CO₂ vira grande obstáculo para transportes globais

28/05/2015 08:25 - Valor Econômico

O comércio mundial e o setor de turismo devem crescer a taxas elevadas nas próximas décadas. Mas, para o setor de transportes, isso não é apenas motivo de comemoração. O aumento no fluxo de navios, aviões e trens carregando mercadorias e turistas ao redor do globo traz também uma grande preocupação: o que acontecerá com as emissões de CO2?

Para participantes da cúpula do Fórum Internacional de Transportes (ITF), órgão intergovernamental que reúne 54 países, essa é uma preocupação maior até mesmo do que um possível nó logístico que esse novo cenário pode acarretar.

"O número de turistas viajando pelo mundo no ano passado chegou a 1,1 bilhão", disse ontem José Ángel Gurría, secretário-geral da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), na abertura do evento, em Leipzig. "Daqui a 35 anos, serão 3,5 bilhões. E o fluxo de comércio vai quadruplicar."

Para Gurría, haverá graves problemas tanto para o comércio quanto para o turismo se países e empresas não levarem em conta o aquecimento global. "E se as emissões relacionadas ao comércio global e ao turismo crescerem nessa mesma proporção?", questionou. "Isso não é sustentável, não é viável economicamente nem aceitável politicamente."

Participantes da cúpula em Leipzig são unânimes em apontar que os países emergentes crescerão a taxas maiores do que as economias desenvolvidas nas próximas décadas. E, com isso, as emissões geradas nesses países - onde há menos recursos e tecnologia, além de um apetite maior por energia - viram motivo de preocupação.

Alguns indícios já começam a aparecer. Segundo dados da OCDE, desde a década de 1990 as emissões dos 34 países-membros da entidade já não acompanham o crescimento de suas economias. No período entre 2008 e 2012, o crescimento foi negativo. Já entre os países não membros, teoricamente mais pobres, a tendência é de alta mais elevada tanto do PIB quanto das emissões.

Em um dos painéis de ontem, Alexander Körner, analista da Divisão de Políticas de Tecnologia Energética da Agência Internacional de Energia (AIE), disse que o aumento da renda nos emergentes, com consequente alta no consumo, também eleva o potencial poluidor desses países, "onde serão vendidos mais carros do que nas economias desenvolvidas no futuro".

Além disso, faltam políticas de eficiência energética na maior parte das economias emergentes, afirmou, citando especificamente a América do Sul. Para ilustrar, mostrou um dado sobre o consumo médio dos automóveis entre os países-membros da OCDE e os não membros na última década.

Em 2005, disse, um carro consumia em média 8,6 litros de gasolina a cada 100 km nos países do primeiro grupo e 7,3 litros nos do segundo. Em 2013, os automóveis nos países da OCDE haviam reduzido seu consumo médio para 6,9 litros, menos do que os 7,2 litros daqueles nos demais países.

Patrick Oliva, vice-presidente-sênior da Michelin, disse não estar "absolutamente convencido de que o comércio se quadruplicará e o fluxo de turistas triplicará" no prazo calculado por Gurría, da OCDE. Segundo ele, "se isso acontecer, nós teremos um problema real".

Para ele, no entanto, se esses números dobrarem, "será absolutamente factível reduzir as emissões pela metade". "Graças ao aprimoramento tecnológico, haverá carros elétricos e outros que consomem dois litros de gasolina a cada cem quilômetros", afirmou. "Eu acho que os próximos 35 anos nos darão várias oportunidades de ver como nós precisamos formular as políticas públicas e como os negócios devem se organizar."

Para Alain Flausch, secretário-geral da Associação Internacional de Transporte Público, a eficiência no setor passa também por "reduzir a mobilidade inútil". "Muitas pessoas nas cidades usam seus carros para viagens de menos de dois quilômetros. Massificar o transporte é uma das coisas que podem manter o mundo vivo nos próximos anos", afirmou.

O comércio global também tem seus exemplos de "mobilidade inútil", disse ele. "Você transportar flores por via aérea a uma distância de 5.000 km não faz sentido", disse ele. "Nós podemos esperar as flores na época certa. Nós não precisamos de flores que têm que ser trazidas diariamente da Tailândia. Custa uma fortuna, polui o ar. É uma loucura."

O jornalista viajou a convite do ITF.