Moradores correm para vetar mudanças antes da votação do novo zoneamento

14/12/2015 08:20 - O Estado de SP

SÃO PAULO - Às vésperas da votação do novo zoneamento, um grupo de moradores da capital partiu para o ataque. Organizados em associações de bairro, eles lotam audiências públicas e colhem adesões em abaixo-assinados para barrar o que consideram inadequado no projeto de lei. A lista é longa: vai da criação de corredores de comércio em bairros residenciais à liberação de torres sem limite de altura em ruas estreitas ou na várzea de rios, passando ainda pelo temor da instalação de uma nova estação de lixo

São ao menos 25 grupos atuantes, que se mobilizam diariamente contra a aprovação da atual proposta que revisa os tipos de uso e ocupação do solo de São Paulo. Em trâmite na Câmara, a proposta foi formulada pela gestão Fernando Haddad (PT), mas precisa do aval de 37 dos 55 vereadores para virar lei – a votação está marcada para amanhã.

Apesar de distintas, as associações têm pedidos semelhantes e dividem uma mesma certeza, a de que é preciso mais tempo para debater o texto. Segundo o presidente da AME Jardins, João Maradei, ampliar o prazo é necessário para que o governo detalhe melhor as propostas. "Não sabemos até agora o que será permitido nas zonas de comércio. Não basta apresentar as exceções”, afirma.

O temor dos moradores é que a não definição dessas atividades leve bares, restaurantes, supermercados e até boates para vias como a Avenida Europa e a Alameda Gabriel Monteiro da Silva, nos Jardins, zona sul. Ambas são lindeiras a ruas residenciais. O mesmo pleito é defendido por associações do Alto de Pinheiros, Morumbi, Brooklin Velho e Planalto Paulista.

"O ideal seria a retirada dessas Zonas Corredor (ZCOR) criadas nos bairros residenciais. Mas, já que o governo não aceita fazer isso, pedimos ao menos que sejam limitadas as atividades permitidas para reduzir o impacto”, diz a psicóloga Nancy Cardia, do Alto da Boa Vista, na zona sul. Na Rua São Benedito, no bairro, o zoneamento proposto, ZCOR3, é o mais permissivo entre os corredores, podendo incentivar a construção de conjuntos residenciais, faculdades, edifícios-garagem e até confecções.

A publicação de uma relação que defina o que poderá ser explorado é defendida também pela Associação Comercial de São Paulo. "Isso facilitaria a convivência com os moradores. Nossa intenção não é degradar os bairros”, diz o vice-presidente, Antônio Carlos Pela.

Outros problemas independem de detalhamento. Algumas associações pedem que se mantenha a lei atual. "Temos um documento assinado por 98% dos donos das casas do Parque Previdência (zona oeste), pedindo que não mexam em nosso bairro”, diz Luiz Guilherme Bender, da Associação dos Moradores e Amigos do Parque Previdência. "Não queremos ZCOR.”

Parque. Na região do Morumbi, duas associações reivindicam a oficialização do Parque Paraisópolis, para usufruto dos moradores da segunda maior favela de São Paulo e também do Jardim Vitória Régia. "Ele usaria uma área pública e outra privada. Poderia ser como o Parque do Povo para nossa região”, diz a arquiteta Isabel Affonso.

Na Vila Jaguara, zona oeste, a solicitação é das mais difíceis. Os moradores lutam contra a abertura de uma estação de transbordo de lixo já aprovada. "A gente sabe que com ela virão os ratos, as baratas e os urubus. Isso sem falar no tráfego constante de caminhões”, diz a advogada Catarina Campagne.

Com tantos pedidos ainda sem respostas, algumas associações cogitam apelar à Justiça caso o novo zoneamento seja aprovado como está.

Haddad diz que 60% dos pleitos foram acatados

O prefeito Fernando Haddad (PT) afirmou que 60% dos pleitos apresentados pela população foram acolhidos pelo relator do projeto na Câmara Municipal, vereador Paulo Frange (PTB). Os outros 40%, segundo o prefeito, não foram aceitos porque não tinham "embasamento técnico”. A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, no entanto, afirmou que o texto proposto ainda poderá ser readequado a novos estudos e sugestões antes de ser submetido a votação.

Frange destacou que a discussão sobre os tipos de uso que serão permitidos nas ZCORs será encerrada somente após a primeira votação. O vereador, no entanto, adiantou que a lei não deverá listar, em detalhes, todas as atividades comerciais que serão permitidas nas zonas de corredor comercial, como querem as associações de bairro. Por outro lado, o relator se comprometeu a ampliar as exceções. Poderão ser vetados, por exemplo, bares e boates em áreas lindeiras às Zonas Exclusivamente Residenciais (ZERs).

Sobre a participação popular, assim como Haddad, Frange considera ter atendido o maior número de solicitações, apesar de reconhecer que não é possível contemplar 100% dos pedidos. Ao todo, mais de 40 audiências públicas foram feitas para debater o projeto.

Análise: Pressa prejudica participação popular

SERGIO REZE*

O Estatuto da Cidade lançou as bases legais para que os cidadãos tivessem a garantia da plena participação e controle social nos processos de planejamento e ocupação do território. Pelo menos na "letra da lei”. Porém, passados 15 anos, ainda temos uma longa caminhada a trilhar.

Um bom exemplo disso é o processo da revisão da lei de zoneamento, que se encontra em fase final na Câmara Municipal. Em cidades americanas, por exemplo, bem menos populosas do que a nossa, os procedimentos de planejamento e construção participativa de lei similar levam anos. Na Filadélfia, com 1,5 milhão de habitantes, o Zoning Process teve início em 2007 e foi efetivado em 2012. Em Jersey City, o Master Plan foi de 1998 a 2001. E, em Washington, com 650 mil habitantes, o processo de participação pública durou de janeiro de 2008 a maio de 2011.

Já em São Paulo, com 12 milhões de habitantes, nossos governantes pretendem realizar tal processo em pouco mais de um ano – o projeto de lei elaborado pela gestão do prefeito Fernando Haddad (PT) foi apresentado para consulta pública em outubro de 2014 e entregue, em definitivo, em junho deste ano.

O resultado até agora é um projeto mal acabado que, por causa da pressa, desconsiderou as características e as identidades locais, assim como os estudos feitos pelos setores técnicos das subprefeituras. Além disso, não permitiu à população o exercício pleno do seu direito, garantido pelo Estatuto da Cidade, de participação, decisão e controle na etapa do planejamento urbano que mais diretamente afetará a sua vida cotidiana: a lei de zoneamento.

Assim, dentre outros atropelamentos, ficaram inviabilizados os Planos de Bairros. Justo esta, a etapa que mais consideraria a "escala humana”. Uma das razões dessa pressa é a supremacia de um calendário baseado nos interesses políticos sobre um calendário que deveria ser baseado em estudos técnicos e na efetiva participação social

Isso é um problema cultural em nosso País, onde, historicamente, o público e o privado se confundem, e os interesses de quem tem maior influência se sobrepõem ao todo. Se a lei de zoneamento for aprovada com essa pressa e da forma como está proposta, teremos a perpetuação de conflitos e um retrocesso em nossa caminhada por uma sociedade mais justa e democrática.

Sergio Reze é conselheiro municipal de política urbana