroviária — ele se dirigia à estação de Madureira,
onde costumava vender balas. A SuperVia lamentou o ocorrido, mas, em seu
comunicado, afirmou que ‘‘ o episódio é consequência de um problema de
infraestrutura causado pela falta de isolamento da malha ferroviária’’.
Ainda de acordo com a concessionária, a circulação foi
liberada com segurança por agentes da empresa no local, e diante do "risco de
se criar um problema maior e mais grave com a retenção de diversos trens”.
‘‘ Havia três trens lotados ( com cerca de seis mil passageiros,
no total) impedidos de seguir viagem. A paralisação da linha criaria
transtornos para toda a movimentação do horário, quando viajam cerca de 200 mil
pessoas pelo sistema. Passageiros retidos em trens parados tendem a descer
irregularmente na linha, aumentando riscos de incidentes, como já ocorreu
outras vezes’’, diz um trecho da nota da SuperVia.
As justificativas da concessionária não foram aceitas pela
aposentada Eunice Feliciano, tia de Adílio, que o criou.
— Foi um absurdo o que fizeram com Adílio. Foi totalmente
desumano — desabafou Eunice, acrescentando que, nas imagens gravadas no local
do atropelamento, fica claro que o operador de tráfego sabia exatamente o que
estava fazendo.
Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos
Advogados do Brasil, Marcelo Chalréo disse que ficou chocado ao ver as imagens
do trem passando por cima do corpo de Adílio:
— É a naturalização da morte, do desprezo ao corpo. Foi uma
atitude bárbara. Poderíamos estar diante de um homicídio, de alguém que tenha
sido jogado sobre o muro para ser atropelado. Passar por cima do corpo sem
perícia? Funcionários, sejam terceirizados ou não, precisam ser bem treinados,
bem orientados.
Secretário diz que
conduta é inaceitável e cobra punição
Agetransp e Polícia Civil abrem investigações; maquinistas e operadores
de tráfego serão ouvidos
O secretário estadual de Transportes, Carlos Roberto Osorio,
disse ontem que acionou a Agetransp, agência reguladora do setor, para apurar
as circunstâncias da morte de Adílio Cabral dos Santos, que ocorreu às 17h de
terça- feira.
— Falei com o presidente da Agetransp, e ontem mesmo (
quarta- feira) foi aberto um procedimento de investigação. Nós queremos saber
com detalhes toda a sequência de eventos que se deu nessa autorização para um
trem passar sobre um corpo na via, o que é desumano — disse Osorio.
Ainda de acordo com o secretário, a Agetransp vai ouvir o
Corpo de Bombeiros, que informou só ter sido acionado pela SuperVia às 19h15m
para recolher o cadáver. Passageiros disseram que, no total, três composições
passaram por cima do corpo, o que foi negado pela SuperVia.
— O caso será devidamente apurado. O centro de controle tem
a visão de tudo que acontece no sistema, do que há em cada trilho. É ele que dá
o comando ao maquinista. Se aquele trem estava irregularmente naquele trilho,
alguma falha aconteceu. Nós precisamos entender quem deu a autorização para que
o trem prosseguisse, mesmo com o corpo na via. Isso tudo será investigado pela
agência independente, e a nossa determinação é que haja punição rigorosa para
aqueles que causaram esse incidente, que é inaceitável — afirmou Carlos Osorio
ao site de notícias G1.
A morte de Adílio e a suposta omissão de socorro também
estão sendo apuradas pela 29 ª DP ( Madureira). De acordo com a Polícia Civil,
maquinistas e operadores de tráfego deverão prestar depoimentos hoje na
delegacia. Imagens de câmeras de monitoramento do sistema feroviário foram
solicitadas à SuperVia.