28/11/2015 08:05 - Zero Hora - Porto Alegre
Leia: Agressão criminosa - Armadilha de taxistas para motorista do Uber – Editorial / Zero Hora
O espancamento coletivo sofrido por um motorista do Uber, em Porto Alegre, não é um fato isolado. Casos tão graves quanto a agressão a Bráulio Pelegrini Escobar na última quinta-feira em um supermercado da Zona Leste, já ocorreram em outras capitais desde que o serviço começou a operar no Brasil, em junho do ano passado.
Polêmico, o aplicativo segue provocando muita discórdia entre usuários, taxistas e poder público, partes que discutem a concorrência "desleal” de um transporte "clandestino” diante de um discurso de ódio sustentado por uma parcela da categoria que se sente desfavorecida.
De acordo com a assessoria de imprensa do Uber, agressões a condutores já foram registradas duas vezes em Belo Horizonte e também em São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal – em Brasília, um motorista chegou a levar pontos na cabeça depois de receber pauladas com cassetete em outubro deste ano.
Na capital paulista, em agosto, um condutor do aplicativo registrou boletim de ocorrência na Polícia Civil dizendo que foi sequestrado e agredido por um grupo de taxistas. O carro dele foi apedrejado. No Rio, outro motorista foi intimidado e agredido durante um protesto contra o Uber que acabou em confusão, em novembro.
Na capital mineira, em setembro deste ano, um motorista do
Uber registrou ocorrência depois de ter sido cercado por taxistas e atingido
por socos. Segundo a vítima, o grupo teria usado facas e pedaços de madeira
para intimidá-lo. No mês anterior, em agosto, outro condutor do aplicativo foi
agredido e teve o carro danificado.
Casos em Porto Alegre
O mais recente, ocorrido no fim da tarde da quinta-feira,
envolveu Bráulio Pelegrini Escobar, 40 anos, que disse ter levado socos e
pontapés de taxistas por cerca de dez minutos até ser socorrido por
testemunhas. Ele foi levado ao Hospital Cristo Redentor, onde fez exames e
recebeu alta por volta das 23h.
Os taxistas foram presos em flagrante e encaminhados para a
2ª Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) de Porto Alegre. Cauê
Cavalheiro Varella e Alexandro dos Santos Scheffer prestaram depoimento e foram
reconhecidos pela vítima no Palácio da Polícia. Eles devem responder por
tentativa de homicídio.
Na madrugada de sábado da semana passada, pouco mais de um
dia após o início do Uber em Porto Alegre, um motorista do novo serviço em
operação teve a passagem bloqueada por taxistas no bairro Mont'Serrat, quando
tentava transportar um passageiro. Eles teriam dito que só liberariam a rua
depois que a EPTC ou a Brigada Militar chegassem.
No mesmo dia, a EPTC multou e guinchou um carro do Uber no
bairro Independência. Na manhã de quarta-feira, outros dois carros foram
recolhidos.
Uber nas capitais
Em Porto Alegre, o aplicativo acabou de ser proibido por um
projeto de lei aprovado na Câmara Municipal. No entanto, o prefeito José
Fortunati adiantou que não irá sancionar a proposta, de autoria do vereador
Claudio Janta (SDD), e que ainda vai analisar a regulamentação do serviço na
cidade.
Em São Paulo, também há uma lei em vigor vetando o uso do
Uber. O prefeito Fernando Haddad está analisando possibilidade de regular o
serviço com base na Política Nacional de Mobilidade Urbana. No Rio de Janeiro,
o aplicativo também foi proibido por lei, sancionada pelo prefeito Eduardo
Paes.
No Distrito Federal, o governo já protocolou um projeto para
regulamentar aplicativos de transporte executivo. O tema, porém, só deve ser
discutido no ano que vem, e o serviço segue sendo considerado irregular por não
ter solicitado autorização para operar.
Já a prefeitura de Belo Horizonte está tentando incorporar o sistema à frota de táxi, criando uma nova categoria com veículos de luxo. A proposta ainda não foi discutida na Câmara Municipal. O Uber está operando sem regulamentação desde novembro do ano passado na capital mineira.
Taxistas presos por
espancar motorista do Uber já tinham 15 registros na polícia
Apesar do histórico, os dois condutores estavam com a ficha limpa e
habilitados para conduzir táxis
Os taxistas presos por espancar um motorista do Uber pisaram
pela primeira vez no Presídio Central de Porto Alegre só depois das agressões,
mas antes já tiveram seus nomes envolvidos em 15 registros policiais.
Contra Alexsandro dos Santos Scheffer, 34 anos, foram 12 ocorrências por exploração de jogos de azar e ameaça. Seis geraram termos circunstanciados por exploração de jogo de azar. Em agosto de 2007, Scheffer pagou R$ 200 a uma entidade assistencial, teve máquinas de caça-niquel apreendidas e se livrou de um processo. Nessa época, ele tinha uma loja de alimentos para animais na Avenida Bento Gonçalves, na zona leste da Capital.
Em dezembro de 2011, Scheffer foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Estado por outro caso de contravenção – foram apreendidas 14 máquinas caça-níquel de Scheffer em estabelecimento comercial. Ele perdeu o máquinário e teve pena fixada em quatro meses de prisão convertidos em pagamento de dois salários mínimos. Em fevereiro de 2014, Scheffer foi indiciado pela Delegacia da Mulher da Capital por ameaça. O caso tramita na Justiça.
Cauê Cavalheiro Varella, 29 anos, teve contra si três
ocorrências. Em março de 2014 respondeu a um termo circunstanciado no qual ele
e um homem se queixaram de ameaça mútua à Polícia Civil. O caso não foi adiante
porque nenhum dos dois compareceu à audiência judicial. Dias depois, a polícia
apreendeu em um colete balístico que seria de Varella em um apartamento da
Avenida Aparício Borges, na zona lesta da Capital.
Em junho deste ano, se envolveu em uma briga no bairro
Floresta. Varella já foi dono de uma empresa, a Versatil Segurança, aberta em
maio de 2013, mas que já teria sido fechada.
Para dirigir táxi, a Empresa Pública de Transporte e
Circulação (EPTC) exige do motorista a apresentação de certidões negativas
emitidas pelas Justiças Estadual e Federal, que devem ser renovada a cada 12
meses. Schefffer e Varella estavam habilitados porque as fichas deles são
limpas. Schefffer cumpriu prestação de serviço e pagou multa por causa da
contravenção, e os demais casos não geraram condenação. Desde quinta-feira, a
licença deles está suspensa preventivamente.
Pontapés, socos e
ameaças
No final da tarde de quinta-feira, o motorista do Uber
Bráulio Pelegrini Escobar, 40 anos, levou socos e pontapés por cerca de dez
minutos até ser socorrido por testemunhas (veja o vídeo abaixo). Ele foi levado
ao Hospital Cristo Redentor, onde fez exames e recebeu alta por volta das 23h.
Conflito urbano
Lícia Peres - Socióloga
O conflito entre taxistas e motoristas do Uber descambou para agressões inaceitáveis. Logo iniciado o novo serviço, taxistas impediram a saída de um carro que transportaria um passageiro. Poucos dias depois, um motorista do Uber foi agredido a socos e chutes por um grupo de taxistas, precisando ser hospitalizado.
Há coisas que precisam ser analisadas nos seus diferentes ângulos. O Uber veio para aumentar a oferta de condução em nossa cidade. No caso, são pessoas ofertando serviços particulares que fariam o papel do táxi.
Há o lado dos taxistas, que, justificadamente, reclamam que, enquanto eles cumprem todos os requisitos para trabalhar nos seus carros, aos do Uber nada é exigido.
Precisamos ver também a questão importante do desemprego, que está aumentando a cada dia. Hoje temos 9 milhões de desempregados, e grande parte desse contingente é composto por jovens.
No Brasil, em período de desemprego alto, as pessoas, tradicionalmente, passam a recorrer à informalidade: fazem "bico", viram camelôs etc. É a estratégia da sobrevivência que o nosso povo conhece e pratica. Esse lado não pode ser ignorado. Qualquer pessoa sensata sabe que existem ordens incumpríveis.
São inaceitáveis as declarações do dirigente da EPTC, ao anunciar que passaria a usar o aplicativo, fingindo ser um cliente, para flagrar os motoristas clandestinos, efetuar prisões e apreender seus veículos. Na verdade, uma armadilha que só é justificável para prender bandidos.
A Câmara Municipal, em tumultuada sessão, decidiu proibir o Uber na cidade, decisão que será encaminhada ao prefeito José Fortunati.
Hoje, quando não quero dirigir, uso apenas o teletáxi, pois eu e várias pessoas conhecidas já tivemos problemas com taxistas. Ou ficam zangados se a corrida é curta, ou ouvem rádio muito alto, ou não mantêm os carros limpos. Por isso, há um desejo de ter maior possibilidade de escolha, um direito do usuário.
Essa questão que diz respeito à mobilidade urbana precisa ter uma solução imediata: exigência de alguma normatização para que o novo serviço possa ser oferecido, e punição severa aos que usam a violência como forma de resolver conflitos. Assim Porto Alegre sai ganhando. |
"Tenho certeza de que apanharia até morrer", diz motorista
do Uber espancado
Bráulio Escobar conversou com ZH na manhã seguinte à agressão de
taxistas ocorrida em Porto Alegre
Ao ser conduzido para a direção de uma blitz, Bráulio
Escobar pensou que transportava como passageiro um agente de trânsito que iria
multá-lo e apreender o New Fiesta que dirigia pelo aplicativo Uber. Quando um
segundo homem embarcou no veículo e pediu que buscasse um terceiro sem fornecer
qualquer endereço, o motorista teve certeza de se tratar de um assalto. No
momento em que chegou ao estacionamento do supermercado Carrefour, na Avenida
Bento Gonçalves, acreditou estar a salvo. Descobriu que a realidade doeria mais
do que as hipóteses que cogitara: ele havia caído em uma armadilha organizada
por taxistas.
— Calculei que ali seria meu local de segurança. Jamais
imaginei que fosse apanhar ali, Literalmente, aprendi apanhando — disse.
Bráulio conversou com ZH sobre a agressão que personificou o
debate travado entre táxi e Uber em Porto Alegre na manhã seguinte ao fato. Por
mais de uma hora, sentado no sofá de casa, traçou o que aconteceu entre as
17h05min (horário em que pegou um passageiro que, depois, se transformou em seu
agressor) até as 3h (quando deixou o Palácio da Polícia após prestar
depoimento). Diz que sobreviveu graças à intervenção de três senhoras que se
colocaram entre ele e os 12 taxistas que desferiram chutes, pontapés e
garrafadas, mas, repetidas vezes, ressaltou que o grupo não representa a
categoria.
Ele ainda não havia dormido: com risco de derrame cerebral,
só poderia pregar os olhos depois das 18h desta sexta-feira. Foi diagnosticado
com traumatismo craniano e sofreu fraturas no maxilar e no braço direito.
Bráulio morou quase 20 anos longe de Porto Alegre. Viveu em
Lisboa, Helsinque, Milão, Florianópolis, Rio de Janeiro, São Paulo e Londres
(cidade onde conheceu o aplicativo Uber). Retornou para a Capital há cinco
anos, onde ocupou somente vagas temporárias. Cadastrado no Uber em Porto Alegre
e na capital paulista, se animou com a possibilidade de um trabalho novo ao
visualizar uma mensagem no celular: o aplicativo estava selecionando
motoristas.
Desde o início de 2014, possuía, guardado na garagem, um
carro que atende às exigências da empresa. Um ano e meio depois, o veículo está
destruído e recolhido pela polícia para perícia.
— Eu não estava prejudicando ninguém. Estava trabalhando. Não maltratei ninguém, não agredi ninguém. É uma discussão que não compete a um taxista exercer, julgar ou, pior ainda, condenar e efetuar a pena — desabafa.
Confira, abaixo, a entrevista:
Quando o senhor se
cadastrou no Uber, já sabia que o serviço começaria a operar em Porto Alegre?
Eles mandam um aviso de que vão inaugurar e de que as
inscrições estão abertas, e você preenche a documentação, um tanto quanto
extensa. Existe uma ficha corrida de nível federal, uma de nível estadual, a
apresentação da carteira de motorista com a indicação de que exerce atividade
remunerada e, depois, a apresentação e avaliação do veículo.
Como está seu carro
hoje?
Uma sucata. Ele foi destruído. Acabou. Eu não consegui
reconhecê-lo. Talvez, os pneus estejam intactos. Não existe uma parte da
lataria do carro que esteja intacta. Pelo menos, que eu tenha visto. É
agonizante.
O que deixou o carro
assim?
Doze pessoas que, infelizmente, trabalham como taxistas, mas
não são taxistas. Talvez não sejam nem seres humanos que, de uma maneira
barbárica, resolveram fazer uma espécie de justiça com as próprias mãos. Deu
nisso. E meu carro virou o que virou. Foram essas pessoas que fizeram,
infelizmente, uma vergonha para a classe dos taxistas, que é uma classe que
trabalha muito, que tem muita gente idônea e gente de respeito. Mas que,
infelizmente, amanheceu em um dia negro e carregada de uma vergonha. Talvez não
seja nem vergonha deles. Eu recebi mensagens de taxistas e disse para todos
eles que eles não devem se desculpar. Eu sei que eles não fizeram e eu sei que
não é da índole dos taxistas de Porto Alegre, dos gaúchos, fazer uma coisa
dessas. Nós, gaúchos, somos um povo que luta, não um povo que briga.
O que aconteceu a partir das 17h da tarde de quinta-feira?
Fui chamado por um passageiro que queria que eu fosse
buscá-lo na Avenida Cristóvão Colombo. Esse passageiro, entrando no carro,
começou a se comportar de maneira diferente dos outros passageiros que estou
acostumado a pegar no Uber. Não demonstrou interesse nenhum pela plataforma,
não quis saber como funcionava, não quis dar o endereço de destino e disse que
precisava buscar duas pessoas para trabalhar à noite. Sem dar endereço, pediu
que eu pegasse a Avenida Protásio Alves e fosse até Viamão. Peguei a avenida,
sabendo que, na esquina com a Avenida do Forte, havia uma blitz. O passageiro
insistiu que não havia. Chegando perto da blitz, insistiu que eu chegasse perto
da blitz, que as pessoas que eu iria pegar estavam na esquina da blitz, que
estavam com muito peso para sair dali. Eu comecei a desconfiar que poderia ser,
como foi anunciado pela EPTC, agentes chamando os carros. Pensei que não teria
escapatória e fui para a blitz. Para o meu azar, a blitz tinha acabado.
Chegamos na esquina e não eram dois, era um passageiro, e ele não tinha carro
nenhum. Pediram, então, que eu fosse para o bairro Partenon, perto do Carrefour
da (avenida) Bento Gonçalves. Foi onde eu comecei a desconfiar que, talvez,
fosse um assalto, mas fui porque, na hora do pico do trânsito, sem viaturas passando
por perto, com medo, fingi que não estava entendendo e continuei andando para
não despertar a desconfiança neles.
De novo, a questão de "vamos buscar uma terceira
pessoa, mas não sei o endereço". Não quis dar o nome da rua, depois não
quis dar o número. Achamos meio que na sorte um fim de rua atravessando a Bento
Gonçalves, um beco, e a pessoa não quis embarcar no carro. Foi onde eu cheguei
à conclusão absoluta de que seria assaltado, sequestrado ou espancado. Ali, eu
já tinha a certeza absoluta de que alguma coisa estava errada. Terminada a
discussão de quem entra e quem não entra no carro, o primeiro passageiro disse
para irmos ao supermercado Carrefour para comprar carne para um churrasco. Mas
eles estavam indo trabalhar. De novo, me fiz de idiota, não iria discutir. Até
dei uma alfinetada perguntando se eles não iriam trabalhar, eles se perderam
completamente. Acreditando que no estacionamento do supermercado eu teria uma
chance de fuga, eu fui. Chegando lá, eles abriram as portas traseiras, desembarcaram,
não fecharam completamente as portas traseiras, e já veio a multidão de
taxistas querendo abrir as portas do meu carro, chutando o para-choque. Um
deles entrou com meio corpo no carro, pegou o volante e, com o pé, tentou pisar
na embreagem. Mas o meu carro é automático. Com medo, pisei no acelerador para
ele cair de dentro do carro. Ele não caiu, puxou o volante em direção aos
carros que estavam estacionados, ou seja, era para acidentar o carro mesmo, e
acabamos batendo em uma pilastra. E foi onde começou a agressão. Eles abriram
as quatro portas do carro, me agrediram com socos e pontapés, abriram o
porta-malas, tiraram o cooler com águas e bateram em mim com as garrafas de
água, com a tampa do cooler. Bateram com guarda-chuvas que levo no carro para
pegar os passageiros em dias de chuva. E a multidão começou a se aglomerar em
volta do carro. Havia três senhoras que estavam assistindo e, de repente,
resolveram se colocar entre o meu carro e os taxistas. Na realidade, foram
senhoras que salvaram a minha vida, porque tenho certeza de que iria apanhar
até morrer. Ouvi isso da boca deles.