31/07/2015 07:00 - Folha de SP
A questão da identidade\diferença se tornou o elemento chave
na maioria dos conflitos sociais existentes: expulsão por Israel e por sul
africanos de trabalhadores estrangeiros; violência letal do Estado Islâmico
contra fiéis de outras religiões ou vertentes distintas do Islã; proibição do
uso de símbolos da fé na França; violência policial e judicial contra os negros
nos EUA; expulsão de muçulmanos de países com maioria budistas, tais como
Bangladesh e Mianmar; o assassinato crescente de jovens negros e pobres no
Brasil e violências afins.
Desde o século 18, especialmente, dois grandes temas
dominaram o cenário político, econômico e cultural das sociedades ocidentais: a
questão da liberdade –e, por extensão, a defesa dos direitos individuais; e a
questão da igualdade. Antagonizadas no passado, elas são direitos inseparáveis
no contemporâneo.
A elas precisamos adicionar outro termo: o que seria nos
tempos atuais a "fraternidade" da Revolução Francesa, a menos
conhecida, discutida e praticada das palavras de ordem dos revolucionários de
então? Traduzimos, numa perspectiva política, a expressão como o Direito da
Convivência.
Sem ele, não se torna possível afirmar os inevitáveis
pertencimentos aos grupos sociais –etários, religiosos, étnicos, de gêneros, de
orientação sexual– e, ao mesmo tempo, vivermos a comunhão que exige a condição
de seres da mesma espécie humana.
A prefeitura do Rio de Janeiro está iniciando o Planejamento
Estratégico da cidade para os próximos 50 anos. Isso exige saber que cidade e
que cidadão queremos. Três direitos devem estar nos seus fundamentos: os
individuais; um patamar básico de dignidade para todos; e, mais do que nunca, o
direito de conviver com a diferença de forma ética e solidária.
A individualização crescente da vida urbana, especialmente
nos bairros formais, leva muitas pessoas a viver dominadas por uma lógica
particularizada de vida, se relacionando apenas com os mesmos e tendo uma
atitude temerosa ou hostil com os outros.
Uma cidade não pode se construir na clivagem entre nós e
eles. Precisamos viver plenamente o direito à mobilidade. Criarmos condições
para que todos tenham meios de circular pelos seus diferentes territórios e
equipamentos, que se sintam pertencentes à cidade como um todo e não apenas a
um determinado lugar social, cultural ou econômico.
O direito de conviver pode ser identificado, mensurado e\ou
construído como política pública. Seus indicadores são: os níveis de mobilidade
urbana dos indivíduos; as formas de uso e regulação dos espaços públicos da
cidade; os resultados de meios de mediação de conflitos para lidar com as
intolerâncias; a diminuição do número de encarcerados; a diminuição da
violência letal; o resultado de políticas que ampliem os meios de convivência
social no conjunto da cidade, particularmente para os idosos.
A oferta de equipamentos e serviços públicos, embora
fundamentais, são insuficientes para garantir a qualidade de vida urbana em
todas as suas possibilidades. Políticas públicas centradas no estímulo da
convivência nos permitirão viver nossa plena humanidade, e aprender a lidar de
forma mais sábia com as diferenças.
JAILSON DE SOUZA E SILVAé professor da UFF e diretor do Observatório de Favelas.
ELIANA SOUSA SILVA é
diretora da Redes da Maré e da Divisão de Integração Universidade Comunidade -
DIUC\UFRJ