26/11/2014 08:10 - BBC Brasil
Levantamento de uma consultoria internacional colocou a
cidade de São Paulo na frente de Nova York em um ranking de qualidade de
mobilidade urbana.
Os custos relativos das passagens do transporte público e a
integração de passagens de ônibus, metrôs e trens foram os fatores decisivos do
desempenho da capital paulista. Por outro lado, a cidade teve mal desempenho na
questão dos pesados congestionamentos.
A consultoria Arthur D. Little, que elaborou o ranking
"Futuro da Mobilidade Urbana", comparou 84 cidades do mundo levando
em conta 19 critérios relativos à performance e maturidade da mobilidade
urbana.
São Paulo ficou em 34º lugar, uma posição à frente de Nova
York. As primeiras três posições foram ocupadas respectivamente por Hong Kong,
Estocolmo e Amsterdã.
Outras duas cidades brasileiras foram analisadas: Curitiba
(39 ) e Rio de Janeiro (40º).
De acordo com o estudo, uma boa frequência dos meios de
transporte público e os cartões de passagens que permitem aos passageiros
trocar de ônibus para trens e metrôs sem custo adicional foram fatores que
contribuíram positivamente para o desempenho das cidades brasileiras.
Nova York x São Paulo
Apesar de posições semelhantes no ranking, um dos
pesquisadores que participaram do estudo, François-Joseph Van Audenhove,
ressaltou que São Paulo e Nova York têm sistemas de transporte diferente.
"O sistema de mobilidade de Nova York é muito forte em
desempenho, mas deixa a desejar em maturidade", disse Audenhove à BBC
Brasil. "O de São Paulo é mais maduro, mas tem um desempenho pior que o de
Nova York."
Os fatores mais positivos encontrados no cenário de
mobilidade de Nova York foram as baixas taxas de emissão de poluição (gás
carbônico e parículas) dos meios de transporte e a baixa taxa de mortes no
trânsito que é um quinto do índice paulistano.
De acordo com a Arthur D. Little, a taxa média de mortes no
trânsito na cidade americana é de 16 para cada 1 milhão de habitantes. Em São
Paulo esse número chega a 78.
Embora o preço das tarifas tenha sido decisivo para a boa
colocação paulistana no ranking, o professor brasileiro Carlos Alberto Bandeira
Guimarães, do Departamento de Transporte e Geotecnia da Faculdade de Engenharia
Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp, acredita que este pode não ser um
bom critério para julgar sistemas de mobilidade urbana.
Isso porque o poder aquisitivo dos usuários do transporte
público varia entre os diversos países. No caso paulistano, a tentativa de
elevar a tarifa de ônibus em R$ 0,20 - estopim para protestos contra o
custo-benefício dos serviços públicos que se multiplicaram pelo Brasil - foi
considerada excessiva pelos que se opuseram ao aumento.
Audenhove destacou ainda que São Paulo teria uma divisão
mais equilibrada na divisão de modais, ou seja, o percentual de pessoas que
usam cada tipo de transporte.
Por fim, os pesquisadores americanos e o brasileiro foram
unânimes em elogiar a penetração dos cartões de trânsito, que permitem o uso
integrado de diferentes meios de transporte público.
Para o professor Guimarães, a integração dos transportes
públicos na qual o passageiro paga uma só tarifa é "a base de uma sistema
moderno de transporte público hierarquizado".
O sistema, segundo ele, deve se basear em modais básicos de
alta capacidade geralmente linhas de trens ou metrôs que são complementados por
sistemas de capacidade um pouco menor com maior capilaridade, como ônibus BRT e
monotrilhos. "Para funcionar bem é preciso uma grande integração",
disse ele.
Congestionamentos
De maneira geral, as cidades brasileiras perderam muitos
pontos nos critérios relacionados à performance do transporte, entre eles tempo
de viagem, emissões de CO2 e partículas, mortes no trânsito e tamanho da frota
de veículos.
Segundo o estudo, os congestionamentos custam a São Paulo e
Rio de Janeiro aproximadamente 8% de seu Produto Interno Bruto.
A consultoria aponta como exemplo negativo o fato de São
Paulo já ter registrado um congestionamento de 344 quilômetros em 2014 o
recorde histórico mundial, segundo o levantamento da Arthur D. Little.
A origem do problema estaria em uma cultura direcionada ao
uso dos carros. Ela teria tido início na década de 1960, quando mais vias
começaram a ser construídas, dando preferência ao transporte por automóveis.
Além disso, a tendência teria sido acentuada por políticas que diminuíam a
taxação na compra de veículos automotores.
"O maior desafio para as cidades brasileiras é repensar
o seu sistema e reorientar o caminho de desenvolvimento dos sistemas de
mobilidade urbana brasileiros, para mudar do que coloca o carro numa posição
central para o de desenvolvimento de outros meios de transporte, disse o
pesquisador Oleksii Korniichuk, gerente do Laboratório Futuro da Mobilidade
Urbana, da consultoria.
Além disso, segundo Guimarães, não houve um
"planejamento" que desse prioridade ao transporte por automóveis, e
sim um aumento natural da frota de veículos que acompanhou o crescimento das
cidades. O poder público então "correu atrás" para criar
infraestrutura para esses carros.
Segundo ele, o maior entrave à qualidade da mobilidade
urbana hoje é a baixa qualidade do transporte público no Brasil. "Tem
gente hoje que gasta de quatro a cinco horas no trânsito".
A solução, afirma, passa por melhorias de infraestrutura
complanejamento a longo prazo na área de transporte público, incentivo ao uso
de bicicletas e facilidades para os pedestres e restrições à circulação de
carros.
Oportunidade olímpica
A consultoria destacou que o legado da Copa do Mundo e dos
Jogos Olímpicos, no caso do Rio de Janeiro, pode ter um grande impacto na
colocação das cidades brasileiras no próximo levantamento.
Segundo a entidade, a criação de corredores de ônibus do
tipo BRT e de uma central de controle que integra serviços públicos, como
policiamento e defesa civil, deve aumentar a mobilidade e reduzir o número de
acidentes de trânsito na cidade.
Além disso, se as promessas brasileiras de investir mais de
US$ 1 bilhão para modernizar serviços de trens e ônibus, e diminuir o tempo
médio de viagem do aeroporto para os principais hotéis de 50 para 35 minutos, o
Rio pode dar um salto em termos de mobilidade como aconteceu com Londres nos
últimos jogos olímpicos.
"O Rio tem uma oportunidade marcante para abrir caminho
em direção a transformações positivas em seu sistema de mobilidade durante a
preparação para as Olimpíadas", disse Audenhove.
"Atores dos setores públicos e privados devem unir
forças e usar o tempo restante para aproveitar o potencial que esse mega evento
traz para a cidade. As Olímpíadas são sempre um teste sério para a mobilidade
urbana e o Rio deve estar preparado para ele."
Segundo Guimarães, o Rio de fato tem uma grande oportunidade
para aproveitar assim como fizeram as cidades de Barcelona e Londres. Mas além
da infraestrutura, é preciso investir em informação à população, especialmente
durante o período do evento.