Orçamento Participativo e sem prejuízo

31/07/2014 07:30 - O Globo

MARCUS ABRAHAM

Com o fim do recesso, o Congresso volta a debater propostas para derrubar o decreto presidencial 8.243/14, que criou os Conselhos Populares, sob o argumento da invasão de competência do Legislativo. No melhor espírito republicano, propomos a reflexão sobre o inciso V do artigo 4º deste decreto, que trata da implantação do Orçamento Participativo em nível federal, forma de participação popular em matéria orçamentária.

Onde o modelo já existe, funciona como um "terceiro centro opinativo”, através de assembleias locais, para colaborar com o Executivo e possibilitar maior capilarização na identificação das suas necessidades, em assuntos como saneamento, pavimentação, circulação e transporte, lazer, iluminação, meio ambiente etc, sendo ideal para os grandes centros urbanos, onde o cidadão se distancia da Administração Pública.

Na Constituição, a norma mais próxima à ideia de orçamento participativo situa-se no artigo 29, incisos XII e XIII, que tratam da participação popular nas questões locais. Não há, entretanto, qualquer menção à vinculação das propostas populares e sua incorporação ao projeto de lei orçamentária, que é de iniciativa exclusiva do chefe do Poder Executivo. Resta-nos, assim, considerá-las como sugestões legitimadas pelo interesse público local.

Devemos, entretanto, realizar algumas reflexões a respeito, já que a implementação do orçamento participativo apresenta vantagens e desvantagens. A primeira das vantagens é a de que haveria um fortalecimento da cidadania ao incluir a voz social no processo orçamentário. Ademais, seriam permitidas escolhas comunitárias sugeridas a partir de suas maiores necessidades, com legítimo conhecimento de causa. E, ainda, o cidadão teria amplo acesso e transparência quanto ao custo/benefício do orçamento.

Como desvantagens, haveria um possível enfraquecimento do atual modelo de representação política. Além disso, grupos de pressão e movimentos sociais poderiam atuar diretamente na elaboração do orçamento, afetando o seu conteúdo com interesses individuais e específicos. Haveria, ainda, a ausência de conhecimento técnico nas propostas originárias destes conselhos, além da falta de visão global da peça orçamentária, gerando eventual desequilíbrio fiscal. Por fim, o aumento da burocracia poderá engessar e dificultar a tomada de decisão.

O ideal de democratização das políticas públicas é mais do que louvável. Afinal, se hoje assistimos à nação livremente manifestar a sua insatisfação com os bens e serviços públicos oferecidos, isto se deve ao inequívoco amadurecimento da democracia brasileira e à conscientização da população dos seus direitos de cidadania, decorrentes do texto e do espírito da Constituição de 1988. Mas, na seara orçamentária, o tema precisa ser tratado com cautela, a fim de se encontrar meios para potencializar os seus benefícios, sem contaminar-se pelas desvantagens.

Marcus Abraham é desembargador federal