Mulheres ciclistas são minoria nas ruas de São Paulo, segundo pesquisa

04/10/2015 08:15 - Folha de SP

Em seu cotidiano, a designer gráfica Renata Mesquita, 37, só usa o carro em situações específicas: quando chove, quando as distâncias realmente são muito longas ou quando está cansada demais para pedalar -o que parece ser raridade.

"A minha vida gira em torno da bicicleta, faço tudo com ela e me sinto muito bem", diz Mesquita.

A designer é minoria entre os que pedalam na capital paulista. De acordo com uma pesquisa inédita sobre o perfil de quem usa bicicleta, realizada pela Ciclocidade (Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo), apenas 14% dos usuários habituais são do sexo feminino. O levantamento ouviu 1.804 ciclistas.

O universo dos paulistanos que andam de bicicleta é formado majoritariamente por homens entre 25 e 34 anos, e os motivos apontados para a baixa porcentagem de mulheres vão de sensação de insegurança ao uso de salto alto.

"O que explica muito a diferença é a divisão desigual do trabalho entre homens e mulheres", diz Ana Carolina Nunes, uma das coordenadoras da pesquisa. "A mulher tem atribuições que exigem mais deslocamentos, e planejá-los é mais difícil para elas."

Para a ativista Talita Noguchi, 29, sócia-proprietária do bar e bicicletaria Las Magrelas, a diferença é reflexo de uma estrutura social excludente. Na periferia, o número de mulheres ciclistas cai para 9%.

"Discute-se pouco esse recorte de gênero dentro de vários âmbitos da sociedade, inclusive na mobilidade. Se a mulher não faz coisas, não é porque não quer, mas porque falta estrutura e discussão", diz Noguchi.

Ela também é uma das fundadoras do Pedalinas, um dos coletivos femininos de ciclistas de São Paulo. Esses grupos se reúnem como forma de incentivar as mulheres a usarem mais a bicicleta em seus trajetos.

ELAS NO PEDAL

O encontro das Pedalinas acontece todo primeiro sábado do mês, às 15h, na praça do Ciclista, na Paulista.

O mesmo fazem grupos como o Girls Night Ride, Saia na Noite e o Pelotão das Minas, organizado pela designer Renata Mesquita desde janeiro deste ano. As reuniões das "minas" acontecem todas as quartas-feiras, das 7h às 8h30, na ciclovia da marginal Pinheiros.

Mesquita atribui a baixa presença de mulheres e suas bikes nas ruas ao medo da agressividade do trânsito e à falta de contato com outras ciclistas do mesmo sexo -o que foi um incentivo para a criação do grupo. Isso sem falar no assédio que recebem, que ela diz considerar ser a principal dificuldade das meninas que se colocam sobre duas rodas.

"Nós não podemos colocar um shorts mais curto para andar de bike. É muito raro eu sair de bicicleta e não levar uma cantada. Tem gente que acha que isso faz bem para o ego, mas eu acho falta de respeito."

A fotógrafa Paula Carpi, 27, diz não se incomodar tanto com as cantadas que às vezes recebe no caminho que faz de casa para o trabalho, mas evita ciclovias mal iluminadas e vazias. "Só vou se estiver acompanhada de um grupo de amigos."

Para Susana Nogueira, coordenadora do Departamento de Planejamento Cicloviário da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego), é a sensação de insegurança que mantém baixo o número de mulheres ciclistas nas ruas de São Paulo, já que elas precisariam "se sentir seguras pra se expor no trânsito".

Ana Carolina Nunes, que coordenou a pesquisa, diz que o argumento é "reducionista". "Todos querem se sentir seguros, tanto homens quanto mulheres." Para ela, o fenômeno é mais explicado por fatores sociais do que pela infraestrutura.

Segundo Nogueira, da CET, não há previsão de políticas específicas voltadas para a questão de gênero dentro do ciclismo. "Não temos que fragmentar. Entendemos que, a partir do momento que fazemos políticas públicas, elas são inclusivas e devem servir a todos os cidadãos que compõem a cidade."

Para tentar preencher essa lacuna, a Ciclocidade criou o Grupo de Estudos de Gênero. Até o começo de 2016, eles devem lançar uma nova pesquisa para compreender quais são as barreiras que impedem o crescimento no número de mulheres que pedalam regularmente na capital paulista e propor ações.