04/11/2014 07:00 - O Estado de SP
Leia: UE
questiona na OMC incentivos fiscais a automóveis no Brasil - O Globo
EDITORIAL
O governo brasileiro prepara sua estratégia para uma grande
e inútil batalha, na Organização Mundial do Comércio (OMC), em defesa de uma
política industrial fracassada. Do outro lado estará a União Europeia (UE). Os
europeus denunciam como ilegais certos subsídios e medidas protecionistas.
Estão na lista incentivos à adoção de padrões de conteúdo nacional, assim como
estímulos à inovação concedidos à indústria automobilística (o programa
Inovar-Auto). Publicamente, o ministro de Relações Exteriores, Luiz Alberto
Figueiredo, exibe o otimismo previsível. Segundo ele, o regime automotivo
brasileiro é "perfeitamente compatível" com as normas internacionais
e isso será mostrado durante o exame do caso. Representantes da União Europeia
pediram na sexta-feira, oficialmente, a formação de um painel para cuidar da
disputa com o Brasil.
O pedido foi apresentado à OMC no fim do mandato do
português José Durão Barroso na presidência da Comissão Europeia. Seu sucessor,
o luxemburguês Jean-Claude Juncker, apenas tem a obrigação burocrática de levar
o caso adiante. Não tem de tomar posição sobre a disputa, porque o assunto,
entre os europeus, já foi resolvido. A abertura da ação contra a política
brasileira ocorreu sem surpresa. Quem acompanhou a evolução dessa política,
desde o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, poderia
esperar a qualquer momento uma reação dos parceiros comerciais, especialmente dos
mais desenvolvidos.
No caso do Inovar-Auto, um programa com extinção prevista
para 2017, a aposta do governo brasileiro é conhecida: em caso de derrota na
OMC, poderá recorrer e ganhar tempo até o fim dos incentivos. E daí? Qual a
vantagem para o Brasil?
O governo brasileiro mantém um amplo programa de facilidades
fiscais para vários setores e o Inovar-Auto é apenas parte de uma política
moldada segundo padrões dos anos 1950 e 1960 e destinada, naquela época, a
proteger e a incentivar um setor industrial nascente. O tempo passou, o mundo
mudou e o Brasil começou a mudar também, mas a modernização da política de
desenvolvimento foi interrompida nos últimos 12 anos. Alguns dos resultados
mais visíveis são a escassa participação brasileira em acordos comerciais de
alguma relevância, a sua dependência cada vez maior à venda de matérias-primas
para a China, os crescentes problemas de competitividade e as dificuldades da
indústria de competir até nos mercados sul-americanos.
De janeiro a outubro, as exportações de manufaturados, de
US$ 67,33 bilhões, foram 10,1% menores que as de um ano antes. Nem nos
semimanufaturados tem sido possível manter as vendas. A receita obtida com esse
grupo de produtos até outubro, de US$ 24,22 bilhões, foi 3,8% inferior à dos
meses correspondentes de 2013. Além de perder presença fora do País, a
indústria brasileira vem sendo batida no mercado interno, onde é crescente a
presença de produtos estrangeiros, como registra a Confederação Nacional da
Indústria.
O protecionismo acaba sendo inútil, quando se deixa de
cuidar da eficiência e da competitividade. Não ajuda a disputar clientes no
exterior e seu efeito no mercado interno tende a diminuir. Da mesma forma, o
estímulo fiscal à inovação acaba sendo pouco produtivo, quando a preocupação com
a eficiência é secundária.
De janeiro a agosto deste ano, a produção geral da indústria
foi 3,1% menor que de um ano antes. A de bens de capital foi 8,8% menor que a
dos oito meses correspondentes do ano passado. Nos 12 meses de 2013, a
indústria produziu 2,1% mais que no ano anterior, mas em 2012 a queda havia
sido de 2,3%. A indústria de bens de capital também está emperrada: caiu 11,2%
em 2012, cresceu 11,9% em 2013 e caiu de novo em 2014. A indústria nem cresce o
suficiente para atender à demanda interna nem investe para se ampliar e se
modernizar. Os números - tanto oficiais quanto extraoficiais - mostram de forma
incontestável o fracasso da política industrial dos presidentes Lula e Dilma
Rousseff. E o governo agora vai brigar na OMC para defender esse custoso
fiasco?